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O Tribunal Constitucional impede o Governo de aplicar o seu programa?

O Tribunal Constitucional (TC) é o principal órgão de garantia da Constituição. Compete-lhe fiscalizar a constitucionalidade de normas contidas em legislação aprovada pelo Parlamento ou pelo Governo. O Executivo de Passos Coelho tem-se queixado que o TC “chumbou” várias medidas que a maioria PSD-CDS entendia serem importantes para cumprir o Programa de Ajustamento, nomeadamente em matéria de consolidação orçamental e de reformas estruturais.

O primeiro-ministro nunca utilizou a expressão “força de bloqueio”, mas, na prática, queixou-se de ter dificuldades em governar por causa dos juízes do Palácio Ratton. O TC produziu seis acórdãos negativos sobre medidas de austeridade da maioria PSD-CDS: sobre o Orçamento do Estado para 2012 (Acórdão 353/2012), o Orçamento do Estado para 2013 (Acórdão 187/2013), o Regime Jurídico de Requalificação dos Trabalhadores em Funções Públicas (Acórdão 474/2013), alterações ao Código do Trabalho (Acórdão 602/2013), o Regime de Convergência dos Sistemas de Pensões do Setor Público e do Setor Privado (Acórdão 862/2013) e o Orçamento do Estado para 2014 (Acórdão 413/2014). No Orçamento de 2013, por exemplo, estavam em causa nove artigos diferentes, desde cortes nos subsídios de férias a cortes no subsídio de doença.

Antes de tomar posse como primeiro-ministro, Passos Coelho defendeu várias vezes a necessidade de uma revisão da Constituição. Mas esta revisão exige uma maioria de dois terços dos deputados eleitos, ou seja, é sempre preciso que PS e PSD se entendam para que se mude alguma coisa na chamada Lei Fundamental. Este entendimento é difícil e pouco expectável nas atuais circunstâncias políticas. Acresce que as decisões do TC se têm baseado na aplicação de princípios abstratos ― como a igualdade, a proporcionalidade e a proteção da confiança ― que dificilmente podem ser removidos do texto constitucional, reconhece a maioria É a interpretação que os juízes fazem desses princípios e não o texto da Constituição que tem sido decisivos nos “chumbos”.

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Que medidas do Governo foram chumbadas?

O TC considerou inconstitucionais o corte do subsídio de férias e Natal, o alargamento dos cortes nos contratos de docência e investigação, o aumento da contribuição sobre prestações de doença e de desemprego, respetivamente de 5% e de 6%, a diminuição das pensões da Caixa Geral de Aposentações, os despedimentos na função pública ao fim de 12 meses na mobilidade especial e novas normas do Código do Trabalho de despedimento por extinção do posto de trabalho e inadaptação.

O corte dos subsídios de Natal e de férias aos funcionários públicos com salários superiores a 600 euros foi um caso especial. O primeiro acórdão do TC foi emitido em 5 de Julho de 2012, sobre o corte dos subsídios de Natal e de férias desse ano, previstos no Orçamento do Estado, que já estava em vigor desde Janeiro. Nessa altura, os juízes entenderam, por maioria, que o corte violava o princípio constitucional da igualdade. No entanto, exerceram a prerrogativa constitucional de diferir os efeitos da decisão para o futuro por razões de interesse público excecional, invocando para o efeito o estado muito avançado da execução orçamental desse ano. Dessa forma, a suspensão dos subsídios manteve-se em 2012, mas não poderia ser repetida em 2013.

O Governo procurou, no ano seguinte, modelar os cortes de forma diferente: por um lado, aumentou o IRS, afetando assim tanto os trabalhadores do setor público como os do setor privado; por outro, cortou aos funcionários públicos (e aos pensionistas) apenas um dos subsídios, argumentando que estes recebiam, em média, salários mais elevados e beneficiavam de uma maior proteção no emprego. Os juízes, no entanto, voltaram a considerar, por maioria, o corte de um subsídio inconstitucional, tendo a sua decisão efeitos imediatos, o que obrigou o Governo a repor em 2013 o subsídio cortado, o qual acabaria por ser pago em Novembro.

Em maio de 2013, o TC chumbou três normas do Orçamento do Estado para 2014: cortes salariais na função pública (entre 2,5% e 12%): taxas de 6% sobre o subsídio de desemprego e 5% sobre os subsídios de doença e cortes nas pensões de sobrevivência.

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Quanto foi o chumbo do TC que mais doeu ao Governo?

Em termos de valores, o acórdão que impediu mais cortes do Governo foi o segundo, a 5 de abril de 2013. O chumbo ao corte dos subsídios de Natal e de férias de funcionários públicos e pensionistas significou menos 1.326 milhões de euros de poupança, na ótica do Governo.

Ficou, então, criado um buraco nas contas do Estado em 2013 que foi tapado com o “enorme aumento de impostos” do então ministro das Finanças, Vítor Gaspar. O chumbo da requalificação dos funcionários públicos, por exemplo, valia apenas 50 milhões de euros e o da convergência das pensões (a última decisão do TC) significou menos 388 milhões de euros nos cofres do Estado e no bolso dos pensionistas.

 

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A Constituição permite despedimentos da Função Pública?

Não há nenhuma norma na Constituição que proíba explicitamente os despedimentos na Função Pública. No entanto, no acórdão sobre o diploma da Requalificação, os juízes do TC acabaram por, na prática, considerar inconstitucional o despedimento de todos os funcionários públicos com vínculo anterior a 2008, altura em que foi criado o novo regime de contrato de trabalho em funções públicas– ainda no tempo do Governo de José Sócrates.

Os juízes consideraram que, para os funcionários que já estavam no Estado antes de 2008, o seu despedimento após uma passagem pela bolsa de mobilidade violava o princípio da proteção da confiança”. Com este acórdão, o TC veio, no fundo, dizer que só os trabalhadores contratados depois de 2008 poderão algum dia vir a ser despedidos pelo Estado, exceto se o forem por motivos disciplinares. Para além disso, o TC considerou que os novos critérios de despedimento introduzidos pelo diploma da requalificação violavam a exigência constitucional de “justa causa” nos despedimentos.

No acórdão sobre o Código do Trabalho, em Setembro do ano passado, o TC chumbou ainda as normas relacionadas com a extinção do posto de trabalho e com o despedimento por inadaptação, por considerar que não assentavam em critérios objetivamente claros, violando o princípio da justa causa. O Governo reformulou estes critérios.

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Quais são as normas da Constituição que barraram mais vezes as intenções do Governo?

O princípio mais vezes invocado é o de igualdade, consagrado no art. 13º da Constituição, cujo nº 1 dispõe que “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”. Aconteceu, por exemplo, no corte nos subsídios de férias e de Natal de funcionários públicos e pensionistas.

Mas, nos pedidos de verificação de constitucionalidade, os partidos da oposição queixaram-se, muitas vezes, que estava em causa o princípio da protecção da confiança (corte nas pensões, requalificação) ou da proporcionalidade (corte no subsídio de desemprego e doença), que consideram integrar o princípio mais geral e abstrato de Estado de direito democrático (artigo 2 da Constituição).

Por sinal, os princípios invocados pelos juízes são os mais transversais a qualquer ideologia, ou seja, mesmo os governantes da área PSD-CDS entendem que, num cenário de revisão constitucional, estes nunca seriam eliminados da Constituição. Alegam, contudo, que os juízes interpretam de forma muito lata estes princípios.

No chumbo ao OE de 2014, em maio, as declarações de voto dos juízes evidenciaram as contradições de pensamento no Palácio Ratton e mesmo a dificuldade em fixar jurisprudência. A vice-presidente do TC, Maria Lúcia Amaral, chegou mesmo a escrever que o tribunal está “sem bússola orientadora”.

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Que medidas do Governo passaram no crivo do TC?

O TC deixou passar a Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES), a redução de 3,5% a 10% dos salários na função pública a partir de 1.500 euros, o fim de quatro feriados, as 40 horas de trabalho na função pública, o banco de horas desde que haja acordo do trabalhador, o fim da possibilidade de aumentar os dias de férias em função da assiduidade (em alguns casos), o corte nas horas extraordinárias dos funcionários públicos, alterações nos escalões do IRS e a sobretaxa de 3,5% neste imposto. O TC concordou ainda com a suspensão de complementos de reforma nas empresas do setor empresarial do Estado.

Os juízes aceitaram alguns destes cortes na presunção de que se tratava de medidas transitórias. Por outro lado, consideraram que as alterações em sede de IRS não punham em causa a progressividade. Sobre a polémica CES, o TC quase se partiu ao meio no essencial da medida, mas aceitou que as taxas adicionais de 15% e 40%, aplicadas a partir de “rendimentos especialmente elevados”, deixavam “ainda uma margem considerável de rendimento disponível”.

O Governo, entretanto, já anunciou, em maio, que vai substituir a CES, em 2015, por uma Contribuição de Sustentabilidade, com regras parecidas com a CES, mas menos pesadas. O Governo deu-lhe outro nome, argumentando que não é a repetição da CES.

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As decisões são tomadas por unanimidade dos juízes?

Não, são tomadas por maioria simples. Muitas vezes os juízes apresentam declaração de voto para deixar claro que não concordam com a decisão maioritária. Ou então que, concordando com a decisão, não subscrevem todos os argumentos do acórdão.

Ainda assim, há decisões unânimes, como aconteceu com a convergência das pensões. Todos os juízes chumbaram esta medida, que previa reduções de cerca de 10% nas reformas da Caixa Geral de Aposentações. Aqui não houve qualquer tipo de dúvida, mesmo que alguns juízes tenham feito declarações de voto.

Em caso de empate, caso esteja presente um número par de juízes (por exemplo, nas férias judiciais em que se dividem em dois turnos, um de sete e outro de seis juízes), o presidente do TC tem voto de qualidade (desempata a votação).

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Quantos são os juízes que compõem o TC e como são escolhidos?

São 13, seis juízes de outros tribunais, os restantes juristas. Dez são eleitos pela Assembleia da República, por uma maioria de dois terços dos deputados. Isto significa que obriga a um acordo prévio entre o partido ou coligação que está no poder e o maior partido da oposição. Os restantes três são cooptados, o que quer dizer que são escolhidos pelos dez juízes já eleitos para o TC, tendo que recolher, pelo menos, sete dos dez votos.

O mandato de cada juiz é de nove anos, não podendo ser renovável, embora os períodos de mandato de cada um não sejam coincidentes. Os juízes mais antigos entraram em 2007 e há um, João Caupers, que está lá desde 6 de março de 2014. Os 13 juízes elegem, entre si, por voto secreto, o presidente e o vice-presidente que exercem os cargos por um período de metade do mandato (quatro anos e meio). Este foi o resultado do acordo entre PSD e PS, em 1998, quando os mandatos deixaram de ser renováveis, para que haja rotatividade no lugar cimeiro do TC.

Atualmente, o tribunal é presidido por Joaquim Sousa Ribeiro, indicado pelo PS. O facto de um juiz ter sido indicado por um partido não significa necessariamente que vota sempre alinhado com esse partido. A juíza Fátima Mata-Mouros, indicada pelo CDS, votou contra leis essenciais para o Governo, como a lei da Requalificação dos funcionários públicos ou o corte de um subsídio de férias aos pensionistas. Mas também há casos de juízes mais previsíveis: Catarina Sarmento de Castro, indicada pelo PS, tem sido contra todos os cortes analisados no Palácio Ratton, à exceção da sobretaxa de IRS e das alterações de escalões.

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Qualquer cidadão pode dirigir-se ao TC com pedidos de verificação da constitucionalidade?

Na fiscalização sucessiva abstrata, podem solicitar a apreciação da constitucionalidade o Presidente da República, os deputados (no mínimo, 26), o Provedor de Justiça, o Primeiro-Ministro, a Presidente da Assembleia da República, o Procurador-Geral da República e os representantes da República nas regiões autónomas se a questão envolver os direitos das autonómicos ou a violação do respetivo estatuto. Na fiscalização preventiva, a regra é a de que apenas o Presidente da República pode solicitar a intervenção do TC.

Na realidade, a maior parte dos pedidos de fiscalização de constitucionalidade foram apresentados pelos partidos da oposição. Aliás, desde o início do programa de resgate que o envio de diplomas para o TC por parte dos partidos da esquerda se tornou usual. Na direita, isto é visto como uma utilização política do tribunal. Na esquerda, isto é justificado com o argumento de que o Governo está a atropelar a Constituição. Cavaco Silva também fez vários pedidos de fiscalização ao TC como, por exemplo, o diploma que permitia despedimentos na função pública ou o corte dos subsídios de férias em 2013. O Provedor de Justiça também fez pedidos idênticos sobre o corte nos subsídios aos pensionistas.

A verificação da constitucionalidade pode ser preventiva ou sucessiva, ou seja, pode ser pedida antes ou depois de a lei ser promulgada e entrar em vigor. Quando é preventiva, impede que a lei entre em vigor enquanto o tribunal não se pronunciar. Daí que Cavaco Silva, mesmo quando teve dúvidas sobre o Orçamento de Estado de 2013, tenha optado por promulgar primeiro esse diploma e só depois pedir a intervenção do TC. Dessa forma, não impediu que o OE, que tem centenas de artigos diferentes, entrasse em vigor. O problema, quando assim acontece, são os efeitos retroativos das inconstitucionalidades: nesse ano o Governo foi obrigado a repor cortes que começara a fazer logo em Janeiro.

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O Governo é obrigado a acatar as decisões de inconstitucionalidade do TC?

Sim. No caso de uma norma ser declarada inconstitucional, no seguimento de um pedido de fiscalização sucessiva (ou seja, já depois da lei estar em vigor), essa norma desaparece da ordem jurídica. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o chumbo de algumas normas do Código do Trabalho em setembro (obrigando, entre outras, à reposição, com efeitos retroativos, de dias de férias dos trabalhadores abrangidos por convenções coletivas de trabalho que prevejam o direito a mais de 22 dias de férias anuais).

No caso de uma norma ser pronunciada inconstitucional em sede de fiscalização preventiva, o Presidente já não pode promulgar o diploma. Se for um decreto para ser promulgado como lei, o Presidente devolve o diploma à Assembleia da República para expurgo da inconstitucionalidade ou se para, se assim o entender, confirmar o diploma. O Parlamento pode confirmar o diploma por maioria de dois terços dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções. Esta possibilidade, porém, nunca foi posta em prática.

A maior parte dos pedidos de fiscalização aos cortes do Governo foi de fiscalização sucessiva, não impedindo assim que as leis entrassem em vigor. Cavaco Silva pediu a fiscalização preventiva, por exemplo, da convergência do regime de pensões do setor público e privado e do regime de requalificação dos funcionários públicos – que vieram a ser chumbados pelo TC.

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A que perguntas é que ainda não respondemos?

Este Explicador, como todos os outros, vai ser melhorado pelo Observador conforme a atualidade e também de acordo com as sugestões dos leitores. Neste caso específico, o Explicador foi já alterado com as críticas e sugestões que nos foram feitas pelos professores Tiago Antunes e Gonçalo Almeida Ribeiro. Mande-nos também as suas dúvidas e sugestões. Estamos ao seu serviço.