Eram 10h da manhã. O dia 19 de maio era importante para a campanha do PS. Francisco Assis estava sentado ao sol na esplanada de uma estação de serviço perto da Figueira da Foz, com as pernas esticadas em cima de uma cadeira de plástico. O diretor de caravana tinha ligado para o seu carro há cerca de meia hora a mandá-lo fazer uma “paragem técnica”. O barco que iria descarregar o peixe na lota estava atrasado e ninguém queria fazer esperar o cabeça de lista do PS às eleições europeias – pelo menos, esperar em público, à frente das câmaras de televisão.
Enquanto Assis, a sua mulher, o motorista e os dois assessores bebiam vários cafés ao sol, o Audi A6 de António José Seguro parava na lota da Figueira da Foz. Lá dentro levava uma impressora portátil para imprimir documentos de última hora, fruta, barras energéticas e um frasco de álcool gel para o líder do PS poder desinfetar as mãos depois das arruadas.
Era o primeiro dia do secretário-geral do PS a 100% na campanha. No sábado, o Expresso tinha noticiado que as sondagens internas da Aliança Portugal indicavam que a distância entre as duas forças políticas estava a encurtar. A notícia não era nova para os socialistas. Na sexta-feira à noite, o presidente de uma concelhia já tinha telefonado para um elemento da coligação e recebido as novidades antecipadamente: o partido estava há quatro dias consecutivos a cair nas projeções e o PSD a subir.
Pior: o Governo de José Sócrates estava a ser o centro do debate eleitoral – Paulo Rangel não desistia de puxar o tema. Pior ainda: Marinho e Pinto estava a crescer nas intenções de voto – todos esses eleitores deveriam vir da área do PS. Era o momento de apostar tudo e recentrar a campanha nos últimos anos do Governo PSD/CDS e não em José Sócrates. Não podia haver mais falhas. Mas houve.
A máquina do partido
António José Seguro saiu do carro vestido com umas calças beges claras, uns sapatos de camurça cor de camelo, um blazer azul escuro e uma camisa justa, impecavelmente engomada. Olhou à sua volta, sorriu mas não viu Francisco Assis. A direção de campanha tinha avisado Assis para esperar, mas não conseguira telefonar a Seguro para fazer o mesmo – nem ele nem o motorista haviam atendido o telefone.
Agora Seguro estava ali na lota, com a sua maquilhadora, com a sua assistente pessoal, com a sua assessora que lhe atualiza o perfil no Facebook, com o seu fotógrafo, com o seu chefe de gabinete, com a sua assessora de imprensa e com um reforço de militantes da JS – mas sem o seu candidato ao Parlamento Europeu. Em poucos minutos teve de decidir se esperava que Assis chegasse ou se avançava sem ele. Avançou. E errou.
A equipa de reportagem da SIC começou a filmar os telefonemas dos responsáveis da campanha a mandarem o carro de Francisco Assis avançar “rapidamente”. Depois, os jornalistas perceberam que Assis tinha chegado à porta errada da lota e voltado para trás, que Seguro tinha parado a visita a meio quando viu que toda a gente já sabia do desencontro e especialmente que o candidato do PS tinha chegado 27 minutos depois do líder do partido por causa de um erro de comunicação.
Quando saiu da lota em passo apressado para fugir da chuva, Seguro estava furioso. A SIC haveria de fazer uma notícia sobre a confusão e isso abalava a imagem de competência do partido. Para mais, começara a chover e a visita programada à feira de Soure teria de ser cancelada. O dia estava a ser uma desgraça.
Seguro mandou parar o carro num bar, que abriu as portas propositadamente para o receber, enquanto a caravana avançava para preparar o almoço na sede da banda filarmónica local. O que se passou a seguir foi várias vezes comentado na campanha:
De manhã, Ginestal tinha ido excecionalmente com o diretor de campanha, Miguel Laranjeiro, ao briefing diário com a equipa da caravana. Queria alertar toda a gente para os cuidados especiais que seria preciso ter nos próximos dias, até às eleições, agora que o secretário-geral do partido estaria na estrada.
Os jornalistas queixavam-se da falta de espetáculo e os militantes da “jota” fossilizavam: quase sempre, esperavam por Francisco Assis na rua, a conversar, com as bandeiras para baixo
O ambiente da campanha mudara naquela manhã de segunda-feira. Nos primeiros dias, a caravana andara por localidades desertas do interior e as poucas pessoas que encontrava na rua não mexiam um tendão para cumprimentarem um político. Os jornalistas queixavam-se da falta de espetáculo e os militantes da “jota” fossilizavam: quase sempre, esperavam por Francisco Assis na rua, a conversar, com as bandeiras para baixo e de costas voltadas para o carro do candidato.
Neste dia, tudo isso mudou: de manhã, os “jotas” foram buscar Seguro à porta do automóvel e levaram bandeiras presas à janela durante parte da viagem; ao almoço, colocaram dois militantes ao lado do púlpito dos discursos; à noite, assistiram ao comício à frente das câmaras de televisão, junto ao palco, enquanto gritavam “É jota, é esse, é JS…” e, no final, subiram para o lado de António José Seguro. Até Luís Bernardo, o consultor de comunicação do partido, visitou a caravana pela primeira vez e as ordens do speaker refinaram: quando Seguro subisse ao palco, deveria passar a anunciar “o próximo primeiro-ministro de Portugal” em vez de “o futuro primeiro-ministro de Portugal”.
o sr. Alcino
A campanha estava a tornar-se mais ousada. E o que se passou nessa tarde, na visita à Associação de Idosos Mirense, foi um exemplo dessa ousadia. O programa distribuído pelo PS anunciava um “encontro com idosos”. Mas o que aconteceu foi ligeiramente diferente.
Quando Assis e Seguro chegaram, havia um grande grupo de simpatizantes com bandeiras à sua espera. Os dois dirigentes do PS foram encaminhados pela estrutura local do partido até uma ampla sala de um lar onde estavam sentados vários idosos, alguns em cadeiras de rodas, outros com muletas e bengalas. Seguro cumprimentou-os com beijos e apertos de mão. Assis foi menos efusivo. Numa das pontas da sala, havia duas cadeiras vazias para os políticos se sentarem e um microfone para conversarem com os idosos. Mas quem falou primeiro não foi um idoso – foi um homem de 59 anos.
Naquele encontro apresentou-se apenas como um aposentado a quem o Governo tinha cortado uma parte da pensão. Criticou a política do PSD/CDS contra os pensionistas e lamentou o seu caso pessoal. Seguro ouviu-o e deu o seu exemplo como o de um simples reformado atingido pela crise. Mas Alcino era também um político.
A seguir falou António Lopes, 55 anos. Quando pegou no microfone, disse que era um empresário que tinha sido obrigado a despedir várias pessoas por causa das políticas deste Governo. O seu caso foi mesmo citado no discurso que António José Seguro fez à noite em Coimbra. Mas António Lopes é mais do que um empresário. É também presidente da secção do PS em Praia de Mira e um dirigente ativo do Partido Socialista local.
O que supostamente deveria ser um encontro com idosos foi afinal um encontro com dirigentes socialistas.
A visita à Associação de Idosos Mirense foi, na realidade, um encontro organizado pela concelhia do PS de Mira, onde participaram militantes socialistas. A associação de idosos apenas cedeu o espaço e permitiu que alguns dos frequentadores do lar assistissem ao encontro. O resto foi responsabilidade do PS: a disposição da sala, o sistema de som, a escolha dos participantes e dos intervenientes. O que supostamente deveria ser um encontro com idosos foi afinal um encontro com dirigentes socialistas.
Quando ouviu as duas primeiras intervenções, Francisco Assis estranhou a idade, a articulação e o tom utilizado por aqueles homens no meio de um grupo de idosos. E estranhou mais ainda quando, à saída, Alcino Clemente foi ter com ele e lhe deu um abraço, tratando-o por “camarada”. No entanto, Assis não fez nada para esclarecer o que se tinha passado. No fim da campanha, quando confrontado com o que aconteceu, condenaria a encenação: “Não é uma coisa que eu fizesse. Eu nunca faria isso. Não fomos nós que determinámos a campanha. Esse é o problema…”
O episódio do lar de Mira não foi o único que perturbou Assis. Dois dias depois, a caravana parou à frente do cemitério de Garfe, uma pequena aldeia com mil habitantes no concelho de Póvoa do Lanhoso, no interior norte do País. Sem António José Seguro a acompanhar a visita, Francisco Assis estava incomodado com o ambiente: de um lado decorria um enterro, do outro havia um centro social. Assis não queria mais visitas a lares, muito menos expor idosos nas televisões. Chamou o diretor de campanha, Miguel Laranjeiro, que acompanhava a caravana naquele dia por se tratar do seu distrito natal. Conhecido do padre responsável pelo centro há muitos anos, Laranjeiro explicou os motivos para a visita: era um trabalho meritório para o concelho e, tratando-se de um centro de noite onde as pessoas só vão dormir, não estariam idosos presentes.
Do outro lado da sala havia uma mesa com um lanche e uma garrafa de champanhe Moet & Chandon.
Assis aceitou fazer a visita contra a vontade dos seus assessores. Saiu do carro pouco antes das 15h e subiu a pequena rua até ao centro de noite. Atrás vinham jornalistas e outros elementos do partido. A comitiva entrou e visitou o andar de cima sem encontrar qualquer residente. Assis sorriu para um assessor: afinal não havia mesmo idosos. Mas depois a comitiva desceu as escadas e foi levada para uma sala onde um grupo de velhinhos, com bengalas, chapéus e lenços na cabeça, esperava pacientemente os candidatos sentado em cadeiras junto à parede. Do outro lado da sala havia uma mesa com um lanche e uma garrafa de champanhe Moet & Chandon.
Francisco Assis ficou perturbado ao ver aquelas pessoas sentadas à sua espera. Cumprimentou-as de raspão e tentou apressar a visita. Uma das senhoras presentes explicou a uma militante do PS que “não sabia que vinha para ali”. Só costumava ir dormir ao centro de noite e naquele dia foi levada mais cedo para a visita. Assis só queria sair da sala. A comitiva estava de costas para os idosos e o lanche só foi servido aos políticos. O ambiente era desconfortável. Quando ouviu a rolha saltar, Assis nem se apercebeu que lhe estavam a servir champanhe francês. Antes de sair ainda ouviu os responsáveis do centro de noite falarem do novo projeto que tanto precisava de apoios para avançar: um lar de idosos na região. No final da visita, vários elementos da caravana estavam incomodados com a situação.
É durante este período que se decide na estrada quem vai para Bruxelas. Há assessores escolhidos por cada candidato para acompanhar a campanha – e que normalmente já têm o seu lugar assegurado em Bruxelas; há assessores escolhidos pelo partido para integrarem a caravana – e que têm de conquistar a simpatia dos candidatos para conseguirem ir para Bruxelas; e há assessores que vêm do Parlamento Europeu para ajudar na estrada – e que procuram sobreviver à mudança dos eurodeputados, mantendo-se em Bruxelas.
Entre estes três grupos de assessores, há várias conversas sobre quem vai com quem para o Parlamento Europeu e há até trocas de currículos que cada um tenta fazer chegar aos diversos candidatos. O partido tem inclusivamente um documento interno que explicita os diferentes escalões de assessoria que existem na União Europeia, bem como as respetivas remunerações. Francisco Assis tem dois assessores: um vai para Bruxelas, o outro fica em Portugal.
Os três amigos
No dia em que Paulo Rangel desafiou António José Seguro, em pleno congresso do PSD, a anunciar quem seria o cabeça de lista do PS ao Parlamento Europeu, Francisco Assis já tinha contado um segredo a duas pessoas da sua absoluta confiança. O segredo era que Seguro já o tinha convidado antes para avançar; as duas pessoas eram Afonso Abreu e Vasco Ribeiro.
Os três tinham estado sentados à mesa da Cervejaria Convívio, no Porto, para discutir a candidatura: Afonso asseguraria a relação do candidato com o PS, Vasco garantiria a relação com a imprensa. Foi neles que Francisco Assis confiou totalmente para fazer a campanha e era com eles que queria ir para Bruxelas.
Afonso, 29 anos, é filho de Armindo Abreu, ex-número dois de Assis na Câmara de Amarante. “Conheço-o desde miúdo, sou amigo do pai dele”. Há uns anos, fez um estágio não remunerado com ele no Parlamento Europeu e impressionou-o “pelo profissionalismo”. É Afonso quem prepara documentos de background sobre temas políticos ou económicos, é Afonso quem representa Assis nas reuniões em que ele não pode ou não quer estar, é Afonso quem lhe liga a perguntar se já acordou, se está atrasado ou se chegou a tomar o pequeno-almoço.
Militante do PS, Afonso Abreu é um político. E é um idealista. Acredita que vale a pena parar 15 minutos a falar com uma pessoa que nunca viu na vida só para a convencer que o socialismo é o caminho certo.
Trata o cabeça de lista do PS por “senhor doutor” mas tem intimidade para lhe dizer tudo, seja a sério ou a gozar. Assis trata-o por “tu”, por “doutor Afonso” ou por “pequeno PIDE” quando Afonso lhe liga a perguntar se já acordou, se já se vestiu ou se já comeu. Afonso vai para Bruxelas e será provavelmente o seu chefe de gabinete.
Vasco Ribeiro, 41 anos, conhece Francisco Assis desde 2005, quando este se candidatou à Câmara do Porto. Tratam-se por tu e são amigos, mas Vasco recusou o convite para ir para o Parlamento Europeu. Professor de Assessoria de Imprensa e Comunicação Política na Universidade do Porto, Vasco não é militante, não quer ter ligação partidária e menos ainda quer depender do partido para viver. Esteve na campanha porque acredita em Assis, mas isso não é suficiente para o fazer deixar a universidade e dedicar-se totalmente à política. Quando precisa, desliga: não acompanhou o candidato a uma entrevista ao jornal Sol porque tinha assuntos a tratar no Porto; e já em plena caravana eleitoral esteve um dia inteiro fora porque tinha marcada a defesa da sua tese de doutoramento.
Há quem diga que a política para ele é um hobby. Ele responde que adora política mas não quer depender dela, adora campanhas mas não quer entrar nas máquinas partidárias. Quando Francisco Assis o convidou, o PS já tinha escolhido um assessor de imprensa. Vasco acabou por ficar a assessorar apenas Assis sem receber qualquer remuneração. Fê-lo por amizade e por prazer. Tem uma tese de doutoramento sobre manipulação da imprensa em Portugal e gosta do assunto – os jornalistas gostam dele.
Falam de política, de futebol ou da atual direção do PS sem cautelas. Comentam as falhas da campanha, ridicularizam as situações, gozam uns com os outros.
É com estes dois amigos que Francisco Assis aceita partilhar o carro. Juntamente com João Castanheira, o motorista que o conduziu quando Assis liderou o grupo parlamentar do PS e que conhece Afonso e Vasco há uns anos, formam um grupo descontraído. Falam de política, de futebol ou da atual direção do PS sem cautelas. Comentam as falhas da campanha, ridicularizam as situações, gozam uns com os outros – ou, quase sempre, os três com Assis. Ao contrário da imagem pública de firmeza e seriedade, o ambiente dentro do carro de Francisco Assis é de humor e autocrítica.
Assis andou dois meses a percorrer o País sozinho com Afonso e João – Vasco ainda estava mais dedicado à universidade. Visitou empresas, fábricas e especialmente estruturas locais do PS. O objectivo era claro: mobilizar o partido para as eleições. Sendo umas europeias, em que vai votar muito pouca gente, Assis acreditava que quem “mobilizasse melhor a corrente de opinião mais próxima do partido (militantes e simpatizantes) ganhava”. Montou-se uma forma de organização em que as federações distritais escolhiam os locais a visitar, enviavam uma sugestão para a direção de campanha, esta fazia uma selecção e colocava a agenda à consideração de Afonso Abreu, o representante de Assis.
A selfie e a outra
Em poucos meses o candidato do PS fez mais de 40 mil quilómetros quase isolado. Sem apoios, sem cartazes, sem bandeiras, sem folhetos – muitas vezes sem saber sequer o que é que o partido estava a preparar. Foi assim com os tempos de antena: a uma semana do início oficial da campanha, e quando o primeiro filme já estava pronto, Assis ainda não tinha sido informado de que ia haver tempos de antena; foi assim com os flyers: quando o PS lhe mostrou a primeira maquete, os folhetos já estavam a ser impressos; e foi assim com os outdoors. Mas, mais do que os tempos de antena ou os flyers, os cartazes preocupavam Francisco Assis.
A meio da volta que fez por Portugal, quando o PS lançou o primeiro outdoor apenas com a palavra “Mudança” em cima de um fundo azul, Assis e os seus dois assessores começaram a questionar-se se estariam previstos cartazes com a cara dos candidatos. Perante o silêncio do partido sobre o assunto, decidiram avançar sozinhos: sem informar ninguém, contactaram Luís Pedro Martins, um designer ligado ao PS e que já liderou a Juventude Socialista no Porto. Assis foi fotografado e gostou do resultado final. A seguir, Afonso avisou o Largo do Rato de que as fotografias já estavam tratadas.
Os cartazes tinham de ser diferentes do habitual: sobretudo, divertidos. E para isso Luís Bernardo, o consultor de comunicação de António José Seguro, tinha uma ideia: uma selfie.
O que Assis não sabia nesse momento era que essas imagens nunca seriam utilizadas. A estratégia de comunicação da campanha estava montada há muito tempo e previa uma sequência: primeiro um cartaz com a mensagem – Mudança; depois um cartaz com os eleitores – sem uma ligação evidente ao partido; finalmente um cartaz com os candidatos – todos juntos e descontraídos.
Foi por isso que a cor da campanha foi o azul (a cor da esperança e da primeira corrida de Barack Obama à Casa Branca) e não o cor-de-rosa socialista. E era também por isso que os cartazes tinham de ser diferentes do habitual: sobretudo, divertidos. E para isso Luís Bernardo, o consultor de comunicação de António José Seguro, tinha uma ideia: uma selfie.
No dia 8 de maio, Assis acordou mais tarde. O seu velho telemóvel Nokia tinha bloqueado durante a noite e o despertador não tocara. Quando desceu para o pequeno-almoço, trazia fato e camisa aberta e uma gravata no bolso. Estava bem disposto. O debate da véspera, na Faculdade de Direito de Lisboa, tinha-lhe corrido bem e o almoço na Associação 25 de Abril tinha-lhe corrido ainda melhor. Naquela altura, as selfies estavam na cabeça de Assis. Não por causa da estratégia de Luís Bernardo, mas por causa da estratégia de António José Seguro.
Dois dias antes, durante uma visita com Martin Schulz ao Chiado, o líder do PS tinha chamado Assis para tirarem uma fotografia. Primeiro posaram os três com António Costa e alguns elementos da JS para os repórteres fotográficos. Mas depois Seguro fez uma sugestão:
– Francisco, vamos tirar uma selfie.
De início, Assis não reagiu e afastou-se. Mas Seguro insistiu e Assis agachou-se a custo, ligeiramente afastado e com um sorriso amarelo.
No dia seguinte, a ideia de Seguro estaria na primeira página do Público. Uns dias mais tarde estaria em todas as ruas do País.
Quando ao fim da tarde do dia 8, Assis, Vasco e Afonso chegaram ao Largo do Rato para a apresentação do manifesto socialista para as europeias, sabiam apenas que os candidatos iriam tirar antes uma fotografia em grupo. Mais nada. Estavam atrasados. João parou o carro e Assis foi ter diretamente com António José Seguro. Vasco subiu para o local onde seria tirada a fotografia para o cartaz. A primeira pessoa que encontrou foi uma funcionária do partido que lhe pediu para se identificar. A segunda foi Luís Bernardo:
– Atrasados, pá! A esta hora?! Que falta de profissionalismo!
O consultor de comunicação de Seguro estava preocupado com as horas – era preciso aproveitar a janela que as televisões tinham guardado para os diretos da apresentação do manifesto e não deixar que o sol descesse demasiado. Mas desceu. Quando Assis chegou ao jardim do Palácio Praia, tinha o sol de fim de tarde mesmo de frente para os olhos. Mas isso não o impediu de perceber o que se estava a passar: iam simular uma selfie com todos os candidatos.
A primeira reacção de Assis foi de surpresa. A segunda foi de indignação. Nesse dia à noite, quando estava no carro com Vasco e Afonso, finalmente pôde comentar:
– Vocês viram aquilo da selfie?!
– Sim, vimos.
– Aquilo é uma palermice, uma palermice total! Um absurdo!
Vasco achou que a ideia não era tão estapafúrdia assim. Acreditava que seria uma fotografia para usar nas redes sociais e não num cartaz. Mas Assis estava indignado:
Afonso achava que não estaria previsto usar a fotografia e que talvez a tivessem feito apenas para desanuviar o ambiente. Assis explicou que teve de ser ele próprio a insistir para que se fizesse também uma fotografia normal. E só depois de feita a foto tradicional é que aceitou esticar o braço e dar a mão ao fotógrafo enquanto este disparava. A seguir largaram a mão um do outro e fizeram mais umas imagens com Assis de braço esticado como se estivesse a segurar num telemóvel. O candidato agachou-se, sentou-se e tentou várias posições diferentes.
No carro, estava irredutível. Iria ligar a António José Seguro naquela mesma noite, a caminho do Porto, e resolveria o problema:
– Vindo dali sei lá se não vão publicar. Vindo dali… Aquilo é uma palermice e temos de impedir aquilo! E já!
No dia seguinte, Seguro mostraria a foto a Assis e à mulher, durante um jantar de campanha, no Porto. Vanda gostou e a selfie acabaria por ser usada nos cartazes.
Quando apareceu uma imagem do Benfica na televisão, começaram a cantar “Ninguém pára Benfica, ninguém pára o Benfica, olé oh.”
Antes dessa conversa tensa no carro, Assis tinha estado a jantar descontraidamente com um grupo de deputados amigos, no restaurante Leões do Rato, em frente da sede do PS. Com ele, Afonso, Vasco e João, sentaram-se à mesa Filipe Neto Brandão, Inês de Medeiros, Hortense Martins, Luísa Salgueiro e Maria Antónia Almeida Santos, entre outros. O ambiente era divertido. Um dos presentes comentou a roupa que José Junqueiro levou para a simulação da selfie: blazer de camurça, calças verdes, camisa bege, gravata verde, sapatos castanhos.
– O blazer do José Junqueiro já devia ter sido levado à reunião do secretariado nacional…
Gozaram com Assis, mostraram uma fotomontagem dele a fugir de um tubarão e chamaram-lhe ‘O Amado Líder’. Quando apareceu uma imagem do Benfica na televisão, começaram a cantar “Ninguém pára Benfica, ninguém pára o Benfica, olé oh.” Antes de sair, Assis roubou o telemóvel a uma deputada e pediu a Afonso para publicar um post no mural dela no Facebook. Teve de ser Vasco a evitar que a mensagem fosse enviada.
Quando Francisco Assis está entre amigos, muitas vezes indigna-se, algumas vezes exalta-se, quase sempre se diverte. E quando está no carro com João, Vasco e Afonso o ambiente vai variando entre estas três hipóteses.
No dia da selfie, a seguir ao almoço, Assis tinha ido gravar um depoimento de cinco minutos, sobre a Europa, à RTP. À chegada, Vasco não conhecia o formato, nunca tinha visto o programa e nem sabia em que canal iria passar. Assis sentou-se à frente das câmaras e começou a responder às perguntas. Mas, ao fim de cinco minutos rigorosamente cronometrados, a sua voz seria cortada. Assis ficou com a resposta a meio.
No entanto, nessa tarde o tema da conversa no carro não foi uma violenta repreensão ao seu assessor de imprensa. Foi o novo penteado de Assis. Na sala de maquilhagem, à entrada para o programa, colocaram-lhe laca para alisar o cabelo. Ao ver-se ao espelho, Assis não queria acreditar:
– Mas será que posso ter os meus caracóis de volta?
Saiu do camarim com o cabelo liso e uma popa à Ken. Mal o viram, Vasco e Afonso começaram às gargalhadas. Assis entrou então com Vasco para a casa-de-banho e esteve a molhar o cabelo e a agitá-lo com os dedos para tentar que a laca saísse. À frente do lavatório, penteou uma crista. Ninguém conseguia parar de rir. Depois de uns minutos com a cabeça debaixo de água, o candidato do PS saiu com o cabelo o mais encaracolado que conseguiu. Quando chegaram ao carro, João, o motorista, comentou:
– Mas o chefe está com um cabelo…
A imagem é outra área que não preocupa Francisco Assis.Para ele, o cuidado com a imagem não é imprescindível para se ter sucesso na política. “Acho até que as pessoas estão um bocadinho cansadas deste modelo do político pré-fabricado, muito artificial”.
Os quatro foram o resto do caminho a gozar com a situação. Apesar da descontracção, no carro também se trabalha. Quando saiu do hotel, nesse dia 8 de manhã, o cabeça de lista do PS tinha ao lado esquerdo do banco da frente um saco de plástico com os jornais do dia. A essa hora, Vasco e Afonso já tinham lido o clipping da imprensa no iPad ou no telemóvel. Enquanto Assis folheava os jornais em papel pelo caminho, os assessores alertavam-no para os temas mais importantes do dia. Normalmente, não há um debate sobre o que se deve dizer ou que palavras usar. Assis ouve, cala-se e vai pensando no assunto. Não escreve discursos, não toma notas e raramente recorre a documentos. Tem apenas uma pasta, que andou sempre consigo no carro durante a campanha, onde Afonso Abreu compilou algumas análises, estatísticas e contribuições de deputados especializados em certos assuntos. Antes de entrar num debate, Afonso ia buscar a pasta. Assis raramente a utilizou.
A imagem é outra área que não preocupa Francisco Assis. Ao longo de toda a campanha, teve três momentos especialmente dedicados ao aspecto: foi cortar o cabelo depois do episódio da laca nos estúdios da RTP; parou num outlet em Vila do Conde para comprar dois pares de sapatos (uns pretos e uns castanhos) que repetiu durante as semanas seguintes; e, depois de uma entrevista ao Porto Canal, passou na camisaria Duarte, na Rua da Constituição, para levantar três camisas que tinha mandado fazer à medida – precisa de um número de gola mais largo do que o número do tronco.
Em todos os casos, tratou ele do assunto. Saiu do carro, foi à loja, pagou e trouxe as coisas. Para ele, o cuidado com a imagem não é imprescindível para se ter sucesso na política. “Acho até que as pessoas estão um bocadinho cansadas deste modelo do político pré-fabricado, muito artificial”.
O líder
Terça-feira, dia 6 de maio, António José Seguro estava em casa a ser maquilhado por uma rapariga baixinha e tímida. É a sua maquilhadora pessoal. Faz parte da equipa do seu gabinete no Largo do Rato e neste dia ia ter um papel especialmente ativo. Martin Schulz estava de visita a Portugal e o líder do PS iria acompanhá-lo durante toda a manhã. Antes da hora do almoço falariam às televisões. Seguro preferiu qua a maquilhadora fosse ter consigo a casa para ficar pronto ao início do dia. Depois, a rapariga acompanharia a caravana do líder do PS e daria um retoque antes da intervenção na TV.
Além da maquilhadora, Seguro levou consigo a sua assistente pessoal, a assessora que lhe atualiza a sua página de Facebook pessoal, uma assessora de imprensa, uma diretora de comunicação e um fotógrafo que acompanha o secretário-geral para todo o lado.
Esta é a equipa que anda sempre consigo em campanha. É uma equipa que funciona bem, mas que prefere manter-se discreta. Quando um assessor do PS em Bruxelas perguntou à diretora de comunicação do partido qual era a função da assistente pessoal e da maquilhadora de Seguro, a resposta foi evasiva:
– Trabalham no gabinete do secretário-geral.
Enquanto Seguro está a falar, Sofia está agarrada ao iPad a acompanhar as transmissões televisivas numa aplicação da Meo. Cada vez que um canal entra em direto, Sofia carrega num botão junto à mesa do som.
Sofia Lages Fernandes não é militante do partido e encara o cargo de diretora de comunicação de forma profissional. Veio de uma agência de comunicação e tem experiência em gestão de crises. Acompanha as transmissões em direto das televisões, informa o líder das últimas notícias antes dos discursos, está com ele em grande parte das visitas, dá-lhe conselhos de imagem, sugere-lhe que tipo de roupa deve comprar e até pode passar-lhe uma camisa a ferro se for preciso numa emergência.
Enquanto Seguro está a falar, Sofia está agarrada ao iPad a acompanhar as transmissões televisivas numa aplicação da Meo. Cada vez que um canal entra em direto, Sofia carrega num botão junto à mesa do som. Nesse instante, acende-se uma discreta luz no púlpito, para António José Seguro saber que está no ar. É uma forma de controlar o ritmo do discurso e tornar mais eficaz a mensagem que passa em direto.
um fado
No dia 6, Sofia esteve a acompanhar a visita de Martin Schulz a Portugal, cinco dias mais tarde estaria a gerir um problema em Amarante.
Pouco antes do almoço de lançamento oficial da campanha de Francisco Assis, no domingo, dia 11, a equipa do PS recebeu uma notícia inesperada: as televisões iriam transmitir em direto parte do evento com Seguro e parte do evento da Aliança Portugal com Passos Coelho. E isso aconteceria entre as 13h e as 14h, durante os noticiários da tarde nos canais generalistas. Numa campanha com pouca cobertura mediática, era uma oportunidade. Num almoço organizado pelas estruturas locais do partido, era um problema.
Primeiro contratempo: os discursos estavam agendados para o final da refeição – e a última coisa que o PS queria era que os eleitores vissem os políticos a comer em vez de os verem a discursar. A ordem do almoço foi alterada em cima do momento.
Segundo contratempo: por uma questão de protocolo, Seguro tinha de falar no fim e a distrital tinha convidado uma das mandatárias da candidatura, Manuela de Melo, para discursar à última hora. As intervenções tiveram de ser aceleradas.
Terceiro contratempo: ninguém sabia a que horas Passos Coelho começaria a discursar. E este era um problema difícil de resolver, porque as televisões interrompem o discurso do líder da oposição para começar a transmitir o do primeiro-ministro, mas não interrompem o do primeiro-ministro para começar a transmitir o do líder da oposição.
Sofia olhou para o palco. Mas em vez de ver o secretário-geral do PS a subir, viu uma fadista a entrar. Era o último contratempo. E agora não havia solução.
A gestão da situação tinha de ser feita ao segundo. Era preciso despachar rapidamente os primeiros discursos e começar com o de Seguro logo a seguir ao de Passos Coelho acabar. Mais: Seguro tinha de saber o que Passos diria para lhe poder responder em direto. Sofia pegou no iPad, colocou o auricular no ouvido e foi mudando de canal impacientemente. Passos Coelho não aparecia. Já depois das 13h30, o primeiro-ministro surgiu no ecrã. Nesse instante, Sofia colocou-se discretamente atrás de uma coluna, ao lado da mesa de António José Seguro, pegou no telemóvel e começou a tirar rapidamente nota das declarações. À medida que ia mudando de tema, mostrava as frases a Seguro.
Pouco depois do líder do PSD acabar de falar, Assis desceu do palco entre palmas e bandeiras no ar. Faltava pouco para as 14h. Seguro ainda tinha 3 a 4 minutos para discursar em direto. Era preciso acelerar as coisas. Sofia olhou para o palco. Mas em vez de ver o secretário-geral do PS a subir, viu uma fadista a entrar. Era o último contratempo. E agora não havia solução. À entrada para o almoço, a senhora tinha pedido para cantar um fado antes do discurso de António José Seguro. A autorização foi dada, mas nenhum dos assessores de Seguro ou de Assis sabiam. O fado durou três minutos. O discurso de Seguro em direto na RTP durou dez segundos.
Ao lado de Martin Schulz tirou uma selfie, na descida do Chiado comprou cerejas, num encontro com jovens no Porto esteve sempre com um iPad na mão.
No edifício da Alfândega do Porto, estiveram, no dia 9 de maio, mais de mil militantes da JS trazidos em 20 autocarros de todo o País. Foi um dos maiores eventos da campanha. O cenário parecia o de um talk show juvenil: duas cadeiras brancas em cima de um estrado ligeiramente elevado, com jovens à volta, por todos os lados. Seguro chegou, passou o casaco ao diretor da caravana, Rui Prudêncio, e entrou na sala descontraidamente, com as mangas arregaçadas. Sorriu, fez um sinal de OK e dobrou os braços, com os punhos cerrados e virados para cima, como se fosse um jogador de futebol a comemorar um golo. Depois sentou-se e fez um sinal com a cabeça a Rui Prudêncio. O diretor de caravana não percebeu. Outro sinal. Voltou a não perceber. Da terceira vez, Seguro moveu os lábios para articular a palavra “iPad”. Prudêncio pegou no gadget de Seguro e foi levar-lho ao palco. Num encontro com jovens, Seguro passou todo o tempo a tomar notas num iPad.
Nas declarações públicas, Seguro também sabe o que deve fazer. Primeiro fala para os portugueses, depois fala para os jornalistas. Quando as câmaras se desligam, o líder do PS costuma ir ter com os repórteres para conversar um pouco. Trata-os pelo nome, ouve o que têm a dizer, explica-lhes os seus pontos de vista e pergunta-lhes a opinião. É muito simpático e extremamente cordial. Uma assessora do PS explica o ritual: por um lado, Seguro está a valorizar quem vai escrever sobre ele; por outro, a sua equipa de imprensa está a identificar quem são os repórteres mais críticos, com quem terá de se preocupar.
Ao lado da sua assessora de imprensa, conversou com os jornalistas, riu-se, disse piadas, viu um vídeo da campanha que os repórteres tinham preparado, conviveu durante 15 minutos.
Estas conversas costumam ser breves. Mas no penúltimo dia de campanha duraram mais. Pouco depois de ter chegado para o almoço no restaurante Boucinho, em Vila Nova de Gaia, António José Seguro levantou-se e foi até à mesa dos jornalistas. Conversou um pouco e voltou a sentar-se. Antes da sobremesa repetiu o ritual. Ao lado da sua assessora de imprensa, conversou com os jornalistas, riu-se, disse piadas, viu um vídeo da campanha que os repórteres tinham preparado, conviveu durante 15 minutos. Depois foi até à segunda mesa da imprensa, como se fosse o noivo no copo-de-água do seu casamento. E ficou mais 9 minutos a conversar. O ambiente era agradável, simpático e descontraído. No dia seguinte, haveriam de sair os textos com o balanço da campanha.
desunião sem disfarce
Ao longo dos últimos meses, Francisco Assis quis sempre mostrar, em sintonia com António José Seguro, um partido unido. Tudo foi feito para isso: os nomes escolhidos, a chamada de todos à estrada, as fotos conjuntas. Mas, quando os jornalistas não estavam perto, muitas vezes o que aparecia era um partido arrastado.
Quando, na manhã do dia 8 de maio, chegou à porta da empresa de ferragens Alualpha, em S. João das Lampas, o cabeça de lista do PS ao Parlamento Europeu tinha à sua espera um enérgico Basílio Horta e um enfadado Marcos Perestrello.
Vestido com calças beges, sapatos bordeaux de berloques e um blazer azul marinho com as linhas das costuras encarnadas, a condizerem com o forro do casaco, o presidente da Federação da Área Urbana de Lisboa (FAUL), e um dos principais apoiantes de António Costa à liderança do partido, passou quase toda a visita afastado de Francisco Assis e da comitiva. À chegada, cumprimentou o candidato, depois ficou para trás.
Quando Assis e os dirigentes do PS entraram na sala de reuniões da empresa, Perestrello preferiu manter-se do lado de fora a tirar cafés junto dos funcionários. E só depois de Rui Pereira, o presidente da concelhia do PS de Sintra, sair da sala para o chamar, é que Perestrello entrou para a reunião. Levava um café numa mão e um bolo na outra.
Depois da visita, Assis tinha um almoço com Basílio Horta e os dirigentes socialistas locais. Virou-se para Marcos Perestrello e perguntou:
– Não vens almoçar?
– Não. Isso já consegues fazer sozinho…
Perestrello voltou a estar com Assis na manhã do último dia de campanha, em Lisboa.
Pedro Silva Pereira esteve na estrada mais vezes. Quando se juntou à caravana em Mirandela, no dia 10 de maio, levou consigo José Sócrates, o PEC IV e a entrada da troika em Portugal. Levou também um discurso agressivo centrado na defesa do anterior Governo. Em palco, exaltou-se ao gritar “Basta!” e deu um murro no ar que fez saltar as esponjas do microfone. Na rua, entusiasmou-se ao responder a um apoiante que lhe pedia para “atacar o Rangel”: “Aquilo era com um pano encharcado!”
Dentro da caravana, Silva Pereira era menos enérgico. Distribuiu folhetos, repetindo sempre a mesma frase: “Isto é o nosso recado”. Guiou o seu carro, ficou para trás e atrasou-se. À chegada a Bragança, Francisco Assis perguntou por ele:
– Onde é que está o Silva Pereira? Olha lá, o Silva Pereira?! Ele tem de vir aqui atrás!
Estava a arrumar o carro.
O dossier Sócrates sempre foi da responsabilidade de Assis. António José Seguro tinha aprovado a participação do ex-primeiro-ministro na campanha, mas não quis fazer nenhum contacto directo. A certa altura, o processo entrou num impasse. Primeiro, ponderaram juntar Sócrates com os outros ex-líderes do partido. Falhou. Depois Sócrates foi para o Brasil. Atrasou. A seguir Assis não telefonou quando devia. Deslizou. Finalmente, alguns apoiantes de Seguro começaram a boicotar a participação do antigo secretário-geral. E foi assim que o tema rebentou.
No dia 15 de maio, o Público avançou com a notícia do incómodo no PS por causa da presença de Sócrates. Nesse dia, à noite, Assis reuniu-se com Seguro a seguir ao comício de Leiria para fechar o assunto de vez: o candidato ligaria a Sócrates e convidá-lo-ia a almoçar na Trindade no último dia da campanha. Até o assunto estar resolvido, não havia declarações à imprensa.
No dia seguinte de manhã, Assis atrasou-se para o pequeno-almoço. Ficou no quarto ao telefone com Sócrates. Quando desceu, a caravana estava à sua espera. O seu assessor, Afonso Abreu, chamou-lhe a atenção para as horas. Assis respondeu:
– Fiquei a resolver aquilo. Demora. Isto não é assim! Que falta de noção!
Pouco depois voltaria ao hotel para ligar novamente ao ex-primeiro-ministro e resolver o impasse. Finalmente, podia falar aos jornalistas. Primeiro, a notícia saiu na Lusa. A seguir, Assis comentou:
– Esse é um problema que não existe.
No dia 23, Sócrates almoçaria na cervejaria Trindade ao lado de Francisco Assis e António José Seguro. A seguir ao almoço, a caravana saiu do restaurante, virou à esquerda e foi descer o Chiado. Sócrates saiu um pouco antes. Virou à direita e foi visitar Mário Soares. No fim do dia, a fotografia dos dois estaria na página do Facebook de André Figueiredo. A oposição a Seguro estava unida. E pronta.
O último dia
Francisco Assis estava preocupado com o atraso. Já eram quase 18h30 e ainda não tinha chegado ao Hotel Altis. Pediu ao motorista para acelerar.
No dia de reflexão estivera a ver a final da Liga dos Campeões num “tasco” em Amarante, enquanto jantava um arroz de cabidela feito com frango caseiro. Com ele, tinham estado João, Afonso e a família de Vasco. Não se tratara propriamente de um jantar de balanço, era mais um jantar de amigos.
Depois de milhares de quilómetros feitos com a cabeça a tombar e os olhos quase a fecharem-se, João tinha dormido na véspera até às quatro da tarde. Os quatro só se haviam encontrado ao fim do dia para o jantar. No domingo acordaram cedo e foram votar. Mas Assis quis ir visitar a mãe a Vila do Conde e agora estava atrasado.
O carro parou na Rua Castilho, em Lisboa, às 18h33. Assis saiu, falou aos jornalistas e subiu no elevador, com Vasco e Afonso, até ao 12º andar. Quando a porta se abriu automaticamente no topo do hotel, encontraram à frente o bar, com vista para os telhados de Lisboa. Estava fechado por causa da noite eleitoral. Seguiram pela direita, subiram dois lanços de escadas de madeira e foram dar a uma pequena sala com uma mesa, onde uma funcionária do Largo do Rato controlava quem podia ou não entrar.
Francisco Assis e Afonso Abreu entraram numa porta à direita onde estava escrito “Secretariado”. Era nesta sala, com vista para o Tejo e o Castelo de São Jorge, que António José Seguro, Miguel Laranjeiro, Miguel Ginestal, António Galamba e todos os outros elementos do secretariado nacional do partido iriam acompanhar e discutir os resultados das eleições à medida que estes iam sendo conhecidos.
Do outro lado do hall de entrada, havia duas portas: uma estava aberta e mostrava um corredor comprido sem janelas que desembocava num pequeno auditório onde estavam os convidados; a outra dava para uma sala mais pequena, com quatro ou cinco computadores onde apareciam vários quadros e gráficos. Era aqui que o responsável pela informática do PS e outros elementos do partido acompanhavam a chegada dos resultados em tempo real.
Luís Bernardo ia alternando entre a sala dos computadores e a sala do secretariado. Mal chegou ao 13º piso, Vasco Ribeiro encontrou o consultor de comunicação do PS e perguntou-lhe:
– Para quando é que está prevista a intervenção do Assis?
Luís Bernardo respondeu-lhe que preferia que o cabeça de lista falasse logo às 20h, mal se soubessem as primeiras sondagens: assim permitia-lhe marcar a noite e condicionar todos os outros discursos.
O ambiente no 13º andar era de otimismo. O PS iria ganhar e era importante ter um discurso de peso a invocar a vitória o mais rapidamente possível, para calar a oposição interna e obrigar o Governo a reagir ao facto consumado.
Era fundamental repetir várias vezes, e através de vários intervenientes, que o PS tinha tido uma vitória, uma “vitória absoluta”. Como lembra uma das pessoas presentes no local, “toda a gente esperava que não fosse uma vitória pífia como foi”. Vasco concordou: o facto de Assis falar cedo libertava-o das leituras políticas que seriam feitas a seguir.
O ambiente no 13º andar era de otimismo. O PS iria ganhar e era importante ter um discurso de peso a invocar a vitória o mais rapidamente possível, para calar a oposição interna e obrigar o Governo a reagir ao facto consumado.
Às 19h15 começaram a circular, no 13º andar, as primeiras sondagens feitas pelas televisões: a da SIC dava sete pontos de vantagem em relação à coligação, a da CMTV dava a hipótese de o PS chegar aos 10 eurodeputados, mas a da RTP era alarmante, com uma diferença de 5 pontos e o PS colado aos 30%. A vitória estava garantida, no entanto era preciso engrandecê-la o mais possível. Quando Francisco Assis voltou a entrar na sala do secretariado, depois de se saberem as previsões, foi recebido com uma salva de palmas.
Assis passou pela sala dos convidados, onde estavam cerca de 20 a 30 pessoas (líderes de federações distritais, candidatos, assessores), antes de descer para fazer a primeira declaração da noite. Cerca das 20h, entrou no elevador até ao piso -1, onde ficava a sala aberta aos militantes de base e aos jornalistas que esperavam as declarações do partido.
Quando Assis entrou, foi aplaudido pela audiência. Subiu ao palco e repetiu várias vezes a palavra vitória, mas precisou de alguma ajuda para marcar o ambiente de festa. As palmas foram arrancadas por um assessor de outro candidato da lista, que começou a aplaudir num momento de silêncio. A partir daí, Assis foi interrompido de cada vez que fazia uma pausa no discurso. A tal ponto que, quando começou a responder às perguntas dos jornalistas, tenha pedido, a sorrir:
– Agradecia que agora parassem com as palmas…
Não pararam. E Assis saiu da cave num ambiente de alegria. Faltavam quase duas horas para a divulgação dos resultados oficiais.
Quando Assis entrou, foi aplaudido pela audiência. Subiu ao palco e repetiu várias vezes a palavra vitória, mas precisou de alguma ajuda para marcar o ambiente de festa.
A seguir ao discurso, em vez de voltar para o 13º piso para junto da direção do partido, subiu ao 1º andar, mesmo por cima do hall de entrada do hotel onde as televisões entrevistavam em direto os políticos que entravam e saíam. Estava apenas com as pessoas da sua confiança – Vasco, Afonso, a sua mulher e Ana Catarina Mendes, que entretanto chegou – e queria comemorar sossegado. Pediu um copo de vinho branco, os outros beberam um gin tónico. Durante uns minutos, brindaram e conversaram.
Nesta altura, no 13º piso, Pedro Silva Pereira estava sentado na primeira fila da sala dos convidados, mesmo à frente das televisões. O ex-ministro da Presidência de José Sócrates ocupava o sétimo lugar na lista e a sondagem da RTP indicava que poderia ser o último a entrar no Parlamento Europeu. Pior: a SIC, que havia começado a noite com uma projeção mais optimista do que a RTP, tinha acabado de rever os números em baixa. Alguma coisa estava a mudar. E não era bom para o PS.
Às 21h45, no piso -1, começou a tocar mais alto a música de entrada dos comícios. Seguro deveria descer às 22h para comentar os resultados oficiais que confirmavam a “derrota estrondosa” da direita, como lhe chamara Manuel Alegre.
Uns minutos depois, a sala começou a encher. Às 21h55, já havia dezenas de pessoas de pé à espera da confirmação dos resultados. Quando faltava um minuto para as 22h, Domingos Ferreira, o responsável pela organização dos eventos do PS, subiu ao palco para confirmar que estava tudo ok para receber António José Seguro.
Mas, às 22h, o ambiente mudou. As televisões na sala mostraram que Passos Coelho afinal ia falar primeiro. Domingos Ferreira fez sinal ao técnico para baixar o volume da música. Dois minutos depois apareceram nos ecrãs os primeiros resultados oficiais: com apenas 134 freguesias por apurar, o PS surgia com 31,7% dos votos e a Aliança Portugal com 28,5%. Nenhuma sondagem tinha previsto uma diferença tão curta. Uma figura do partido comentou baixinho para o lado: “Isto não está nada famoso. 3% de diferença!”
Uma assessora de António José Seguro estava com um ar incrédulo. Havia conversas entredentes e um ambiente carregado.
Às 22h25, António José Seguro entrou na sala. A música dos comícios estava a passar em loop há 40 minutos. A sala, animada pela JS, aplaudiu o líder de pé e gritou “PS, PS”. Seguro repetiu a mensagem combinada ao fim da tarde, quando ainda só havia sondagens: “O PS teve uma grande vitória!”. Os militantes aplaudiram timidamente. Seguro insistiu no resultado histórico. Mas não conseguiu esconder a preocupação: pela primeira vez na campanha teve de ler o discurso.
Num canto, um dos assessores mais destacados do PS estava sentado à frente de um biombo, com o olhar focado num painel vazio, os braços cruzados e os olhos cheios de lágrimas. Por muito que Seguro repetisse a tese da “grande vitória”, durante todo o discurso, não se mexeu.