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Ruben Amorim, aqui a disputar uma bola com o lateral Rafael Silva, esteve na equipa do Sp. Braga que jogou em Old Trafford

PA Images via Getty Images

Ruben Amorim, aqui a disputar uma bola com o lateral Rafael Silva, esteve na equipa do Sp. Braga que jogou em Old Trafford

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"Viemos de lá todos aziados". A última vez que Ruben Amorim pisou o relvado de Old Trafford (com Hugo Viana)

Teatro dos Sonhos começou por cumprir a alcunha, mas a noite foi de pesadelo. Viajámos até à última vez que Amorim jogou em Old Trafford: jogou de verde e branco, esteve num golo e quase venceu.

T. E. Lawrence dizia, no filme “Lawrence da Arábia”, que “nada está escrito”. Haverá quem acredite nisso, mas há momentos na nossa vida que são pedaços tão descarados de destino, que pelo menos a dúvida ficará instalada. Um desses pedaços da vida de Ruben Filipe Marques Diogo Amorim aconteceu na noite de 23 de outubro de 2012. É que podia não saber, mas assim que o árbitro apitou para o início do Manchester United-Sp. Braga, a contar para a terceira jornada da Liga dos Campeões de 2012/2013, o jogo entrava de imediato para a história da carreira do médio (e nem imaginava ele o resto).

Ao entrar em campo em Old Trafford nessa noite, o “Man Utd” tornava-se o clube estrangeiro que mais vezes Ruben tinha defrontado na vida. Aquela era a terceira vez e ainda viria uma quarta, duas semanas depois. Foi nesse número que terminou: como futebolista, Ruben Amorim defrontou os red devils por quatro vezes, mais do que qualquer outra equipa estrangeira na sua carreira. Mas aquela noite, o terceiro duelo, foi a última em que pisou o relvado do Teatro dos Sonhos. Esteve a ganhar por 2-0, participou na jogada do primeiro golo, perdeu de forma dolorosa e saiu aos 80′. Tudo sem imaginar que 12 anos depois seria apresentado como treinador do adversário.

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Equipa do Sp. Braga para o jogo frente ao Manchester United, com Amorim a ser o sétimo a perfilar

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A primeira parceria Amorim e Viana Lda. em Manchester

A estreia em Old Trafford tinha sido há menos de um ano e as memórias estariam ainda vivas na cabeça antes de mais uma dança. A 22 de novembro de 2011, Amorim fez o primeiro de dois jogos no terreno do Manchester United, nessa vez com a camisola do Benfica. Foi na quinta jornada da fase de grupos da Liga dos Campeões de 2011/2012, uma das mais marcantes dos encarnados na “era moderna”. À partida para o jogo, as duas equipas estavam empatadas nos lugares cimeiros do grupo C, com oito pontos cada. No final dos 90 minutos assim continuaram mas o desenlace podia ter sido diferente: os portugueses marcaram logo aos três minutos, com um autogolo de Phil Jones, mas os golos de Berbatov (30′) e Fletcher (59′) fizeram com que o remate certeiro de Aimar (60′) só valesse um ponto. Ruben Amorim jogou sete minutos, ao render precisamente o mago argentino aos 83′. No final, sobrou um 2-2, que deixou tudo em aberto para a última ronda – que coroou o Benfica com o primeiro lugar e empurrou o United para a Liga Europa.

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Um ano bastou – menos do que isso – para tudo mudar: Ruben foi emprestado ao Sp. Braga por uma época e meia, depois de se ter incompatibilizado com Jorge Jesus. Recusou treinar após um Benfica-Rio Ave e viu-lhe ser instaurado um processo disciplinar. Para não perder o comboio Mundial com destino ao Brasil, em 2014, seguiu para os minhotos de Leonardo Jardim, ainda na mesma época. Ficou até à seguinte, já com outro timoneiro, José Peseiro, com quem ganhou a titularidade absoluta. Quis então o destino que na seguinte fase de grupos da Champions voltasse a calhar o Manchester United e aí, dessa vez, Amorim já não jogaria apenas os últimos sete minutos. Foi, como habitual nessa época 2012/2013, titular nos minhotos no jogo de Old Trafford e num plantel de muita qualidade: na baliza, o vencedor da Liga Europa Beto; ao meio, os internacionais Custódio e Ruben Micael; na frente, o lendário Alan e o futuro autor do mais importante golo da história do futebol português, Eder. E um parceiro que seria de longa data: Hugo Viana.

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Ruben Amorim e Hugo Viana. As fotografias tiradas a ambos, no arranque do duelo em Old Trafford

PA Images via Getty Images

E foi precisamente essa parceria a dar frutos bem cedo. Dois minutos de jogo apenas: Elderson faz um lançamento de linha lateral à esquerda, já no enfiamento da grande área. Lança a bola para Ruben Amorim. O número 5 domina de pé direito e com o mesmo devolve a Elderson, perante a pressão de Tom Cleverley. O nigeriano toca atrás para Hugo Viana, que cruza de primeira de pé esquerdo. A bola vai em arco até à marca de penálti, onde aparece um voador Alan, a cabecear para o fundo da baliza de David De Gea. O avançado brasileiro corre para a bandeirola de canto para festejar e o primeiro a recebê-lo é Amorim, que começa uma dança em grupo. 1-0 para o Sp. Braga num lance que teve, pela primeira vez na história, Ruben e Hugo a brilhar em Manchester ao mesmo tempo.

18 minutos depois, seria novamente Amorim o primeiro a festejar com Alan. Eder brilhou com um drible fantástico sobre Michael Carrick, cruzou da esquerda e o avançado brasileiro bisava aos 20′, deixando Old Trafford em silêncio. A temática do festejo foi novamente a mesma: uma dança que começa em Ruben, continua com Alan e termina com o grupo. Não se dançaria muito mais. Cinco minutos depois, Chicharito Hernández reduziu para 2-1; aos 62′, Jonny Evans empatou; aos 75′, novamente o mexicano Chicharito fez a reviravolta no marcador. Ruben Amorim ainda veria todos estes golos dentro das quatro linhas mas aos 80′ foi rendido por Hélder Barbosa, numa tentativa de José Peseiro voltar ao jogo. No fim, naquele que foi o último jogo de Ruben Amorim em Old Trafford, ficou apenas a honra. E a azia. Muita azia.

6,7

nota dada pelo portal SofaScore em 10

44

ações com bola

6

duelos ganhos em 9 disputados

32

passes certos em 34 tentados (94% de eficácia)

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Ruben Amorim, num duelo com Tom Cleverley

Manchester United via Getty Imag

Beto. “Viemos com uma azia enorme, a viagem foi horrível”

Beto era o guarda-redes do Sp. Braga. Não era a primeira vez a jogar em Old Trafford, mas mesmo assim não deixava de ser especial. Pisar aquele relvado, era sempre diferente. “Chama-se o Teatro dos Sonhos porque é verdadeiramente um ambiente lindíssimo. Não é que haja propriamente um ruído que faça estremecer o estádio, mas é um ambiente mítico. É um estádio com muita mística e para quem lá joga dá muito prazer”, diz ao Observador.

E os primeiros minutos do jogo terão dado ainda mais prazer estando a ganhar. Beto saiu de Manchester com 44 toques na bola – por coincidência, exatamente os mesmos de Ruben Amorim – e com quatro defesas feitas. No entanto, não bastaram para trazer pontos de Inglaterra. “Lembro-me que começámos a ganhar 2-0, com dois golos do Alan. Mas depois… Depois começaram a vir aqueles tubarões todos e conseguiram dar a volta ao jogo. A verdade é que nós também desligámos um pouco e com estas equipas não se pode desligar”, lembra o guarda-redes português.

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Beto festeja um dos dois golos do Sp. Braga em Old Trafford

Manchester United via Getty Imag

Ao intervalo, o Sporting de Braga ainda vencia, por 2-1. Beto já tinha sofrido um golo, mas estava confiante de que na segunda parte o sonho continuaria vivo no “teatro”. E a estratégia pensada no balneário apontava para isso: “Sabíamos que o United ia entrar com tudo o que pudesse na segunda parte, ia tentar pressionar alto. E sabíamos que era possível termos espaço para surpreender e marcar o terceiro golo. Mas o facto é que o United asfixiou mesmo e acabou por marcar. A pressão deles foi muito grande e não tivemos argumentos para aguentar aquela avalanche”.

Apesar de até ter sido campeão nesta época – a última na sua história –, a verdade é que já era um United no princípio do declínio. Ainda assim, reunia nomes marcantes, como Wayne Rooney, Robbie Van Persie, Vidic ou Chicharito Hernández. Mas o lado português, salvo as comparações, também tinha as suas figuras. E para Beto, elas estavam lado a lado, no meio-campo: “Aquele meio-campo… Com o Ruben e com o Hugo, era um meio-campo muito inteligente e muito talentoso”.

"Aquele meio-campo... com o Ruben e com o Hugo, era um meio-campo muito inteligente e muito talentoso!"
Beto, antigo guarda-redes internacional do Sp. Braga

A inteligência é sempre uma caraterística apontada a Amorim pelos seus (antigos) pares. Vem já desde os tempos desse número 5 cerebral que vestia azul nos Belenenses ou vermelho no Benfica e no Sp. Braga. E essa qualidade, tal como outras, seguiu com ele para a vida de treinador. “Ninguém pode prever o futuro de um atleta, quanto mais se ele vai ser treinador e se vai ter esta ascensão tão vertical e rápida. Mas ele teve. Rápida, mas sustentada, atenção. Não é uma ascensão do nada, tem sido construída desde muito cedo. Ele aplicou-se bem no que queria ser no futuro”, diz Beto ao Observador.

O futuro começa agora, mas naquela noite, naquele presente, os sonhos de Amorim ficam mais marcados pelo pesadelo. Os dele e de todo o plantel do Sp. Braga: “Lembro-me que vínhamos numa azia enorme. A viagem para Braga foi horrível porque estivemos a ganhar por 2-0 em Old Trafford, mas por este ou outro motivo e detalhe, deixámos escapar a vitória. Ainda por cima na Champions, em que a fatura é muito cara. Fomos muito penalizados nesse jogo. Acredita: a viagem para Braga foi uma azia enorme”.

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Ruben Amorim, o número 5, coloca as mãos na cabeça perante o golo do empate, de Jonny Evans

AFP via Getty Images

José Peseiro. “Se os resultados forem maus, até a comunicação é má”

José Peseiro era o treinador do Sp. Braga naquela mítica temporada de regresso à Champions. Na altura, já conhecia bem a sensação de uma noite europeia amarga que, por curiosidade, partilhava com Hugo Viana dos tempos de Sporting quando perderam a final da Taça UEFA de 2005 frente ao CSKA Moscovo. Ainda assim, neste nível, ninguém – ninguém – se habitua ao sentimento. “Nós podíamos ter vencido. Foi um grande jogo, contra um Manchester United muito forte, não é como o atual. Jogámos cara a cara, a querer ganhar o jogo, a querer desafiar, atacar, fazer golos. Tínhamos uma boa equipa, com jogadores de muita qualidade. Infelizmente perdemos por alguns erros que cometemos. Acabámos o jogo tristes, mas foi um grande jogo. Mesmo assim foi uma surpresa, porque o Sp. Braga não tinha a força do United. Acho que deixámos uma grande imagem do futebol português”, diz o antigo treinador do Sp. Braga ao Observador.

José Peseiro relembrou ao Observador o mítico jogo entre Manchester United e SC Braga em Old Trafford

E é mesmo de imagem que falamos. Se houve coisa que Ruben Amorim preservou durante quatro temporadas à frente de um grande como treinador foi a imagem, sempre facilmente desgastada quando a bola não entra. Conseguirá fazer o mesmo frente à imprensa inglesa? “O Ruben tem uma coisa que é inata: a forma como comunica, como sorri, como se apresenta às pessoas e expressa as suas opiniões. Aquilo é dele e é mais importante do que aquilo que possa ter aprendido em qualquer lado. Ele tem esse dom. Agora, claro que é outra língua. O Mourinho tinha uma forma mais arrogante de comunicar, por exemplo. E a certa altura era a grande figura da comunicação em Inglaterra. Quando o Mourinho tinha uma conferência de imprensa, toda a gente parava para o ouvir. O Amorim tem outra forma de estar, completamente contrária”. Mas uma coisa é certa: qualquer frase forte, sorriso ou simpatia de Amorim ficará sempre dependente do mais importante, a bola entrar. “Se os resultados forem maus, até a comunicação é má. É uma coisa importante, mas só ganhando é que vai cimentar as caraterísticas especiais de comunicar. E a forma dele comunicar é particular. Mas se não ganhar, não serve de nada”, diz José Peseiro.

"Se os resultados forem maus, até a comunicação é má. É uma coisa importante, mas só ganhando é que vai cimentar as características especiais de comunicar. E a forma dele comunicar é particular. Mas se não ganhar, não serve de nada."
José Peseiro, antigo treinador do Sp. Braga

Ainda assim, o antigo treinador de Amorim está confiante numa carreira com ainda mais sucesso. Não a previa, porque ninguém consegue prever tal dimensão. Mas as pistas, essas, estavam lá todas: “Ele era um jogador bem-disposto, com boa relação com o grupo, motivava e entusiasmava. Era muito fácil criar relações de amizade com ele, era divertido, ativo. Por outro lado, nunca deixava de dar a sua opinião. Era interessado, mostrava que tinha conhecimentos, maturidade. Também já tinha passado por várias experiências e treinadores, tinha essa apetência e sensibilidade sobre o jogo. Foi com certeza isso que o levou a querer ser treinador. Não era daqueles jogadores que chegava, treinava e acabou, não! Era um jogador que se interessava pelo processo, pelas decisões. E nem todos os jogadores têm essas características”.

Ruben tinha-as no início e continua a tê-las, longe do fim. Na verdade, está novamente a começar. Depois de sete minutos no relvado de Old Trafford, passou para 80. De 80, pode passar para toda uma vida. É isso que querem os adeptos do Manchester United: que o número 5 que vestiu de verde e branco naquela noite fria de 23 de outubro de 2012, siga as passadas do bom e velho escocês que mascava pastilha uns metros ao lado.

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