912kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

i

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Vaticano. Dentro do quartel da Guarda Suíça com o único português do exército do Papa

Marco Tavares Marques é o único guarda suíço com nacionalidade portuguesa. O militar mostrou ao Observador o quartel do exército mais pequeno do mundo, dentro dos muros do Vaticano.

Enviados especiais ao Vaticano

A porta de Sant’Anna, na zona norte da Praça de São Pedro, é o principal e mais movimentado pórtico no muro que divide Roma e a cidade do Vaticano. Ainda assim, a maior parte dos milhares de turistas e peregrinos que o cruzam diariamente para ver o Papa nunca terá reparado no mundo que ali existe. Uma pequena entrada, à esquerda de quem entra vindo do bairro romano do Borgo Pio, dá acesso ao quartel general da Guarda Suíça, o exército mais pequeno e mais antigo do mundo, cuja principal missão é defender, com todos os meios, a vida do Papa. Apesar de ali a língua dominante ser mais o alemão do que o italiano — todos os membros da Guarda Suíça são, como o nome indica, suíços — somos recebidos com um “olá, boa tarde” em bom português.

Marco Tavares Marques, 23 anos, é o único guarda suíço português, e tem orgulho nas suas origens. Os pais, ambos portugueses, emigraram para a Suíça há três décadas. “A minha mãe emigrou há 30 anos e o meu pai um bocadinho depois, há 28 ou 29. A mãe tinha lá um tio, que trabalhava na Suíça, em Zurique, e aos 18 anos queria ir para a Suíça também, para trabalhar. Depois, nasceu a minha irmã e nasci eu. Crescemos lá na Suíça e só uma vez por ano é que vamos a Portugal, uma semana”, conta Marco, sentado numa mesa da cantina dos guardas-suíços ainda com a farda de gala — o famoso uniforme composto por faixas azuis, amarelas e vermelhas usado pelo exército do Papa — com que durante da manhã esteve ao serviço na Praça de São Pedro.

Marco Tavares Marques é o único guarda suíço com nacionalidade portuguesa. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Desfaz-se a confusão causada pela expressão “guarda suíço português”. Marco é os dois. “Fui português até aos 12 anos e depois recebi o passaporte suíço também. Agora, tenho o português e o suíço”, esclarece. Mas sente-se mais português ou mais suíço? “É 50/50”, diz. “Nasci com duas culturas. Tenho a cultura portuguesa, são os meus pais, a minha origem. Mas vivi na Suíça, nasci na Suíça, a minha mente funciona como a mente de um suíço”, acrescenta.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Se Portugal joga contra a Suíça, tenho de apoiar a Suíça. Mas de resto apoio sempre Portugal”

Por isso, fica difícil saber por quem torcer nos jogos de futebol que os guardas suíços veem todos em conjunto numa praça no interior do quartel, devidamente equipada com um projetor, uma tela e bancos colocados num tapete relvado para ajudar a entrar no espírito. “Se Portugal joga contra a Suíça, tenho de apoiar a Suíça”, reconhece. À volta do espaço preparado para ver as partidas multiplicam-se as bandeiras de vários países, incluindo uma portuguesa, mas é a bandeira da Suíça, nacionalidade comum a todos os elementos daquele exército, que está em destaque. “Mas de resto apoio sempre Portugal”, detalha.

É aqui que os guardas suíços veem os jogos de futebol do Mundial - e torcem, obviamente, pela Suíça. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Enquanto nos mostra a “fanzone” particular da Guarda Suíça, revela um dos segredos menos bem guardados dali: a fonte centenária que adorna aquele espaço, solene como todos os do Vaticano, está, na verdade, cheia de cervejas. Aproximamo-nos e lá estão as garrafas, a refrescar debaixo da água fria que jorra do fontanário. “Podemos servir-nos daqui. Esta cerveja vem da Alemanha, é um cardeal que nos dá.”

Foi uma visita ao Vaticano em 2010, quando Marco tinha 15 anos, que traçou o destino deste luso-suíço. O padre da sua paróquia levou um grupo de jovens a Roma para visitar o Vaticano e um dos pontos da visita foi precisamente o quartel da Guarda Suíça, que fascinou Marco. O historial militar da família — o pai era militar na infantaria do exército suíço — e a obrigatoriedade do serviço militar na Suíça levaram Marco a apaixonar-se pela vida militar. “Gosto das regras, da disciplina”, admite. Fez quase um ano de serviço militar na Suíça — o dobro do tempo mínimo obrigatório — antes de decidir candidatar-se a um lugar no exército do Papa.

2 fotos

Para entrar na Guarda Suíça há um conjunto de requisitos obrigatórios. Uns físicos, como a necessidade de ter pelo menos 1,74 metros de altura; outros legais, como a obrigatoriedade de ter nacionalidade suíça e de ter cumprido o serviço militar naquele país; e outros ainda de fé e moral: é preciso ser católico e proibido ser casado — embora, ao contrário do que se possa pensar, não haja nenhum voto de celibato envolvido. Aliás, após cinco anos na Guarda Suíça os militares podem casar e até têm direito a uma casa gratuita para si e para a família no interior do Vaticano.

A candidatura passa sempre pela Suíça, onde está localizado o departamento responsável pelo recrutamento. Num documento com “mais ou menos cinquenta páginas”, o candidato tem de explicar porque é que quer entrar na Guarda Suíça, incluir relatórios médicos e uma série de documentação. Os processos seguem depois para Roma, onde o comandante os analisa e escolhe um conjunto de candidatos para uma entrevista no Vaticano. “Eu estava nervoso, mas é uma entrevista normal, mais ou menos. Porque é que quer trabalhar para nós? O que é que vê de bom na Guarda Suíça? De onde tem a ideia de vir para cá? As perguntas normais”, recorda Marco.

A pergunta mais significativa será, sem dúvida, também a mais decisiva. “Está disposto a dar a vida pelo Papa?” Marco não hesitou. “Sim. O ponto principal do nosso juramento, no dia 6 de maio, é dar a vida pelo Santo Padre se acontecer alguma coisa”, atira sem pestanejar.

"O ponto principal do nosso juramento, no dia 6 de maio, é dar a vida pelo Santo Padre se acontecer alguma coisa"

Se o candidato passar por todas as fases e for selecionado, começam os dois meses de recruta. O primeiro é na Suíça, com a polícia cantonal. “Treinamos tiro, combate pessoal, defesa pessoal, questões táticas, psicologia, a lei, temos de estudar a lei também”, explica Marco. O segundo mês é no Vaticano, a acompanhar o serviço dos guardas suíços nos postos de serviço. Depois dos dois meses, entra-se formalmente ao serviço do Papa, numa comissão de 24 meses. “Depois desses dois anos, podemos fazer uma candidatura para poder ficar mais tempo, mas é o comandante que escolhe. Ou então podemos ir para casa, para a Suíça.”

A seis meses de completar a comissão, Marco ainda não tem os planos para o futuro completamente decididos. Está à procura de um trabalho na Suíça, onde gostava de ser enfermeiro militar, mas não descarta a possibilidade de ficar pelo Vaticano. “Se eles quiserem que eu fique, se calhar também fico”, assume Marco, que antes de ser militar trabalhou na banca e na construção civil na Suíça. Quando terminam os contratos de dois anos, a maioria dos guardas suíços voltam para o exército da Suíça ou para a polícia daquele país, explica o luso-suíço, acrescentando que são poucos os que ficam, casam e se tornam oficiais graduados. Ir para Portugal é outra das hipóteses — Marco gostaria de viver em Lisboa, onde mora uma prima sua, para aperfeiçoar o português.

Armados e treinados, os guardas suíços não são decorativos

Habitualmente, o dia de um guarda suíço começa bem cedo, pelas 6h da manhã. Mas o serviço pode ser diferente todos os dias. A Guarda Suíça, exército do Vaticano, articula-se com a Gendarmeria, polícia vaticana, para garantir a segurança do Vaticano. A primeira dedica-se a proteger a vida do Papa, a segunda detém a autoridade policial dentro dos muros do Vaticano. Por isso, os guardas suíços têm de estar em todos os locais que possam servir de acesso ao Papa: habitualmente, estão em todas as entradas do Vaticano e nas entradas da residência de Santa Marta, onde Francisco vive. Além disso, estão espalhados pela Praça de São Pedro quando o Papa preside a celebrações naquele lugar, e acompanham o Papa para todo o lado, incluindo para o estrangeiro.

No quartel da Guarda Suíça existem dezenas de armas históricas que pertenceram ao exército durante os últimos séculos. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Além do serviço de segurança, a Guarda Suíça é responsável também pela guarda de honra do Papa. Mas desengane-se quem pensa que os guardas suíços são decorativos no Vaticano — mesmo que a farda colorida possa fazer pensar isso. São militares altamente treinados e têm armas de fogo com eles na maioria dos postos de serviço, apesar de, como explica Marco, não ser preciso recorrer a elas desde a Segunda Guerra Mundial.

“A segurança do Papa é o nosso trabalho principal. Tudo aquilo que nós fazemos de serviço de honra é secundário”, diz Marco, que, “graças a Deus”, nunca teve de intervir em situações de perigo para Francisco. “Mas tenho vários colegas que já tiveram. O que contam é sobretudo terem de usar o spray pimenta”, lembra o guarda luso-suíço, sublinhando que quando estão de serviço na guarda de honra do Papa as únicas armas que têm são o spray pimenta e a espada. Mas, para chegar até esses guardas é preciso passar por inúmeros outros militares, vestidos discretamente, de fato negro, que asseguram que nada foge ao protocolo.

“A segurança do Papa é o nosso trabalho principal. Tudo aquilo que nós fazemos de serviço de honra é secundário”, diz Marco, que, “graças a Deus”, nunca teve de intervir em situações de perigo para Francisco. “Mas tenho vários colegas que já tiveram. O que contam é sobretudo terem de usar o spray pimenta”

Mas nada dá maior alegria a um guarda suíço do que o serviço privilegiado de guardar a residência do Papa. Calha poucas vezes por mês a cada um, mas de vez em quando Marco lá é escalado para ficar à porta do quarto do Papa Francisco. “O Papa tem uma aura muito especial”, diz o luso-suíço, admirador do estilo do atual pontífice. “Vê-se nos olhos de uma pessoa que já viu muitas coisas. Ele já viu tantas coisas. Tem a experiência, tem uma certa idade, mas tem aquela religiosidade muito profunda, que às vezes nos cardeais não se vê tanto. Com ele é especial. É muito humilde, muito trabalhador”, comenta Marco.

Marco Tavares Marques no quartel dos guardas suíços, no Vaticano. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Todos os dias por volta das 4h da manhã, Francisco já está de pé. Reza, lê, celebra missa e recebe pessoas em audiência durante a manhã. “Depois, à tarde, não sei o que é que ele faz. Nós não sabemos muito, mas estamos sempre com ele”, explica o guarda. “Temos de controlar as pessoas que entram na residência ou que entram no Vaticano. Sabemos quem é que são as pessoas. Mas quando as portas estão fechadas, depois, não sabemos nada.” A conversa entre o Papa e os guardas suíços também é reduzida: bom dia, boa tarde, tudo bem?

Na praça central do quartel estão as bandeiras de todos os cantões da Suíça. É ali a praça de honra, em que são feitas as paradas militares e onde começam e terminam todos os turnos de serviço. Ao fundo, um grande fontanário, em memória dos 147 guardas suíços que morreram durante o Saque de Roma, em 1527. Quando os Estados Pontifícios foram invadidos pelo Sacro Império Romano-Germânico, a Guarda Suíça conseguiu transportar o Papa Clemente VII em segurança para o castelo de Sant’Angelo — e os guardas que morreram nesse combate são hoje considerados heróis para aquele exército, como explica o luso-suíço.

8 fotos

Em volta daquela praça central estão ainda as casas dos graduados — os oficiais que ficam mais do que dois anos e são promovidos —, um bar onde há comida a toda a hora. À hora das refeições e das trocas de turnos são colocadas várias opções de refeições e bebidas nas mesas para os militares que vão chegando.

Nas caves estão as reservas do armamento, que inclui armas históricas e atuais, armaduras, capacetes e alabardas, a principal arma da guarda de honra. Marco pega numa para nos mostrar como se segura a arma, comprida, durante uma celebração com o Papa. “É leve, não é?”, comenta. Ao fim de algumas horas, porém, começa a pesar. E é aqui que Marco é mais suíço do que português: “A nossa mentalidade, a mentalidade suíça, é um bocadinho mais tranquila. É difícil ficar ali quieto, em sentido, para uma pessoa que tem muita energia. Mas, enfim, é o trabalho, é o que temos de fazer. Se tens de estar quieto, tens de estar quieto.”

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça até artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.