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José Manuel Fernandes
Dois números fatais: 20 e 212
São dois números que sintetizam o significado do quarto orçamento da geringonça. 20 é o número de países da União Europeia que está a crescer mais depressa do que Portugal. 212 são os euros que foram cortados ao limite máximo das propinas a cobrar no ensino superior. Juntos representam a melhor síntese do que foram estes orçamentos do ponto de vista político e económico.
Comecemos pela descida de 212 euros na propina máxima. Foi um daqueles rebuçados que António Costa deu a Mariana Mortágua para, depois de uma madrugada de “negociações”, esta poder anunciar triunfalmente a grande vitória. A medida não faz sentido nenhum, como genericamente reconhecemautoridades académicas e estudantes, mesmo que não chamem os bois pelos nomes e digam claramente que se trata de um disparate. E é um disparate porque não era a medida prioritária: é mais urgente apoiar a acção social escolar, especialmente para apoiar a criação de mais alojamentos para estudantes deslocados. Tal como é um disparate pois é uma medida socialmente regressiva, pois trata famílias pobres e famílias ricas da mesma forma, sendo que até beneficia mais as famílias com mais poder económico, já que para as com mais dificuldades financeiras já existem sistemas de bolsas. Por fim é um disparate que muito provavelmente vai acabar por prejudicar as universidades e os politécnicos, pois na altura em que escrevo está longe de estar claro que o Orçamento do Estado os compense das receitas que vão perder, sendo que no passado isso não sucedeu.
Ou seja, é uma medida que não custa nada a Centeno, ainda custa menos a Costa, que permite a Mariana Mortágua vir deitar foguetes na expectativa de que, daqui por uns meses, o Bloco possa espalhar pelo país uns cartazes a dizer que conseguiu a diminuição das propinas, mas que tem um custo social (o dinheiro podia ser melhor aplicado em reais necessidades sociais) e um custo para as instituições do ensino superior.
Escolhi esta medida, podia ter escolhido muitas outras de entre o vasto ramalhete de “brindes” que a geringonça entendeu distribuir, uns “arrancados” pelos negociadores do PCP, outros pelas “meninas” do Bloco, outros pelo monomaníaco do PAN, mas o padrão seria por regra o mesmo: um custo que fica para o futuro, uma clientela a que a que se trata de entregar alguma coisa até às eleições de 2019 e um regateio para que se crie sempre a ilusão de que aquilo que se ganha é mais do que aquilo que se perde.
E assim chegamos ao segundo número que é imensamente significativo: o dos 20 países que crescem mais do que Portugal na União Europeia. Se tudo fosse tão maravilhoso quanto nos diz a propaganda da geringonça, um país que parte detrás, com as melhores pessoas do mundo e, sobretudo, com o melhor governo do universo, devia ser um dos que mais cresce. Afinal foi um dos que mais beneficiou com a descida das taxas de juro, porque é um dos mais endividados. Foi um dos que mais beneficiou com o boom do turismo, porque temos o sol, a geografia e o património que temos. É também consensual que em áreas cruciais, como as digitais mas não só, temos boas infraestruturas. Mesmo assim, o crescimento foi, em termos comparativos, anémico. O emprego criado foi muito, mas com baixa qualificação e baixa remuneração.
Agora que estamos a chegar ao fim deste ciclo político é possível ver que tal como os homens não se medem aos palmos, os orçamentos não se avaliam apenas pelo número do défice. Importa saber como lá se chegou. E nestes anos o que tivemos foi um aumento constante da carga fiscal, que bateu recordes em 2017 e deverá bater de novo recordes em 2018; o que tivemos foi um aumento contante dos encargos do Estado, projectando encargos futuros mais pesados, um fardo que terá de ser carregado em futuros orçamentos (e futuras gerações) em anos porventura menos favoráveis do que foram estes últimos; e o que tivemos foram níveis historicamente baixos de investimento público, com reflexos muito negativos na qualidade de muitos serviços públicos (uma qualidade que cativações cegas degradou de forma ainda mais significativa).
Portugal não cresceu nem cresce mais porque o país estava sobrecarregado pelo peso de um Estado omnipresente, ineficiente, burocrático, oligárquico e caro, uma situação que esta legislatura agravou em vez de aliviar. Foi o preço de pegar às clientelas e adiar (ou reverter) todas as reformas. Um preço que também se paga em rigidez da despesa pública e num aumento das desigualdades entre quem está e quem não está na lista de pagamentos do Estado.
Devíamos ter vergonha de, com as condições que tivemos nestes anos, termos ficado de novo na cauda Europa. Sempre na cauda na Europa. E ainda a deitar foguetes e a celebrar disparates como o corte nas propinas.
Luís Aguiar-Conraria
Orçamento do Estado ideal
Pediram-me para descrever o que seria um Orçamento do Estado ideal. A tarefa parece hercúlea, mas não é. Na verdade, penso que quase todos estaremos de acordo. Um OE ideal será um orçamento que reduza os impostos, quer sobre as empresas (para estimular a actividade produtiva) quer sobre as pessoas (para assim subir o seu nível de vida). Ao mesmo tempo, deve também investir nas áreas de acção fundamentais do Estado português. Aqui incluo quer as funções de soberania (segurança e forças armadas) quer as funções sociais. É assim necessário aumentar quer as verbas dedicadas à Defesa, especialmente para substituir material obsoleto, quer à segurança, reequipando as polícias e contratando novos efectivos. Nas funções sociais, é preciso aumentar as despesas em saúde (cujos défices são crónicos) e em educação. Finalmente, o investimento público deve também aumentar. Não só porque algumas infra-estruturas precisam de ser renovadas, mas também porque há alguns estudos que apontam para um efeito crowding-in de algum investimento público. Desculpem-me o palavrão, com isto apenas quero dizer que, se o investimento público for bem feito, trará com ele, por arrasto, o investimento privado. E, finalmente, a cereja em cima do bolo, tudo isto deve ser feito mantendo as contas do Estado equilibradas.
Como facilmente se percebe, o OE ideal tem um problema. É impossível de ser alcançado. Não dá para aumentar desmesuradamente a despesa do Estado, reduzir os impostos que ele recolhe e manter as contas equilibradas. Por isso, há escolhas e prioridades que têm de ser definidas. Neste momento, com os valores tão elevados que temos de dívida pública, na minha opinião, a primeira prioridade deve ser a de ter as contas equilibradas. Ou seja, um défice tão próximo do zero quanto possível (não vou sequer argumentar pela existência de excedentes orçamentais). Nesse sentido, o OE proposto cumpre o meu primeiro requisito. Daí para a frente, as escolhas são políticas e, portanto, legítimas.
Portanto, para descrever o que seria um orçamento ideal dentro do possível, é necessário elencar prioridades. Vou descrever apenas as primeiras duas, até porque não há folga para as seguintes
A pouca margem que o crescimento económico nos vai dando deve ser usada, em primeiro lugar, para ir aumentando o investimento público. Este investimento, se for bem escolhido (e reconheço que este “se” tem muito que se lhe diga), não só estimulará o crescimento como atrairá investimento privado, o que também contribuirá para o crescimento. E, como sabemos, o crescimento é a melhor forma de resolver o problema da dívida elevada. Não vale muito a pena ver o que o Orçamento diz sobre isto porque, como sabemos por experiência, as cativações de Centeno tornam impossível qualquer previsão sobre este item.
A segunda prioridade será ir reduzindo impostos. Neste momento, em Portugal, as taxas e taxinhas espalham-se a uma velocidade assustadora. Infelizmente, a maioria destas taxas distorce as escolhas dos agentes económicos e, portanto, constitui um entrave ao bom funcionamento da economia. Assim, a pequena margem que haja deveria ser usada para ir eliminando taxas e impostos. Tal como as taxas e taxinhas não param de crescer, também os incentivos e subsídios a actividades económicas, como alguns incentivos a investimentos em dadas áreas, não param de nascer. Mas os subsídios e incentivos geram tantas ineficiências como os impostos e as taxas. Eliminá-los seria bom para economia por dois motivos. Primeiro, porque deixaríamos de ter os políticos a definir quais os sectores em que se deve apostar; em segundo, porque nos daria uma folga adicional para reduzir impostos. Em relação a esta prioridade é claro que este OE vai no sentido errado
Mas, repito e insisto, antes das duas prioridades referidas, e de outras que não referi, temos mesmo a necessidade de ter as contas equilibradas. Neste domínio, o défice previsto neste orçamento é o mais baixo de sempre que já tivemos em democracia.
P.S.: Provavelmente, terão notado que não referi uma função essencial que é a da redistribuição de riqueza e combate à pobreza. Não o fiz porque esta escolha é iminentemente ideológica e portanto é possível que duas pessoas razoáveis discordem quanto ao peso que deve ser dado à redistribuição. No texto acima, tentei ser ideologicamente neutro (o que nunca é completamente possível, claro) e enunciar apenas linhas gerais que, na minha opinião, devem merecer consenso quer à esquerda quer à direita.
Inês Domingos
É a receita que já conhecemos
Medidas simpáticas avulsas para agradar a certos grupos. Certo. Impostos indiretos e receitas extraordinárias para pagar as ditas medidas avulsas, sem se notar muito. Certo. Défice vagamente próximo das recomendações do Conselho para não assustar os mercados. Certo.
Neste último ano da legislatura já não nos surpreende que a receita seja a mesma dos primeiros três. Afinal foi a receita que manteve estas esquerdas unidas, não só nos acordos que fizeram no Parlamento, mas também, descobrimos ao longo destes anos, na forma como partilham visão comum para o país. Os debates no Parlamento, as críticas que ocasionalmente dirigem ao Governo são mero fogo de vista. O PS, o Bloco e o PCP encontraram-se desde o início neste desejo de agradar a certos grupos de pessoas, sem olhar a custos, até porque esses custos estão muitas vezes no futuro, e no longo prazo, dizem estas esquerdas, estamos todos mortos.
Infelizmente esta estratégia já foi seguida em Portugal, mais recentemente em 2009, com os mesmos protagonistas, e o resultado é tragicamente conhecido. Mas alheio a toda a experiência recente, o Governo prossegue a mesma estratégia: um orçamento míope, sem medidas para fortalecer as empresas, sem uma visão para aumentar a produtividade e fazer face aos desafios da transformação tecnológica acelerada que estamos a viver, com reduzido investimento público face ao PIB e consequências graves para serviços públicos essenciais. Esta visão eleitoralista do Governo e das esquerdas torna-se muito clara olhando para alguns dos principais números do orçamento.
A falta de ambição para a economia está patente desde logo nas previsões macroeconómicas. O Governo antecipa uma desaceleração da economia para 2,2% em 2019, um pouco acima das previsões internacionais, mas sobretudo deixando Portugal na cauda da Europa em termos de crescimento, o quinto país da UE com a taxa de crescimento do PIB mais baixa se compararmos com as previsões da primavera da Comissão Europeia. O Conselho das Finanças Públicas no seu relatório mostra reservas sobre se o orçamento cumpre a Lei de Enquadramento Orçamental por ter previsões de crescimento otimista face às restantes organizações nacionais e internacionais.
Mais, a qualidade desse crescimento é insuficiente. Se se concretizar o aumento da produtividade de 1,3% em 2019 (que representa um salto otimista face às quedas nos anos anteriores), então isso significa que nos quatro anos de Governo socialista a produtividade aumentará a uma taxa média inferior a 0,25% por ano, o que é claramente insuficiente para fazer crescer a economia sustentadamente.
O próprio Governo reconhece que os ventos que até agora eram favoráveis estão a virar. Infelizmente não faz nada para preparar a economia para a nova realidade. Onde estão as medidas para as empresas, especialmente aquelas que criam riqueza, que criam empregos e que têm suportado o pagamento integral de IRC? Neste momento as empresas portuguesas pagam a segunda taxa máxima de toda a OCDE, apenas ultrapassadas pelas empresas francesas.
Nas contas públicas, o saldo primário estrutural, ajustado pelo efeito do ciclo económico e de medidas temporárias e reduzido do pagamento dos juros, que é a verdadeira medida da consolidação orçamental, praticamente não muda com este orçamento, subindo apenas uma décima face a 2018. Ora a consolidação orçamental é fundamental para enfrentar uma das principais fragilidades da economia: Portugal encontra-se com a terceira dívida mais elevada da UE, depois da Grécia e da Itália e com este Governo não estamos perto de perder este infeliz lugar no pódio. No Orçamento do Estado o Governo prevê uma dívida de 118,5% do PIB, o que representa uma redução de 2,7 pontos percentuais, mas ainda assim um aumento da dívida pública superior a 3200 milhões de euros.
Dizer que o Governo virou a página da austeridade é conversa fiada. A carga fiscal deverá atingir em 2018 o seu valor máximo das últimas décadas, prevendo o Governo uma ligeiríssima redução de duas décimas em 2019. O que o Governo dá de um lado, tira do outro, como é o caso dos rendimentos das famílias. O Governo aumenta por um lado as pensões e os funcionários públicos, mas como os escalões de IRS não são atualizados pela inflação, muitas famílias vão acabar por perder poder de compra.
No investimento público, depois de em 2017 ter baixado para 1,7% do PIB, inferior aos 2,2% de 2015, agora o Governo promete 2,3% do PIB em 2019. Mas nos anos anteriores nunca cumpriu as promessas e o rácio do investimento no PIB em 2018 está abaixo do orçamentado. Porque será este ano diferente?
Ficamos hoje como em anos anteriores com o claro sentimento que o Governo voltou a perder a oportunidade de fazer verdadeira consolidação orçamental e ignorou os desafios únicos que avizinham: uma transformação profunda da UE por causa do Brexit, a repercussão sobre os mercados internacionais da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China e a transformação acelerada das economias por via do digital.
Pedro Pita Barros
O Orçamento do Estado 2019: primeiras impressões
Numa reação rápida à Proposta de Lei e ao Relatório do Orçamento do Estado para 2019, a grande pergunta é se o Orçamento do Estado para 2019 é, ou não, eleitoralista. Sendo ano de eleições, incluindo eleições legislativas, é natural que o Governo procure ter medidas que o ajudem junto do eleitorado. Por outro lado, o crescimento da economia permite obter maiores impostos e receitas, bem como reduzir algumas despesas (subsídios de desemprego, por exemplo), abrindo espaço orçamental para aumento da despesa pública, em atividades que seriam realizadas mesmo que não houvesse eleições.
As várias medidas anunciadas e presentes no Orçamento do Estado para 2019 (OE2109) podem ser classificadas de várias formas: eleitoralistas (que não seriam tomadas se não houvesse eleições) versus não eleitoralistas (que seriam adotadas de qualquer modo); com impacto permanente versus impacto temporário ou eventualmente reversível; de redistribuição (usualmente apresentadas como de justiça social), ou não; de ajuda ao crescimento da produtividade, ou não. Nem sempre a classificação no discurso oficial corresponde à verdadeira natureza das despesas.
As várias medidas que podem ser vistas como eleitoralistas neste OE2019 procuram satisfazer diferentes necessidades de afirmação dos partidos que suportam o Governo na Assembleia da República. Cada um dos três partidos definiu “bandeiras” que pretende apresentar, e as medidas defendidas e publicamente reclamadas pelos três partidos, PS, PCP e BE, correspondem a essas “bandeiras”. Propositadamente, ou não, um número substancial das medidas têm benefícios concentrados (destinam-se a grupos particulares), têm valor não muito elevado, e são eventualmente reversíveis (por exemplo, a gratuitidade dos manuais escolares).
Num outro exemplo, o descongelamento de carreiras e prémios de desempenho na função pública, é uma medida reversível (podem voltar a ser congelados em contexto de crise). Mas aumentos de salários serão dificilmente reversíveis (a excecionalidade do programa de ajustamento internacional de 2011-2014 não deverá ser repetida, espera-se). Já mexidas nas regras para reformas antecipadas terão que ser vistas com mais detalhe, no que terão de implicações. Numa visão geral, há medidas eleitoralistas no OE2019, mas apenas um pequeno número será aumento de despesa dificilmente reversível. Conscientemente, ou não, o eleitoralismo presente parece-me menos problemático do que aumentos generalizados e elevados dos salários na função pública, ou despesas de investimento em obras públicas de grande magnitude, tentações que foram aparentemente evitadas.
Crucial para que este OE2019 consiga ser cumprido como planeado é que não haja surpresas nos custos de financiamento da dívida pública, que depende da capacidade de cumprir os objetivos para o défice e da credibilidade internacional de Portugal, mas também depende do contexto internacional, que não é controlável pelo Governo.
Por fim, duas rápidas notas para a intervenção de apresentação do OE2019 pelo ministro das Finanças. O sector da saúde foi apontado por Mário Centeno, na apresentação do OE2019, como uma prioridade da intervenção pública, refutando, aparentemente, as criticas de insensibilidade do Ministério das Finanças às necessidades do Ministério da Saúde. Lançamento de um projeto-piloto de alteração do modelo de financiamento dos hospitais, como forma de reduzir o respetivo financiamento, procurando ganhos de eficiência para terminar os problemas de endividamento recorrente dos Hospitais EPE.
O crescimento do emprego, como reflexo do aumento da atividade económica, foi também destacado. É importante saber se este crescimento de emprego reflete uma nova orientação produtiva da economia portuguesa, permitindo reagir melhor a crises futuras. E saber se as medidas adotadas são favoráveis ao aumento da produtividade na economia portuguesa, que tem duas facetas: as empresas conseguirem aumentos de produtividade, e haver crescimento dos sectores de atividade económica onde a produtividade é maior e onde tenha maior potencial de crescimento. Se há medidas que procuram direcionar as empresas para áreas ou setores onde tenham mais dificuldade em conseguir ganhos de produtividade, poderá não ser tão “amigo das empresas” como se anuncia.
Pedro Braz Teixeira
Mais uma oportunidade perdida
Um dos problemas maiores deste orçamento é o diagnóstico errado que faz da economia portuguesa, atribuindo a falta de crescimento a uma suposta falta de procura, que só existiu no período da troika, por um imperativo de ajustamento, mas que não se verificou entre 1996 e 2011, em que o endividamento externo explodiu de uns insignificantes 8% do PIB para uns terríveis 110% do PIB em 2011, a verdadeira razão por que foi necessário pedir ajuda à troika, como já tinha ocorrido em 1978 e 1983, nestes casos apenas ao FMI.
Partindo deste pressuposto errado, a generalidade das medidas constantes do orçamento centra-se na redistribuição de rendimentos, pretendendo assim aumentar a procura e, assim, promover o crescimento económico. Mesmo aí, há contradições, com mais aumentos na função pública, mas congelamento dos escalões do IRS.
O que verdadeiramente escasseia são medidas concretas e eficazes do lado da oferta, para lá das boas intenções. No caso da Administração Pública, “o Governo pretende, em 2019, prosseguir a sua atuação nos três eixos de política para a AP: valorizar os trabalhadores, melhorar os ambientes de trabalho e modernizar a gestão pública.” (p. 16). Há um foco excessivo na função pública e não no serviço que é suposto ser prestado e que justifica, desde logo, que estes serviços existam. O SIMPLEX+ tem sido fonte de muita propaganda, mas continua com resultados muito escassos a nível prático, persistindo queixas de atrasos incompreensíveis nos licenciamentos, um dos mais importantes obstáculos à atracção de investimento estrangeiro.
Tal como os orçamentos anteriores, este é também muito pouco ambicioso em termos de metas, não se prevendo qualquer melhoria no saldo estrutural, ao contrário do que diz o documento oficial.
Num contexto de desaceleração europeia mais pronunciada do que se previa inicialmente, este orçamento é pouco prudente em termos de crescimento económico, ao estimar uma redução de crescimento económico de apenas uma décima. É assim, provável que as cativações venham a ter que ser aplicadas de forma muito dura, deteriorando a qualidade dos serviços públicos, em particular na saúde.
Em resumo, este documento marca o final de um período de condições externas excepcionais, que não foram minimamente aproveitadas pelas autoridades para fazer o que seria essencial para colocar um fim na estagnação das duas últimas décadas, em que Portugal foi sucessivamente ultrapassado por países menos desenvolvidos, sendo hoje o 6º mais pobre da UE.
Paulo Trigo Pereira
OE 2019: o último e o primeiro
Este é o último orçamento desta legislatura. É também o primeiro do resto das nossas vidas e é nesta dupla dimensão que vale a pena abordá-lo. Uma análise séria de um OE não se faz em menos de uma semana pelo que importa contextualizar as questões mais relevantes, não tendo obviamente a pretensão de lhes responder de imediato. Na óptica financeira, um bom orçamento de Estado, deve ser realista e contribuir para a sustentabilidade das finanças públicas. Realista no cenário macroeconómico, pois só assim será realista na previsão quer das receitas fiscais e contributivas, quer nas despesas mais relacionadas com o ciclo económico, como sejam as do subsídio de desemprego e outras prestações sociais. Promover a sustentabilidade de longo prazo das finanças públicas significa que deve contribuir para o equilíbrio das contas públicas (redução dos pesos do défice e da dívida no PIB) no ritmo nem superior nem inferior ao desejável. Deve ainda assegurar a sustentabilidade da segurança social. Na dimensão económica, um bom orçamento, promove o crescimento económico, o emprego e o investimento, e, em período não inflacionista como o em que estamos, deve ser o menos contracionista possível, isto é, deve, em termos de efeitos agregados da política orçamental retrair o mínimo o crescimento económico. Last but not least, na dimensão social um bom OE é aquele que, dadas as restrições orçamentais, maximiza o alcance dos objetivos de política social do governo e que consegue melhorar os serviços públicos e a motivação daqueles que servem o Estado.
Numa apreciação rápida diria que o cenário macroeconómico é realista. Está em linha com as principais projeções recentes de organismos internacionais e é endossado em grande medida pelo Conselho de Finanças Públicas. Os objetivos para o défice (0,2% do PIB) e para redução da dívida parecem-me corretos. Não se vai além do necessário e mantém-se a trajetória de sucesso que deu tanta credibilidade a Portugal nestes últimos anos na consolidação das finanças públicas e que se traduz num benefício imediato dos portugueses em juros mais baixos e na subida da notação das principais agências de rating.
Aquilo que me parece que deve merecer especial atenção pelo governo é o bem-estar das gerações futuras e a sustentabilidade da segurança social. O défice previsto do sistema previdencial em 2030 é praticamente idêntico ao que estava anunciado no OE2018.
Na dimensão económica, aquilo que se antecipa para o emprego é de facto notável a todos os níveis. Aquilo que se prevê para a taxa de desemprego (6,3%) deve ser motivo de satisfação para todos. Há escassos dois anos tal objetivo era impensável, e sabendo que o emprego é, em muitos casos, a base da auto-estima das pessoas, alcançar este objetivo tem um impacto enorme na vida das portuguesas e dos portugueses. Em relação ao investimento, há um conjunto de medidas relevantes (redução de IRC em empresas no interior, eliminação do Pagamento especial por conta, alargamento do limite de dedução de lucros retidos e reinvestidos). Sobretudo garante-se uma estabilidade fiscal tão cara às empresas, não havendo alterações nas taxas dos principais impostos que sob elas incide e continua-se o importante caminho da estabilidade financeira, reduzindo os custos de financiamento às empresas. O aspeto que considero deveria ser mais pensado são os incentivos à poupança. Sem poupança interna, o investimento ou é estrangeiro ou é financiados por capitais externos, em qualquer dos casos contribuindo para a dívida externa. Algo que deveria ser melhorado no trabalho de especialidade deste OE. De qualquer modo as prioridades no investimento na ferrovia (mobilidade portanto) e na saúde são de saudar, no primeiro caso sendo importante estar atento à sua sustentabilidade financeira. Na dimensão social as medidas anunciadas são coerentes com os objetivos de política. De realçar a nova prestação social para a inclusão, os projetos piloto na saúde que, se bem sucedidos, permitirão poupanças de recursos que deverão ser reinvestidos na saúde, a descida do IVA na cultura que dará mais acessibilidade aos portugueses e maior dinamismo a este sector. Acerca dos serviços públicos e do grau de motivação dos seus servidores é algo que não podemos avaliar, pois a motivação tem a ver com o confronto de aspirações (que são subjetivas) e a realidade. O que é um facto é que caminhamos para a normalidade com o descongelamento das carreiras, que seguem a eliminação dos cortes, a capacidade de reintroduzir os prémios de desempenho.
Em resumo, trata-se de um orçamento equilibrado nas componentes financeira, económica e social em linha com o programa do governo e cumprindo assim os compromissos do governo quer nacionais quer europeus. Com muitas medidas interessantes e algumas (poucas) com as quais, naturalmente, discordo.
É o primeiro orçamento do nosso futuro. E em relação a ele apenas duas notas. Continua no Relatório, o objetivo de futuro (2020 e anos seguintes) de se caminhar para um objetivo de excedente orçamental (+0,25% do PIB potencial) algo de que discordo, pois exige um desnecessário apertar do cinto, e que espero que antes desse futuro chegar seja revisto em baixa. A temática da justiça intergeracional, associada à segurança social, tem de começar a integrar os futuros Orçamentos de Estado.
P.S. 1: Os meus parabéns e agradecimentos a todos os trabalhadores das finanças, desde o assistente administrativo ao Ministro, pelas horas extraordinárias feitas. Mas será que não é possível acabar as negociações políticas mais cedo e deixar os técnicos trabalhar sobre as decisões políticas? Haverá outros países desenvolvidos a trabalhar desta maneira?
P.S. 2: Os meus agradecimentos aos que sairam do governo nesta remodelação por tudo o que deram ao país com sacrifício da sua vida pessoal.