“Quero ser a primeira presidente do meu país, a primeira presidente de Espanha.” Yolanda Díaz é a pessoa de quem se fala por estes dias: é mulher, vice-presidente do governo espanhol, ministra do Trabalho e a política popular que se chegou à frente para assumir uma posição conciliadora à esquerda do PSOE — da qual está de fora, pelo menos por enquanto, a Unidas Podemos.
É com a plataforma Sumar (Somar, em português) que Yolanda Díaz quer fazer história em Espanha e tornar-se na primeira mulher a chegar à liderança do governo do país. A pedra inicial foi lançada este fim de semana, em Madrid, com o anúncio da candidatura às eleições legislativas que vão decorrer no final do ano. Mas o nome de Yolanda há muito que estava associado a um possível grande voo.
Pablo Iglesias foi um dos que mais acreditou na comunista de 52 anos. No dia em que anunciou que saía do governo espanhol para se candidatar às eleições regionais na Comunidade de Madrid, deixou um legado: Yolanda Díaz, que era ministra do Trabalho, seria promovida a terceira vice-presidente do executivo — e viria mais tarde a subir a segunda vice-presidente com a saída de Carmen Calvo.
Mais do que o gesto, para a eternidade ficaram as palavras do homem que fez do Podemos um fenómeno em Espanha: “Estou a dizer algo que milhões de pessoas de esquerda sentem: a Yolanda Díaz pode ser a próxima presidente do governo espanhol.”
Dois anos depois, a espanhola que vem de uma família de esquerda, e que ainda se mantém como militante do Partido Comunista, acredita que está na hora de “dar um passo em frente”, por ser “o tempo das mulheres” e porque “as mulheres querem ser as protagonistas da história”. Anunciou-o a Espanha, segundo o El País, num “pavilhão a abarrotar no coração de Madrid, com mais de três mil pessoas dentro e outras duas mil que seguiam nos ecrãs no exterior”.
Palavra de ordem: somar
Há muito que Yolanda Díaz está no mundo da política: na Galiza deu a cara pela Esquerda Unida, onde esteve de 2005 a 2017, e chegou a conquistar um lugar na vice-presidência da câmara de Ferrol. E nas eleições locais de 2012, após a construção de uma coligação de esquerda, conseguiu ser eleita deputada regional num grupo parlamentar de nove.
No momento em que chegou a ministra do Trabalho, o jornal Praza recordou a conquista vários anos antes e citou o jornalista e politólogo Anxo Lugilde, quando escreveu que “A Galiza foi o laboratório eleitoral do Podemos.”
Tudo começou quando Yolanda Díaz contratou Pablo Iglesias para trabalhar consigo, na altura longe de sonhar com a atenção mediática que este viria a alcançar. Foi ali que o homem que proporcionou um crescimento fulgurante ao Podemos percebeu que era preciso pensar além do centralismo.
O Pablo Iglesias disse muitas vezes: ‘Este centralismo espanhol arrogante faz as pessoas olharem com desdém e há quem não olhe para o que está a acontecer noutros locais. Não me canso de repetir que o que aconteceu na Galiza foi um sinal de que as coisas eram possíveis’”, explicou, frisando que o político chegou ali com “pouco conhecimento do país” e “leu muito bem o resultado das eleições” e a forma como podiam ser utilizados a nível nacional.
A história e a ascensão do Podemos é conhecida, mas Pablo Iglesias fez questão de ter Yolanda Díaz a seu lado — foi uma escolha da direção do partido e não da Esquerda Unida. Depois de ter sido alcançado o acordo de coligação com o PSOE para a formação do governo espanhol, o na altura líder do Podemos fez questão de contar com Yolanda e convidou-a para ministra do Trabalho e Economia Social. Não foi um ‘sim’ imediato, mas ela acabou por aceitar o desafio.
Um ano e meio depois já Iglesias se referia a Díaz como “a melhor ministra do Trabalho do país”. E foi exatamente nessa declaração que disse o que mudaria a visão e a vida da esquerdista: “A Yolanda Díaz pode ser a próxima presidente do governo espanhol.” Só que este fim de semana, quando ela anunciou que sim, que avançaria, Iglesias não estava lá. Porque não é com o Podemos que Yolanda avança, mas à frente de um novo movimento. E, por isso, apesar da casa cheia, no público só havia dissidentes ou inimigos do ex-líder histórico do Podemos.
Ao apresentar-se como a próxima presidente do governo, Yolanda Díaz fez-se acompanhar por Mónica García, líder do Más Madrid, a alcaidessa de Barcelona Ada Colau, a eurodeputada da Esquerda Unida Sira Rego, a ativista dos direitos transsexuais Carla Antonelli e a escritora Gioconda Belli. Um círculo de figuras que colocaram em prática o ideal feminista do Sumar.
Quando questionada numa entrevista ao El País se um movimento Sumar sem o Podemos resultaria num fracasso, Yolanda Díaz considerou que “não haveria um fracasso de todo” caso os dois movimentos seguissem separados um do outro. “O que considero fundamental é que tapemos os buracos negros da democracia, que nos mobilizemos”, explicou. “Isso vai muito além da unidade dos partidos. E se há algo que a [plataforma] Sumar está a fazer é mobilizar.”
Mais habitação, menos carga laboral: a Espanha que o Sumar idealiza
O Sumar foi apresentado pela ministra do Trabalho, antes de tudo, como um movimento que apoia as causas feministas. “Nós as mulheres não somos de ninguém”, disse Yolanda Díaz no comício em Madrid. “E eu, mulher, também não sou de ninguém. Sou Sumar, uma força feminista.” Um movimento político útil, de diálogo mas sem ruído e que procura “transformar a vida das pessoas”, foi assim que Yolanda descreveu o Sumar. De entre as medidas defendidas, estão o aumento do salário mínimo em 47%, a revalorização das pensões e a regulação do preço das rendas.
Além disso, contam-se ainda medidas como um novo modelo de financiamento que impeça a “concorrência desleal entre as diferentes comunidades”, a diminuição da carga horária laboral sem cortes salariais e um aumento do parque público de habitação — ainda que sem o Podemos, é claro o espaço à esquerda que o Sumar pretende ocupar. O novo movimento político defende igualmente os direitos da comunidade LGBT e avanços nos direitos das mulheres, dando como exemplo o apoio ao “aborto livre e gratuito”.
Aos mais jovens, Yolanda Díaz assegurou uma preocupação para com as novas gerações: “A juventude tem sido abandonada pelos seus governantes”, afirmou. “Levamos 40 anos de governos ‘nem-nem’, governos que não ofereceram nem soluções nem alternativas. Nunca mais haverá um país sem os seus jovens. Nunca mais haverá uma juventude sem futuro.”
Já em relação à União Europeia, o Sumar apresenta-se com uma proposta europeísta, numa Europa que “não olhe para trás, para a austeridade”. O objetivo, para a ministra espanhola, é democratizar as instituições da União Europeia, liderando um “movimento progressista”.
Movimento agregador de esquerda ou “sonho pessoal” de uma “comunista”
A candidatura de Yolanda Díaz a presidente à frente do movimento Sumar não foi bem recebida por todos. À direita do PSOE, Cuca Gamarra, secretária-geral do Partido Popular espanhol acusou a líder do Sumar de ser “a mesma comunista de sempre”, por muito que “mude o penteado ou o armário”.
Numa entrevista dada à Europa Press na quinta-feira, Cuca Gamarra aproveitou para tecer duras críticas ao atual governo de esquerda de Pedro Sánchez, que, para a secretária-geral do Partido Popular, não conseguiu dar respostas aos problemas vividos pelos espanhóis, nomeadamente em relação ao aumento da inflação, traduzido nos preços dos produtos de supermercado, assim como em relação ao aumento do preço das rendas no país.
Nós os espanhóis estamos esgotados com o que significou Pedro Sánchez e o seu governo ‘frankenstein’ à frente do governo de Espanha”, afirmou Cuca Gamarra, que considera que “é a altura de mudar a página”.
Já Margarita Robles, ministra da Defesa e independente, designou o Sumar como um “projeto pessoal” de Yolanda Díaz. A ministra da Defesa deixou ainda um conselho: “Uma pessoa nunca pode, pessoalmente, transformar a sociedade”.
“De resto, os projetos pessoais são respeitáveis, e serão os cidadãos que têm de decidi-lo, mas nunca ninguém, sozinho, consegue ajudar a transformar a sociedade“, disse Margarita Robles ao El País. “As mudanças a favor de quem mais precisa fazem-se com trabalho de equipa.”
A ministra independente, contudo, escolheu não comentar a divisão entre Yolanda Díaz e o partido Podemos, por considerar que o Sumar é um projeto encabeçado pela ministra do Trabalho e “só ela sabe como o está a organizar”. Margarita Robles deixou de fora também qualquer comentário à possibilidade de o novo movimento de esquerda poder prejudicar o PSOE de Pedro Sánchez nas eleições gerais.
Já a ministra dos Assuntos Sociais e líder do Podemos, Ione Belarra, evitou comentar as declarações da ministra da Defesa, insistindo na procura de unidade em antecipação às eleições gerais. “Nós temos sido claras desde o início sobre a candidatura de Yolanda Díaz, porque o Podemos tem um compromisso vincado com a união“, explicou Ione Belarra. “Quem tem de decidir se quer ser a candidata da unidade é Yolanda Díaz.”
A decisão, por enquanto, cabe à candidata do Sumar, mas, no dia das eleições gerais, quem terá uma palavra a dizer serão todos os espanhóis elegíveis para votar. Num “tempo das mulheres” — que se quer cada vez mais com as grandes mentes femininas a protagonizar o guião que é a própria história — e num tempo em que a população espanhola pede uma diminuição dos preços dos produtos e das rendas, Pablo Iglesias poderá ter acertado na sua previsão e Yolanda Díaz ser mesmo a próxima presidente do governo de Espanha.