Uma longa publicação partilhada dezenas de vezes no Facebook afirma que “as vacinas não passaram pelos protocolos de teste adequados e não são seguras”. Esse é o sétimo ponto de um texto com um total de 27 argumentos contra a vacinação contra a Covid-19. Mas, tal como muitas das afirmações desse texto, é falso.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde, a testagem das vacinas passa por dois passos. Primeiro, aplicam-se em animais, para aferir se são seguras e se demonstram potencial para evitar uma doença. Se os resultados forem satisfatórios e as vacinas se provarem seguras, avança-se para o segundo passo: os ensaios em humanos.
Por norma, os ensaios clínicos em humanos obedecem a três fases. Na primeira, a vacina é administrada a um pequeno número de voluntários para confirmar a sua segurança, perceber se gera uma resposta imune e para calcular a dose correta para desencadear a produção de anticorpos.
Na segunda fase, o número de participantes nos ensaios clínicos escalam para a ordem das centenas, todas com as mesmas características — as da população que, se a vacina chegar ao mercado, vai recebê-la. Metade do grupo recebe a vacina, outra metade um placebo. A ideia é retirar as primeiras conclusões sobre a vantagem da vacinação.
Nesta altura, os investigadores procuram também monitorizar os efeitos secundários que a vacina pode provocar e aprofundar os conhecimentos sobre como é que ela provoca uma resposta imune. Além disso, começam-se a recolher dados sobre a capacidade que a vacina tem de evitar o surgimento de uma doença.
Na terceira fase, a vacina é administrada a milhares de pessoas e, tal como na fase anterior, uma parte recebe de facto o fármaco enquanto outra parte recebe um placebo. É nesta altura que os dados são comparados para concluir se a vacina é segura e eficaz contra a doença contra a qual foi desenvolvida.
Todos estes passos foram cumpridos durante os ensaios clínicos às vacinas contra a Covid-19, mas com uma diferença: nos testes em humanos, a primeira e segunda fases ocorreram simultaneamente para acelerar o processo de desenvolvimento de uma solução contra o coronavírus. E a terceira fase arrancou assim que os resultados preliminares das duas fases anteriores demonstraram que havia segurança para avançar.
Maria do Carmo Fonseca, presidente do Instituto de Medicina Molecular, já tinha explicado ao Observador que, durante os ensaios clínicos às vacinas contra a Covid-19, apesar de se ter compactado em poucos meses o que normalmente é feito em mais tempo, “não se saltaram passos”.
“As vacinas não são menos seguras, não foram menos testadas por tudo ter sido feito mais rapidamente”, explicou a especialista. Elas foram desenvolvidas, testadas e entraram num processo de aprovação num período de tempo mais acelerado do que é costume, mas só porque “houve uma concentração de esforços, as empresas e as instituições deram toda a prioridade ao desenvolvimento da vacina”, relatou Maria do Carmo Fonseca.
Fact Check. Maior parte da população já está imune ao SARS-CoV-2?
Mesmo depois dos ensaios clínicos, as vacinas só entram no mercado quando as entidades reguladoras — a Food and Drug Administration (FDA) nos Estados Unidos, a Agência Europeia do Medicamento (EMA) na União Europeia e as instituições nacionais — confirmam que as vacinas são seguras e eficazes contra a doença.
Foi precisamente isso que aconteceu com todas as vacinas que já foram aprovadas pela Agência Europeia do Medicamento e autorizadas em Portugal. No comunicado acerca da primeira vacina recomendada pela agência, a da Pfizer/BioNTech, os peritos concluíram que havia “dados suficientemente robustos sobre a qualidade, segurança e eficácia da vacina”, disponibilizando-a a maiores de 16 anos com recurso a uma autorização para uso em emergência. O mesmo aconteceu com a vacina da Moderna e da AstraZeneca.
Maria do Carmo Fonseca explica que esta autorização permite aprovar um medicamento num período temporal mais célere para travar uma doença grave ou que afete um número muito elevado de pessoas — tal como a Covid-19. Ao longo deste processo, no entanto, tem de ser comprovada a segurança e eficácia desse fármaco, algo que ocorre com qualquer medicamento que entre no mercado.
A própria Agência Europeia do Medicamento esclarece, na página oficial, que um medicamento só pode ser aprovado pelas autoridades de saúde europeias se “os benefícios de uma vacina na proteção das pessoas contra as doenças forem muito maiores do que qualquer risco potencial”. Só depois de uma equipa de peritos se certificar de que é esse o caso é que o medicamento entra no mercado.
Conclusão
Não é verdade que as vacinas contra a Covid-19 aprovadas até agora pelas entidades reguladoras não tenham passado pelos protocolos de teste adequados. Os ensaios clínicos foram ajustados de modo a acelerar o processo de desenvolvimento das vacinas, quando grande parte da comunidade científica se concentrou nesta missão, mas isso não condenou a análise à sua segurança. Isso veio a ser confirmado quando os peritos das agências reguladoras analisaram os dados das farmacêuticas e comprovaram a segurança e eficácia das vacinas.
Assim, segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:
ERRADO
No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:
FALSO: As principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.
Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.