- O que querem fazer os partidos?
- Porquê agora?
- Então quer dizer que os ex-governantes ficam impedidos de trabalhar no privado?
- O que acontece aos deputados? São obrigados a trabalhar em exclusividade?
- Então os deputados ficam impedidos de trabalhar em quê?
- Um deputado pode ser advogado?
- E pode ser comentador de televisão?
- O que tem isto a ver com o enriquecimento injustificado?
- José Sócrates seria afetado?
- Os partidos também querem acabar com o lóbi?
- Isto é tudo muito bonito - mas vai ser aprovado?
Explicador
- O que querem fazer os partidos?
- Porquê agora?
- Então quer dizer que os ex-governantes ficam impedidos de trabalhar no privado?
- O que acontece aos deputados? São obrigados a trabalhar em exclusividade?
- Então os deputados ficam impedidos de trabalhar em quê?
- Um deputado pode ser advogado?
- E pode ser comentador de televisão?
- O que tem isto a ver com o enriquecimento injustificado?
- José Sócrates seria afetado?
- Os partidos também querem acabar com o lóbi?
- Isto é tudo muito bonito - mas vai ser aprovado?
Explicador
O que querem fazer os partidos?
Querem apertar as regras de transparência no exercício de cargos políticos e altos cargos públicos, argumentando que dessa forma se aumenta a credibilidade não só dos deputados mas também dos ex-governantes, que devem ser mais escrutinados quando termina o mandato.
Para isso, PS, PCP e BE apresentaram na Assembleia da República seis propostas para alterar a lei dos impedimentos e incompatibilidades dos deputados e ex-governantes, mas também para aumentar o controlo do enriquecimento injustificado e a regulação da atividade de lóbi.
O objetivo é criar uma “malha mais apertada” para a acumulação de certas atividades, como a área jurídica (advogados). Esse é um objetivo comum ao PS, PCP e BE, mas os dois partidos mais à esquerda querem ir mais longe.
Entre as seis iniciativas legislativas da esquerda conhecidas (duas de cada partido), destaca-se a proposta bloquista de impedir os ex-governantes, durante um período de seis anos (atualmente a lei fala em três), de exercerem cargos em empresas privadas que tenham atividades no setor por eles diretamente tutelado. Ou de exercerem funções de consultadoria em organizações internacionais com as quais tenham trabalhado diretamente enquanto governantes – também durante um período mínimo de seis anos.
O PCP propõe um alargamento desse “período de nojo” de três para cinco anos, e não seis, e o PS não mexe nesse período, mantendo os atuais três anos. Mas introduz uma alteração significativa: os ex-governantes passam a precisar de um parecer vinculativo da Assembleia para aceitarem um cargo no privado (ver pergunta 3).
Mais: os socialistas alargam o impedimento do exercício do mandato dos deputados a qualquer cargo ligado ao Estado e à administração pública e local – o mesmo querem o BE e o PCP.
Além de apertarem as regras aos deputados-advogados, pretende-se também impedir que os deputados possam ser, ao mesmo tempo, membros de qualquer órgão social de instituições de crédito e sociedades financeiras. Ou de qualquer entidade reguladora, por exemplo.
À boleia do apertar do cerco às incompatibilidades e impedimentos legais dos deputados e ex-governantes, o PS aproveitou para recuperar o tema do enriquecimento injustificado, que já tinha sido debatido na legislatura passada, acabando por ser aprovado o projeto da anterior maioria (PSD e CDS), que esbarrou no Tribunal Constitucional.
O Bloco seguiu a onda e avançou também com a sua proposta de criar uma Entidade de Transparência dos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos, no Tribunal Constitucional, e de pôr a autoridade tributária a atuar sempre que houver uma situação que levante suspeitas de rendimentos não declarados.
Porquê agora?
Três palavras, um nome: Maria Luís Albuquerque. A contratação da ex-ministra das Finanças pela Arrow Global – um grupo que tem como clientes alguns dos principais bancos a atuar em Portugal – provocou uma chuva de críticas nos partidos mais à esquerda e obrigou a subcomissão de ética do Parlamento a pronunciar-se sobre o caso.
Ainda que todos os partidos garantam que o objetivo desta discussão não é legislar ad hominem, a esquerda quer evitar que casos como este se repitam. É precisamente isso que diz Pedro Filipe Soares, líder da bancada parlamentar do Bloco. “É com casos concretos que percebemos que a lei deve ser alterada. É preciso acabar com os alçapões que permitem sempre abusos à lei”.
Entretanto, os pareceres emitidos pelo Governo socialista acabaram por dar razão a Maria Luís Albuquerque: não há qualquer impedimento ou incompatibilidade na contratação da ex-ministra para o cargo de administradora não executiva da Arrow Global. À esquerda, no entanto, ninguém está convencido. Já esta manhã, o PCP apresentou um parecer em que pede que seja o Ministério Público a investigar a contratação de Maria Luís Albuquerque pela Arrow Global.
Mais do que uma questão legal, diz a esquerda, o que aqui está em causa é a componente ética do caso. E nessa parte, reiteram, Maria Luís não cumpriu com as suas obrigações.
E o que dizem PSD e CDS? Os partidos da direita não apresentaram projetos de lei, argumentando que não querem andar à “boleia de aproveitamentos políticos”, mas sempre se dizem dispostos a “colaborar com tudo quanto dignifique a política”.
Então quer dizer que os ex-governantes ficam impedidos de trabalhar no privado?
Não. Podem trabalhar no privado desde que não seja nas áreas que tenham tutelado diretamente enquanto estavam no Governo.
Aqui, o BE e o PCP são claros e fecham bem a malha: os ex-governantes não podem trabalhar de todo no ramo que tutelaram, exceto se estiverem a fazer um regresso à carreira que tinham antes de irem para o Governo. E isto durante um período de cinco anos (proposta do PCP) ou seis anos (BE).
Já o PS não é tão rígido. Propõe que os ex-governantes que queiram trabalhar em empresas privadas ligadas à sua área possam fazê-lo desde que essas empresas não tenham sido privatizadas nem recebido apoios do Estado ou benefícios fiscais contratualizados. Isto é o que está atualmente na lei e o PS não mexe.
A novidade é que o PS obriga estes ex-governantes que queiram trabalhar no privado a serem avaliados pela comissão parlamentar competente, que deve analisar caso a caso e emitir um parecer “vinculativo”. Ou seja, o PS passa a decisão para as mãos do Parlamento.
E os socialistas fazem mais uma ressalva: os ex-titulares de cargos de soberania não podem exercer durante três anos qualquer função de trabalho subordinado ou de consultadoria a instituições internacionais com as quais tenham trabalhado, exceto quando se tratar de cargos “nas instituições da União Europeia, nas organizações do sistema das Nações Unidas, decorrentes de regresso a carreira anterior, em caso de ingresso por concurso e em caso de indicação pelo Estado português ou em sua representação”.
Ou seja, impediria por exemplo Vítor Gaspar de entrar para o FMI depois de deixar a pasta das Finanças no Governo.
O que acontece aos deputados? São obrigados a trabalhar em exclusividade?
Não, ainda que esse seja o objetivo último do Bloco de Esquerda. Por princípio, os bloquistas querem tornar obrigatório o regime de exclusividade para todos os deputados da Assembleia da República. Mas o partido coordenado por Catarina Martins não é acompanhado neste ponto nem por socialistas, nem por comunistas.
O PCP, à semelhança do Bloco de Esquerda, de resto, já adotou a mesma regra para todos os que compõem o grupo parlamentar comunista, ainda que não verta esse princípio em projeto de lei.
E mesmo os bloquistas reconhecem que dificilmente a Assembleia da República aprovaria um diploma que obrigasse todos os parlamentares a cumprirem o regime de exclusividade.
Na bancada do PS, ao contrário das bancadas do BE e PCP, há muitos deputados que não estão em regime de exclusividade.
Então os deputados ficam impedidos de trabalhar em quê?
Ponto de honra para PS, Bloco de Esquerda e PCP: os deputados passam a estar impedidos de ter qualquer papel em empresas públicas ou organismos que tenham alguma ligação ao Estado – incluindo, organismos que mantenham Parcerias Público-Privadas (PPP).
Os três partidos também concordam noutro ponto: enquanto exercerem o mandato, os deputados não podem trabalhar em qualquer instituição de crédito e sociedade financeira, bem como em sociedades de valores mobiliários – como é o caso de Maria Luís Albuquerque.
Estas são as duas principais alterações em relação ao Estatuto de Deputados já em vigor. Mas há um outro ponto comum aos três partidos: as sociedades de advogados.
Um deputado pode ser advogado?
Se a sociedade de advogados a que pertence tiver relações com o Estado (contra ou a favor) ou com quaisquer organismos públicos, não pode. O que os partidos da esquerda querem é impedir os deputados de legislarem em causa própria.
É vedado a um deputado “exercer o mandato judicial, em qualquer foro, em que seja parte o Estado e demais pessoas coletivas públicas, por si ou através de sociedades profissionais ou civis das quais seja sócio”, lê-se no projeto do BE.
“A clarificação de que são abrangidas pelos impedimentos, nas situações descritas, as atividades ou atos económicos de qualquer tipo, mesmo que no exercício de atividade profissional e que o que é relevante são os atos praticados e não a natureza jurídica da entidade que os pratica, de forma a incluir inequivocamente as sociedades de advogados (que têm natureza civil)”, lê-se no projeto do PCP.
Também o PS aperta a malha neste sentido: um deputado não pode servir de consultor nem de advogado em assuntos que envolvam o Estado ou empresas públicas, nem pode fazer parte de sociedades de advogados que o façam.
E pode ser comentador de televisão?
Pode. De fora das restrições ficam as funções de professor universitário, que podem exercer desde que o cargo não seja remunerado, e a de comentador político, que também podem exercer por, dizem os bloquistas, ser considerado um “direito intelectual”.
O que tem isto a ver com o enriquecimento injustificado?
A discussão em torno do “enriquecimento ilícito” ou “enriquecimento injustificado” é antiga. Por duas vezes os partidos chegaram a um entendimento em relação ao diploma – primeiro em 2012, aprovado por todos exceto pelos socialistas; depois em 2015, aprovado por PSD e CDS. E por duas vezes o Tribunal Constitucional decidiu chumbar os diplomas.
Agora, PS e Bloco de Esquerda voltam a tentar e parecem ter encontrado um fio condutor: apertar a malha a todos os detentores e ex-detentores de cargos políticos e altos dirigentes da administração pública, bem como da administração local e das regiões autónomas, reforçando os poderes da Autoridade Tributária (AT).
Se estes diplomas forem aprovados, todos os dirigentes supracitados estariam obrigados a apresentar uma declaração de património junto do Tribunal Constitucional – no caso dos socialistas, o PS pretende que essa obrigatoriedade se mantenha durante os três anos seguintes à cessação de funções.
Na posse desta informação, sempre que o fisco detetar que existiu um aumento de património injustificado – mobiliário ou imobiliário – então o visado terá de apresentar justificações. Se não for capaz de explicar como conseguiu esse aumento de riqueza e se se confirmar que o património é ilícito, o Estado reserva-se o direito de penhorar esses bens.
Aqui, as propostas são ligeiramente diferentes: o Bloco defende uma penhora total – uma tributação de 100%, seja em sede de IRS ou IRC; o PS fala em 80%.
Os bloquistas ainda concretizam um outro ponto: existe “enriquecimento injustificado” sempre “que se verifique um desvio de valor igual ou superior a 20% entre os rendimentos declarados e os incrementos patrimoniais do contribuinte, sempre que o valor do rendimento for superior a 25 mil euros”.
Outra diferença: no diploma bloquista, a comprovada omissão ou falsa declaração de património é punida com perda imediata de mandato. O Bloco prevê também uma moldura penal mais pesada: os prevaricadores ficam sujeitos a uma pena de prisão de três a oito anos; o PS defende uma pena de prisão até aos três anos.
Mais uma proposta do Bloco de Esquerda: criar uma Entidade de Transparência dos Titulares de Cargos Políticos e Altos Cargos Públicos, no Tribunal Constitucional, inteiramente responsável por reunir a informação sobre o património e rendimentos destes responsáveis.
O Bloco, de resto, quer ainda criar um registo de “usufruto de um bem”. (Ver pergunta 9)
O PCP não apresentou ainda propostas sobre esta matéria mas continua firme à proposta que tinha na legislatura passada, e que passa por apertar o cerco ao enriquecimento injustificado de todos os cidadãos (entre os mais ricos e com mais património) e não apenas aos políticos ou administradores públicos. Os comunistas pretendem por isso entrar com os seus contributos no debate que será feito em sede de comissão.
José Sócrates seria afetado?
Um dos pontos levantados pelo Bloco de Esquerda na discussão sobre o “enriquecimento injustificado” parece feito à medida do ex-primeiro-ministro José Sócrates.
Para o Bloco de Esquerda, a questão põe-se nestes termos: as declarações de riqueza dos detentores de cargos políticos e de altos cargos públicos devem incluir e esmiuçar todos os bens de que o indivíduo usufrua mesmo sem ser deles proprietário.
Ora, de acordo com a versão dos factos apresentada por José Sócrates, as benesses que recebia de Carlos Santos Silva eram na verdade um empréstimo ou um favor. Mesmo assim, e de acordo com este diploma do Bloco, o ex-primeiro-ministro estaria obrigado a deixar claro na sua declaração de rendimentos que, não se tratando de bens próprios, estava, mesmo assim, a usufruir deles.
Desafiado a comentar a coincidência, Pedro Filipe Soares recusou-se a fazer qualquer tipo de comparação.
Os partidos também querem acabar com o lóbi?
Não propriamente, mas querem pôr o tema na agenda para a prática de lóbi poder ser regulamentada.
O PS quer aproveitar a Comissão Eventual para o Reforço da Transparência no Exercício de Funções Públicas, cuja criação vai ser aprovada esta sexta-feira, para estudar a melhor forma de regulamentar a prática de lóbi. Mais precisamente, que passos podem ser dados na criação de um “regime de atividade e prevenção de conflitos de interesses das organizações privadas que pretendem participar na definição e execução de políticas públicas e legislação”.
Não é a primeira vez que o Parlamento se propõe a debater os lóbis, mas a última tentativa de trazer o tema para a agenda parlamentar coincidiu com a crise do Governo no verão de 2013, quando Paulo Portas se demitiu. O lóbi é permitido em Bruxelas, junto das instituições europeias, e também está regulado em vários Estados-membros.
Além disso, como explicava aqui o Observador, esta Comissão deverá também analisar se as recomendações internacionais para o combate à corrupção estão ou não a ser aplicadas em Portugal e se há uma verdadeira transparência nos órgãos públicos no que respeita à publicação online das suas atividades.
Isto é tudo muito bonito - mas vai ser aprovado?
Nem tudo. Esta sexta-feira, quando os projetos de lei forem discutidos e votados no plenário do Parlamento, só o projeto de resolução do PS para a constituição de uma comissão eventual para o reforço da transparência no exercício de funções públicas deverá ser aprovado. As restantes propostas descerão à comissão sem serem já votadas na generalidade, o que faz com que sejam empurradas para discussão posterior.
Será nessa comissão própria que os deputados vão, ouvindo várias entidades e pessoas especializadas, fazer o trabalho parlamentar no sentido de acolher as várias propostas no que toca às incompatibilidades dos deputados e ex-governantes, enriquecimento injustificado e prática de lóbi.
Segundo as regras da Assembleia, essa comissão deverá funcionar num prazo de seis meses, pelo que só nessa altura haverá conclusões. Para já, é certo que o PS não acolhe, por exemplo, a proposta do BE (que também é apoiada pelo PCP) de instaurar o regime da exclusividade. Enquanto na bancada bloquista e comunista todos os deputados estão em regime de exclusividade, o mesmo não acontece na bancada socialista.
Ao Observador, o líder parlamentar do BE, Pedro Filipe Soares, manifestou a vontade de o dossiê ficar fechado na comissão até ao final da sessão legislativa, ou seja, até ao verão. Uma vez que na legislatura passada o tema do enriquecimento ilícito já foi exaustivamente debatido, a crença é de que o debate possa ser retomado no ponto onde parou, aproveitando os contributos já dados na altura.
“A vontade do Bloco de Esquerda é chegar ao fim da sessão legislativa com uma lei que defenda a transparência”, disse.