1

Ser bipolar é ter mudanças de humor?

As oscilações de humor são perfeitamente normais ao longo do dia, das semanas, dos meses. Às vezes estamos alegres, outras vezes tristes, há momentos em que estamos tranquilos e, depois, alguma coisa nos deixa ansiosos ou zangados. Ou ao contrário. Isso é natural e nada tem que ver com as alterações de humor associadas à bipolaridade.

A perturbação bipolar é uma doença psiquiátrica que se caracteriza por variações muito acentuadas do humor em que o paciente alterna períodos de depressão clínica com outros de uma elevação do humor e aumento da energia (mania ou hipomania) tão grande que o tornam disfuncional.

2

O que é a mania? E a hipomania?

A mania, explica o psiquiatra e psicoterapeuta Cláudio Moraes Sarmento, caracteriza-se pelo humor elevado “com euforia, desinibição, desrespeito pelas normas sociais, comportamentos de risco — grande desinibição sexual e gastos de dinheiro superiores ao habitual, por exemplo —, ou falar excessivamente e ininterruptamente com um discurso geralmente em tom elevado e acelerado”. Há também um aumento de atividade e excesso de energia: “os doentes podem não dormir dias seguidos e não se sentirem cansados.”

A mania envolve um grande aumento de autoestima que, nos piores casos, “pode atingir proporções psicóticas, com delírios de grandiosidade”, em que a pessoa perde contacto com a realidade. Outros sintomas são “a aceleração da atividade mental, distractibilidade, dificuldade em distinguir entre pensamentos relevantes e irrelevantes e uma perceção de estímulo— visuais, olfativos, auditivos — geralmente aumentada.”

O início de um episódio de mania é geralmente súbito, com progressão rápida em poucos dias. “A hospitalização é frequentemente necessária para proteção do próprio de determinados riscos, como a ruína financeira, a perda de emprego e agressões.”

A hipomania caracteriza-se por sintomas muito semelhantes aos da mania, mas com menor intensidade. “A autoestima, por exemplo, pode estar aumentada, mas não atinge uma dimensão delirante, o pensamento está mais organizado e, geralmente, não implica hospitalização.”

3

Há vários tipos de perturbação bipolar?

“Existem os subtipos I e II”, esclarece o psiquiatra Cláudio Moraes Sarmento. “No tipo I o paciente apresenta episódios de mania e depressão major e no II existe pelo menos um episódio de hipomania, um episódio depressivo major e não há episódios de mania.”

Os sintomas depressivos são mais frequentes do que os de mania ou hipomania e há também episódios mistos, em que a mania, hipomania ou depressão são acompanhados de sintomas do polo oposto, como hipomania com sintomas de depressão major, por exemplo.

4

Quanto tempo duram as crises? Depois volta-se ao “normal”?

As crises podem durar dias, semanas ou meses. A frequência, duração e intervalo entre elas varia muito, mas a medicação adequada e um acompanhamento de psiquiatria e psicoterapia geralmente fazem com que sejam mais espaçadas, de menor intensidade e menor duração. Controlada a crise, o doente por norma regressa ao seu estado habitual, no entanto, muitas vezes há consequências graves que ficam, já que pode ter havido comportamentos que põem em causa a estabilidade familiar, profissional e financeira, com conflitos conjugais, incumprimentos profissionais ou endividamento excessivo. Além disso, as crises psicóticas podem ter um impacto nas capacidades cognitivas a longo prazo.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

5

É possível prever ou prevenir estas crises?

Não é possível prever o surgimento de crises. “E a única maneira de as prevenir é fazendo o tratamento de manutenção, que pode evitar ou diminuir a sua eclosão”, diz Cláudio Moraes Sarmento. No entanto, com informação e educação — do doente e dos familiares — é possível identificar cedo os sintomas de alerta para uma descompensação em curso. “Com o tempo, muitos doentes aprendem a detetar precocemente alguns sintomas de recaída, sejam depressivos ou de elação [elevação] de humor e a recorrer atempadamente ao psiquiatra assistente.”

6

Como é feito o diagnóstico?

O diagnóstico é clínico, com base nos sintomas, não existindo nenhum teste ou análise específica para detetar a perturbação bipolar. Apesar disso, é necessário excluir outras condições médicas, “por exemplo, endócrinas e neurológicas que poderão causar sintomas de bipolaridade”. Por essa razão, a avaliação inicial do médico, além da história médica e psiquiátrica, entrevista a familiares e avaliação do estado mental e físico, inclui também “testes laboratoriais, como a função tiroideia, o hemograma e urina e, eventualmente, despiste de utilização de drogas.”

O processo de diagnóstico exige muito cuidado para distinguir a doença de outras que podem causar sintomas semelhantes, “como depressão major unipolar, a esquizofrenia e a perturbação da personalidade borderline”.

7

Quais são as causas?

São ainda desconhecidas, apesar de se saber que podem estar envolvidos fatores biológicos, psicológicos e sociais. “Podem ser encontradas alterações da estrutura e do funcionamento cerebral, mas não é claro se estas alterações precedem o início da doença ou são resultado dela”, diz Cláudio Moraes Sarmento.

O médico explica que existem fatores hereditários comprovados, sabendo-se, por exemplo, “que o risco de perturbação bipolar na população geral é de 1 a 3%, mas tendo um familiar de primeiro grau com a doença é de 5 a 10% e num gémeo é de 40-70%”.

Além disso, e de acordo com alguns estudos, “acontecimentos de vida como a negligência e maus tratos na infância podem ser associados ao início de doença bipolar e à sua maior gravidade”.

8

Como se trata a perturbação bipolar?

Num primeiro momento, trata-se a fase aguda que esteja presente, seja mania, hipomania ou depressão major. Em algumas situações, explica o psiquiatra, pode justificar-se um internamento, sobretudo em episódios de mania, para proteção do próprio paciente. “Depois, há que fazer o tratamento de manutenção, para atrasar ou impedir novo episódio, sendo que o tratamento combinado de farmacoterapia [medicação] e psicoterapia é a melhor opção: a psicoterapia é essencial para a manutenção e adesão ao tratamento.”

A medicação usada geralmente envolve estabilizadores de humor (como o lítio), que “reduz o risco de recaída em 30%, sendo especialmente efetivo na prevenção de recaídas maníacas”. Pode incluir também antidepressivos, antipsicóticos e tratamentos somáticos como a eletroconvulsivoterapia — que consiste na estimulação elétrica cerebral, com o objetivo de obter uma convulsão com fins terapêuticos.

9

A doença bipolar tem cura?

A doença bipolar é considerada uma perturbação crónica, pelo que não se fala em cura. “A gravidade dos sintomas varia de paciente para paciente e ao longo do ciclo de vida”, explica o médico.

No entanto, há em muitos casos de remissão total de sintomas, ou seja, há pacientes que, com psicoterapia e medicação adequada, se mantêm sem sintomas da doença.