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O Brexit é inevitável depois do resultado do referendo?
Ouviu Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, dirigir-se ao eurodeputado Nigel Farage (um dos rostos do Sair) e dizer que “É a última vez que aplaudem aqui“? A julgar por esta afirmação de Juncker, a resposta parece ser clara: sim, não há volta a dar, o Reino Unido sairá da União Europeia.
Contudo, a realidade indica que este poderá ser apenas o início de um longo processo e não é garantido que o Reino Unido acabe, mesmo, por sair. Recorde-se que o referendo foi convocado como uma consulta não vinculativa. Tratou-se, apenas, de uma votação que tem um objetivo consultivo, pelo que, em teoria, poderia ser simplesmente ignorado pelo governo e pelo parlamento.
Mas não é fácil ignorar que cerca de 17,5 milhões de britânicos tenham votado pela saída da União Europeia. Houve muitos apelos a que houvesse um segundo referendo mas esse cenário parece, neste momento, pouco provável.
É perigosa a ideia de que se pode fazer vários referendos até que se obtenha um dado resultado. Ainda assim, é teoricamente possível que haja um segundo referendo — foi isso que aconteceu na Dinamarca (o primeiro rejeitou o Tratado de Maastricht) e, também, na Irlanda (que, à primeira, rejeitou o Tratado de Lisboa). A situação é um pouco diferente aqui e não parece que este seja o cenário mais provável aos olhos dos especialistas.
Ainda assim, o Secretário de Estado da Saúde, Jeremy Hunt, defendeu esta terça-feira que deve partir-se para uma renegociação com a Comissão Europeia e, só depois de ter o acordo concreto em cima da mesa, o povo britânico deveria ser consultado. De qualquer forma, o Parlamento do Reino Unido é soberano.
Outro cenário que pode levar a que o país não saia da União Europeia é o de eleições antecipadas. Alterações recentes na legislação britânica tornam mais difícil haver uma dissolução do Parlamento. É por isso que o cenário visto como mais provável é que David Cameron seja substituído por outra pessoa do Partido Conservador, que tem maioria no Parlamento.
O que alguns analistas já admitiram é que possa não ser fácil encontrar um sucessor minimamente consensual. E se houver uma moção de censura (não-confiança) que seja chumbada, isso poderá ser algo que desencadeie eleições antecipadas no Reino Unido. E, aí, a votação poderia acabar por ser vista como um segundo referendo de facto, dependendo de como as forças políticas — nomeadamente o Partido Trabalhista — se movimentassem até lá.
Alguém que vencesse as eleições com uma plataforma claramente a favor da permanência poderia fazer com que este referendo acabasse por não resultar no Brexit. Ainda assim, e apesar de todos estes cenários especulativos, a maior parte dos especialistas continua a considerar a saída o cenário mais provável.
Há assim tanta gente arrependida de ter votado Sair?
A imprensa britânica (e internacional) publicou várias notícias nos dias posteriores ao referendo a relatar a existência de “alguma gente arrependida”. Isto é, pessoas que tinham votado no Sair poderiam estar a repensar a sua decisão — até lhe chamaram o Bregret, numa alusão ao regret que esta gente estaria a sentir. Mas não se quantifica este fenómeno. De quantas pessoas, na realidade, poderemos estar a falar?
Não há muito a que nos possamos agarrar para responder a esta questão. Estes casos existirão, e houve gente a falar de viva voz na televisão britânica neste sentido. Mas é difícil dizer exatamente quantas pessoas poderiam votar de forma diferente se lhes fosse dada essa oportunidade. Isto apesar de, como a reportagem do Observador em Londres pôde comprovar, haver muita gente — incluindo apoiantes do Sair — que achava que o Sair ia perder, sobretudo depois do assassinato da deputada trabalhista Jo Cox.
“Estou chocado por termos votado Sair. Não sabia o que ia acontecer. Não julguei que o meu voto fosse ter grande importância porque achava que íamos ficar [o Ficar ia vencer]”, disse um eleitor à BBC.
Outro caso foi o de Ryan Williams, de 19 anos, que disse ao Metro que se sentia “horrível” por ter votado, sobretudo depois de ver a desvalorização da libra. “Achei que a mudança seria divertida, mas agora a libra está a cair e estou arrependido. Hesitei um pouco quando estava na cabine de voto, mas como o meu amigo votou Ficar eu achei que, desta forma, os nossos votos iriam anular-se um ao outro”.
Estes poderão ter sido casos episódicos, contudo. Uma sondagem feita pela ComRes para o Sunday Mirror indicou que, numa amostra de pessoas que votaram Sair, 92% destes mostraram-se “satisfeitos” com o resultado. E 74% dos votantes no Sair dizem que este resultado deve ser respeitado mesmo que a União Europeia ofereça mais concessões ao Reino Unido.
Por outro lado, uma outra sondagem para o Mail on Sunday indicou que 7% das pessoas que votaram no Sair, o que equivaleria a mais de um milhão de pessoas, já se tinham arrependido da decisão.
Os defensores do Brexit estão a voltar atrás nas suas promessas?
A campanha pela saída do Reino Unido da União Europeia fundou-se em ideias como o controlo da imigração e a entrega de mais recursos para o Serviço Nacional de Saúde (NHS). Contudo, nos últimos dias os defensores da saída têm tido declarações que colocam em causa a validade de algumas promessas.
Um dos casos mais badalados nos últimos dias foi o de Danniel Hannah, um conservador pelo Sair que disse que a livre circulação de pessoas poderá não terminar com o Brexit. “Com franqueza, se as pessoas que nos estão a ver pensam que votaram e que agora haverá zero imigração vinda da União Europeia, vão ficar dececionadas”, afirmou o responsável, num programa de televisão. O antigo jornalista viria a defender-se no Twitter, dizendo que apenas defendeu, sempre, o controlo da imigração — nunca advogou, diz ele, um corte abrupto da imigração.
A lot of Remainers are now raging at me because I *don't* want to cut immigration sharply. There really is no pleasing some people.
— Daniel Hannan (@DanielJHannan) June 24, 2016
Outra declaração polémica, logo na manhã após o referendo, foi de Nigel Farage. Recorde-se que Farage não pertencia ao movimento legítimo do VoteLeave, mas fazia campanha pela saída através do seu partido — o UKIP (partido independentista britânico). Farage afirmou que foi “um erro” prometer que os mais de 350 milhões de libras enviados pelo Reino Unido para a União Europeia passariam a ser gastos no Serviço Nacional de Saúde. O VoteLeave escreveu “350 milhões para o NHS” num autocarro de campanha.
A reação dos mercados está a ser tão má quanto o temido?
As duas primeiras sessões bolsistas após o referendo — sexta e segunda-feira — vão ficar para a História dos mercados financeiros, pelos piores motivos. As ações europeias derraparam quase 6% e alguns cálculos indicam que os mercados financeiros globais viram evaporar-se dois biliões de dólares em investimentos. A libra derrapou mais de 11% nesses dois dias, antes de recuperar ligeiramente nesta terça-feira.
A primeira reação foi intensa, sobretudo porque nos dias antes do referendo havia a sensação de que o Ficar iria vencer e as sondagens encomendadas pelos bancos de investimento — só divulgadas depois das 22h de quinta-feira — apontavam para a permanência. Como o resultado acabou por ser diferente, os mercados foram rápidos a ajustar e a libra afundou de uma forma próxima daquilo que os analistas previam.
Se o Reino Unido cairá ou não em recessão, como avisaram os proponentes do Ficar, isso levará algum tempo a confirmar. Aliás, a forte quebra da libra poderá amortecer o impacto — estimulando as exportadoras. Mas o impacto numa primeira fase será certamente negativo, com investimentos cancelados (ou, pelo menos, adiados) e a incerteza a penalizar a economia. A magnitude dessas dificuldades na economia é muito difícil de prever, mas a agência de rating S&P reviu em baixa a taxa de crescimento prevista para 2016 de 1,9% para 1,6%. E a Fitch cortou para metade as estimativas de crescimento para 2017 e 2018.
A Escócia pode manter-se na União Europeia?
O Brexit (saída do Reino Unido da União Europeia) ganhou com 51,9%, mas na Escócia o Ficar ganhou com 62% e na Irlanda do Norte ganhou com 56%.
Depois de conhecidos os resultados, a primeira-ministra escocesa, Nicola Sturgeon, disse: “A Escócia votou para permanecer na União Europeia (UE) e eu pretendo discutir todas as opções para que isso aconteça”. Nicola Sturgeon pondera, por exemplo, fazer um segundo referendo sobre a independência do Reino Unido. O primeiro referendo foi feito em 2014 e a independência perdeu, em parte porque isso implicava a saída da União Europeia. Agora, com o Brexit, as circunstâncias mudaram. Uma sondagem da Panelbase para o Sunday Times, divulgada no domingo, mostrou que 52% dos escoceses inquiridos defendem a independência.
A primeira-ministra já avisou que será “inaceitável” que o governo britânico tente bloquear este referendo. Numa outra tentativa para permanecer na UE, Sturgeon disse que vai aconselhar os deputados escoceses no parlamento a boicotar as negociações para o Brexit.
O líder do partido Sinn Fein, da Irlanda do Norte, Gerry Adams, afirmou, citado pelo jornal irlandês Independent, que o voto a favor da permanência deve ser respeitado e que a primeira preocupação para os governantes daquele país deve ser “a ilha da Irlanda”. Martin McGuinness, governante na Irlanda do Norte e membro do partido Sinn Fein, quer que seja feita uma votação sobre a unificação das duas Irlandas.
Se a Escócia se tornar independente do Reino Unido pode, como qualquer outro país europeu, apresentar uma candidatura para se tornar membro da União Europeia (UE), desde que se comprometa a cumprir e promover as regras e valores da UE (artigo 2). “O Estado requerente dirige o seu pedido ao Conselho, que se pronuncia por unanimidade, após ter consultado a Comissão e após aprovação do Parlamento Europeu, que se pronunciará por maioria dos membros que o compõem. São tidos em conta os critérios de elegibilidade aprovados pelo Conselho Europeu”, define o artigo 49 do Tratado de Lisboa.
“As condições de admissão e as adaptações dos Tratados em que se funda a União, decorrentes dessa admissão, serão objeto de acordo entre os Estados-membros e o Estado peticionário. Esse acordo será submetido à ratificação de todos os Estados Contratantes, de acordo com as respetivas normas constitucionais.” O que não consta em nenhum dos tratados europeus é o que aconteceria se parte de um Estado-membro se tornasse independente e quisesse permanecer na União Europeia como novo membro, referiu a BBC.
A Escócia, enquanto país independente, pode candidatar-se a Estado-membro da União Europeia. Isto é factual. Mas para Alex Salmond, antigo primeiro-ministro escocês, não faz sentido deixar a Escócia sair, para depois a aceitar de volta. O que não se sabe é se a Escócia, como pertencia ao Reino Unido — um Estado-membro –, pode beneficiar de um estatuto privilegiado na avaliação desta candidatura ou se pode até ver o processo burocrático acelerado. Em relação à possibilidade de a Escócia “herdar” o lugar do Reino Unido na União Europeia, as dúvidas são ainda maiores.
O Reino Unido tem de deixar já a União Europeia?
No primeiro discurso depois de se conhecerem os resultados do referendo, David Cameron demitiu-se do cargo de primeiro-ministro que manterá até ao congresso do Partido Conservador, em outubro, ou até o partido escolher um novo líder, que por vontade de alguns deputados poderá acontecer ainda antes de 2 de setembro.
De qualquer forma, o atual primeiro-ministro entende que o processo de saída da União Europeia deve ser negociado pelo novo líder do governo e não vai avançar com conversações com a União Europeia.
Do outro lado, Bruxelas quer que o Reino Unido invoque o artigo 50 — o artigo do Tratado de Lisboa que prevê a saída de um Estado-membro — de forma rápida. A chanceler alemã Angela Merkel, o presidente francês François Hollande e o primeiro-ministro italiano Matteo Renzi, que estiveram reunidos esta segunda-feira em Berlim, dizem que não haverá conversas informais com o Reino Unido até que seja feito um pedido formal de saída.
Apela-se a que o Reino Unido oficialize a posição rapidamente, para que a União Europeia se possa focar nos 27 Estados-membros que permanecem. “A nossa responsabilidade é não perder muito tempo a lidar com as questões da saída do Reino Unido”, disse François Hollande. “Não há nada pior do que a incerteza.”
Segundo o artigo 50 do Tratado de Lisboa, “qualquer Estado-Membro pode decidir, em conformidade com as respetivas normas constitucionais, retirar-se da União [Europeia]”. Uma vez notificado o Conselho Europeu, “a União negocia e celebra com esse Estado um acordo que estabeleça as condições da sua saída, tendo em conta o quadro das suas futuras relações com a União”.
Uma vez invocado o artigo 50, Estado-membro em saída e a União Europeia têm dois anos para chegar a acordo para decidir os termos da separação “a menos que o Conselho Europeu, com o acordo do Estado-Membro em causa, decida, por unanimidade, prorrogar esse prazo”. De todo o modo, o país deixa de estar representado nos órgãos de decisão comunitários.
Uma vez iniciado o processo de saída não é possível voltar atrás. Se o Conselho Europeu não quiser prorrogar o prazo, o Reino Unido sai, no máximo, ao fim de dois anos de negociações. Se quiser voltar a fazer parte da União Europeia terá de se candidatar como qualquer outro país que tente entrar pela primeira vez.
O que falta agora saber é quando é que o Reino Unido fará o seu pedido oficial de saída. Para isto não há nenhum prazo legal imposto, lembrou a BBC.
“Esta decisão [iniciar o processo de saída] é nossa e caberá ao Reino Unido e apenas ao Reino Unido tomá-la”, disse o primeiro-ministro britânico num discurso na Câmara dos Comuns, esta segunda-feira. E estava correcto. Só o Estado-membro em causa poderá invocar o artigo 50 do Tratado de Lisboa. E o Reino Unido usará de todo o tempo que desejar para o fazer e nenhuma pressão dos líderes dos países da União Europeia o podem obrigar a fazer de outra forma. De qualquer forma, o processo de saída pode levar dois anos. Enquanto não invocar o artigo 50, o Reino Unido continuará a fazer parte da União Europeia, mas a verdade é que os líderes já se reúnem sem Cameron e o comissário britânico, Jonathan Hill, responsável pela estabilidade financeira, serviços financeiros e do mercado de capitais, demitiu-se no sábado.
O Reino Unido vai ficar isolado?
“Durante as negociações [do Brexit] que vão acontecer, não haverá quaisquer alterações aos direitos das pessoas de viajarem e trabalharem nem à forma como os bens e serviços são trocados, nem à forma como a nossa economia e o sistema financeiro são regulados”, disse George Osborne, ministro das Finanças britânico, na segunda-feira, no primeiro discurso público depois a vitória da saída do Reino Unido da União Europeia.
Para os políticos britânicos que defenderam a saída parece claro que o Reino Unido, enquanto uma das maiores potências económicas do mundo, deve permanecer no mercado único, como referiu o jornal britânico The Telegraph. É verdade que a libra caiu depois de conhecidos os resultados do referendo e que algumas empresas falam em deslocar as sedes para outros países da UE, mas caberá ao governo acalmar os mercados e assegurar que a saída não trará implicações negativas para os negócios.
A saída do Reino Unido da União Europeia não implica obrigatoriamente a saída do Espaço Económico Europeu (EEE), ou do mercado único — onde há livre circulação de bens, capitais, serviços e pessoas –, referiu o The Telegraph. O “modelo norueguês”, que também se aplica ao Liechtenstein e à Islândia preenche muitos dos requisitos pretendidos pelos apoiantes do Brexit. O Reino Unido ficaria livre das políticas da UE — como a política agrícola ou de pescas –, sem deixar de beneficiar do mercado comum. Mas a UE tem de o aceitar.
Com a saída da UE e a permanência no EEE, o Reino Unido ganharia a possibilidade de negociar diretamente acordos especiais com outros membros deste grupo, assim como de negociar livremente com os restantes países da Commomwealth.
Deixar o mercado único poderia implicar um prejuízo incalculável na economia, referiu uma análise do jornal britânico The Telegraph. Ficar no EEE também poderia manter o reino unido: os norte-irlandeses poderiam continuar a viajar para a República da Irlanda e talvez a Escócia se sentisse com menos vontade de ser independente (ver pergunta número 5).
Alguns políticos, como referiu a BBC, defendem o mercado livre, mas não a livre circulação de pessoas — que implica poder viver, estudar e trabalhar em qualquer Estado-membro –, mas este é o tipo de acordo que ainda nenhum país conseguiu com a União Europeia. A Noruega, que pode servir de modelo ao Reino Unido, também funciona assim: o mercado único implica a livre circulação de pessoas.
O Canadá está a negociar um acordo de mercado livre com a UE que não implica a livre circulação de pessoas, mas ainda não foi implementado. Mas um acordo para o Reino Unido parecido com o do Canadá seria menos vantajoso do que o modelo norueguês.
Para poder ter um acesso privilegiado aos mercados, um pouco como acontece com a Noruega, ou até com novas regras, o Reino Unido precisa de negociar com a União Europeia. Uma vez invocado o artigo 50, o Reino Unido tem dois anos para completar as negociações (como visto no ponto anterior), o que pode não ser suficiente. Logo, parece ser do interesse do Reino Unido começar as negociações antes de oficializar a saída, mas Angela Merkel, François Hollande e Matteo Renzi já avisaram que não estão disponíveis para negociações informais. Só falam com o Reino Unido depois de este confirmar a saída.