A rentrée ainda não tinha arrancado e já André Ventura reconhecia a dificuldade do ano legislativo que se aproxima. O presidente do Chega esperava um cenário bem diferente do imbróglio que o partido está a vivenciar (da decisão do Tribunal Constitucional às eleições na Madeira) tendo em conta que apresenta um “crescimento sustentado nas sondagens” e, “sobretudo, num momento em que o PSD não consegue descolar e ser essa alternativa”. Em Lagos, no Algarve, Ventura recuou no discurso para voltar a desafiar a direita a unir-se e a apresentar uma alternativa para o país. Por outro lado, e perante mais um ataque da oposição, reconheceu que há feridas abertas e não poupou nas palavras dirigidas aos adversários (de “ratos” a “idiotas úteis” para o regime).
André Ventura desafiou a direita a deixar de ser “dos ricos”, “elitista” e “corporativista”, não pedindo apenas que se baixem impostos e focando-se numa solução à italiana (apresentada por Giorgia Meloni): a sugestão é “ajudar as pessoas que não conseguem pagar as casas [e que] se faça com recurso às taxas aos bancos”.
Ainda antes do discurso no jantar que juntou mais de 250 pessoas no Duna Beach, em Lagos, André Ventura falou aos jornalistas à entrada e alertou para o facto de a direita não estar “representada nos últimos tempos”. E depois de ter ouvido o discurso de Luís Montenegro na rentrée do partido, tirou uma conclusão. “Percebi que a reforma fiscal do PSD e da IL resume-se a estarem sempre aos gritos a dizer ‘baixem os impostos’”, acusou.
Por esta razão, resolveu recuar e voltar a sugerir uma alternativa — já depois de Montenegro ter vindo paulativamente a dizer que o Chega não faz parte dos planos (apesar de se recusar a dizê-lo com todas as letras) e de a IL sempre ter dito ‘não’ ao partido de Ventura: “Lanço um desafio ao PSD e à direita toda: estão ou não de acordo que o dinheiro que precisamos, nomeadamente para ajudar as pessoas que não conseguem pagar a casa neste momento, se faça com recurso à taxa sobre os bancos, como está a acontecer em Itália?”
“O desafio que deixo à direita portuguesa é deixarmos de ser a direita dos ricos, que parece que é a direita dos ricos, que só se preocupa em pedir menos impostos e que tem outras soluções”, insiste, apontando que “os bancos fizeram muito dinheiro à conta desta crise e que é preciso ir buscar uma parte desse dinheiro temporariamente para financiar e ajudar a baixar as prestações”.
André Ventura afirma que “a direita tem de ser capaz de descolar da imagem corporativista e elitista que tem e transmitir a mensagem certa às pessoas”, nomeadamente porque “a classe média não consegue passar as casas” e é preciso “dizer qual é solução” — “é legítimo pedir que uma parte do valor que se ganhou em [devido à subida da] inflação sirva para baixar o crédito à habitação”. “Baixar o IRS não vai resolver o problema da habitação”, aponta, frisando que é necessário “baixar impostos mas também ter justiça fiscal”.
Mais tarde, no discurso que marcou o arranque do ano legislativo do Chega, André Ventura voltou a referir-se à direita portuguesa (“infelizmente não temos uma direita em Portugal e nem sequer temos uma direita que pudesse gostar de nós“) e distanciou-se do PSD e daquilo a que chamou de “grande reforma fiscal que era simplesmente [para] baixar impostos” — recordando que o PSD “votou contra” as propostas do Chega para “baixar impostos”.
Perante os militantes (e reconhecendo que nem todos têm a mesma opinião), Ventura deixou claro de que forma olha para o Chega: “Não somos uma direita elitista, nunca quisemos ser, somos o partido mais popular deste país.” E usou a ideia para argumentar que “não aceita” que, “no momento mais difícil para tantas famílias para pagar casa e conseguir pôr comida na mesa, a banca se esteja a encher de lucro e as famílias não consigam pagar a prestação”.
Um ataque ao TC que se estende a PS e PSD
Antes do arranque de um novo ano parlamentar, o Tribunal Constitucional voltou a decidir contra o Chega ao confirmar a decisão de invalidar convocatória da última convenção e André Ventura não tem escondido a revolta nos últimos dias. Perante os militantes que marcaram presença no Algarve, voltou a tocar no tema. “Não conheço nenhum partido que tenha tido de fazer cinco convenções em quatro anos. Não somos menos competentes que outros na sua altura, somos é mais perseguidos do que outros”, assegurou o líder do Chega.
Sugeriu que só para decidir sobre o Chega é que os juízes do Palácio Ratton reuniriam em agosto, nas férias da justiça, e, para todos os que estão prontos a atirar “pedras”, sublinhou que este não é um problema de incompetência. “O Tribunal tem de decidir se quer ser uma instância independente de regulação ou se quer ser uma força de bloqueio dos partidos políticos em Portugal”, alertou, frisando que se trata de um “tribunal nomeado maioritariamente pelo PS e pelo PSD” que “tem colocado sucessivos obstáculos à terceira força política”.
“É o mesmo que dizer que os dois principais partidos que nomeiam o Tribunal Constitucional querem anular o seu principal oponente. Isto não é democracia“, concluiu.
O imbróglio da Madeira
Quando André Ventura estava a chegar à rentrée do Chega estava prestes a começar aquele que costuma ser chamado de debate dos pequenos (para partidos sem assento parlamentar) na RTP Madeira, mas o cabeça de lista do partido para as eleições regionais, Miguel Castro, encontrava-se no Algarve e não marcou presença. Questionado sobre a situação, o líder do Chega garantiu que não estava a par: “Não tenho conhecimento disso.”
Sobre o tema em si, considera que o Tribunal do Funchal “decidiu de forma acertada” ao aceitar a lista do Chega e que “não há nenhuma razão para que a lista seja inviabilizada”. Ainda assim, fez questão de apontar que uma decisão contrária abriria um “precedente gravíssimo“, dando um exemplo: “Se o Tribunal Constitucional toma uma decisão sobre PSD ou PS a três meses de umas legislativas significa que o partido não pode ir a votos? Como fica representado o Parlamento?” E alertou: Quando tomamos decisões destas temos de perceber que há um dia a seguir.”
Apesar das dúvidas sobre se o Chega vai ou não poder ir a votos, Ventura disse estar “muito convicto” de que a decisão vai ser favorável ao partido. “E se não acontecer é um ataque brutal à democracia, retirar o terceiro concorrente de uma eleição era um precedente gravíssimo”, reitera.
E foi mais longe para dizer o Chega apresentou um “projeto ambicioso” e que fará aquilo que o PS não consegue há anos — “É a única força que pode tirar a maioria absoluta ao PSD na Madeira e, por milagrosa coincidência, querem impedir a candidatura.” Perante aquilo que considera um “contexto histórico”, Ventura atira o repto: “Ganhem-nos nas urnas e não na secretaria dos tribunais.”
As feridas abertas (ou os “ratos” do partido)
Num partido que já viveu vários momentos de forte contestação interna — e onde a oposição volta agora a ganhar espaço, nomeadamente por ter sido a militante número 3 do partido, Fernanda Marques Lopes, a fazer o pedido de impugnação que levou à inviabilização da última convenção do Chega — André Ventura enviou recados internos: “O que custa ver, e lamento falar disto hoje quando devia estar a falar para fora, é que tantas vezes os nossos adversários não estão só lá fora como estão cá dentro.”
O líder do Chega não poupou nas palavras e acusou os desalinhados de “darem as armas” e de serem os “idiotas úteis de um regime que só os quer usar para destruir o Chega”. “Se fosse um cão ou um gato a dizer mal do André Ventura e do Chega também teria lugar.” E concluiu o raciocínio ao ataque: “O problema com as corridas de ratos é que mesmo quando ganhamos não deixamos de ser ratos. Eles nunca deixarão de ser ratos.”
Entre uma oposição interna que não dá tréguas e um regime que acusa de ter a “obsessão” de atingir e destruir o partido, André Ventura antecipou um “ano que não vai ser fácil”, mas voltou a frisar que resistirá até à “última gota de sangue” e citou Thomas Hobbes: “Não podemos abandonar o direito de resistir quando nos atacam com tanta força que nos querem matar.”