As redes sociais não são só um palco para espalhar ódio. Há, muitas vezes, espaço para celebrações, principalmente se forem nacionais. No dia 5 de maio, um utilizador dava conta da seguinte notícia: “Maior ponte suspensa do mundo fica em Portugal.” Esta é uma clara referência à ponte 516 Arouca, localizada naquela região, ainda que não venha acompanhada de qualquer notícia que sustente o que é defendido.

Na publicação garante-se ainda que a estrutura tem 516 metros de comprimento e uma elevação de 175 metros, fazendo a ligação “entre as margens do Rio Paiva”. Encontra-se, por isso, “próxima dos famosos Passadiços  do Paiva”. Para se perceber o que está em causa neste caso, é importante recuar um pouco nesta história.  A auto-denominada “maior ponte pedonal suspensa do mundo” — designação do site oficial daquela infraestrutura — foi inaugurada no passado dia 3 de maio.

Mas, no  dia da inauguração da ponte, surgiram notícias e comentários negativos que levantavam dúvidas. Afinal, havia outra… no Nepal, mais comprida que a portuguesa. Em resposta, a Câmara Municipal (CM) de Arouca emitiu um comunicado para esclarecer que, de facto, essa hipótese existe, mas a argumentar que a ponte do Nepal é muito diferente da portuguesa, que continua a ser maior. Quer isto dizer que a autarquia recuou nas palavras? Sim, por isso, a afirmação está praticamente certa.

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Vamos à história em si. Abrindo o site oficial, é possível ler o seguinte: “Com 516 metros de comprimento e uma elevação de 175 metros faz a ligação entre as margens do Rio Paiva”.  Atravessando a infraestrutura, é possível ver a Garganta do Paiva e a Cascata das Aguieiras, que fazem parte do Arouca Geopark, território UNESCO. Esta ponte, localizada em Arouca, está junto aos Passadiços do Paiva. Portanto, o que é descrito na publicação original bate certo com as informações oficiais.-

Ora, ainda que esta informação conste do site, não é possível perceber de onde é que foi obtida, ainda que tenha sido anunciada daquela forma. Por outro lado, após uma consulta por notícias sobre a inauguração da ponte, percebe-se que o momento foi registado quer a nível nacional quer a nível internacional, tendo recebido a visita de vários jornalistas.

BBC, The Guardian, CNNagência Reuters são só alguns dos órgãos de comunicação social que fizeram notícias sobre a ponte pedonal suspensa, no final do mês de abril. Todas referem o alegado facto de esta infraestrutura “ser a maior do mundo”, chegando mesmo a citar a presidente da Câmara Municipal de Arouca, Margarida Belém, e dando outras informações: a obra custou perto de 2,3 milhões de euros e levou dois anos até estar totalmente construída. E sobre como foi possível chegar a essa designação? Nem uma palavra.

O jornal britânico refere também que a 516 Arouca ultrapassou a ponte Charles Kuonen em Randa, nos Alpes Suíços, que tem 494 metros. Ganhou assim este título (não oficial), ainda que nem nestas notícias nem no site oficial da ponte seja possível perceber, de forma concreta, se esta informação está 100% correta.

Já o jornal Público, que também se debruçou sobre a polémica, afirma que, segundo o Guiness World Record, a mais longa ponte suspensa do mundo está no Japão e chama-se Kokonoe Yume, tendo sido inaugurada em 2006 com 390 metros, segundo dados oficiais daquele instituto. Mesmo que a ponte Charles Kuoen seja maior, não detém oficialmente esse título, que é dado pelo organismo que habitualmente certifica os recordes mundiais.

Foi a partir dessa dúvida que começaram a surgir outras notícias — e alguns comentários negativos na página de Facebook da 516 Arouca — onde se alegava que o tal recorde poderia estar errado. Isto porque existirá, supostamente, outra ponte suspensa mais comprida no Nepal, com 567 metros.

Por outro lado, segundo apurou o Observador, foi uma notícia da SIC Mulher — um texto de apenas três parágrafos, de dia 3 de maio, que fala sobre outra ponte pedonal suspensa, que não a portuguesa, essa sim a maior do mundo — que levou a CM de Arouca a reagir, “por não ter nada a esconder”.

Essas críticas, ainda que residuais, levaram a autarquia a publicar um comunicado para “esclarecer a polémica”, citado pelo portal Sapo.  Esta obra começou por ser pensada em 2016, tendo iniciado a sua construção dois anos depois. Com capacidade para albergar duas mil pessoas em simultâneo, a estrutura estaria a ser erguida numa altura em que a ponte Charles Kuonen detinha o tal recorde. A inauguração em Arouca estava prevista para o ano passado, mas devido à pandemia de Covid-19 isso não foi possível.

Mas o problema está na ponte do Nepal, situada supostamente em Baglung. “Entretanto, sem que tenha sido publicitada e ainda hoje exista muito pouco literatura sobre esse facto, foi inaugurada, em julho de 2020, uma estrutura no Nepal, mais comprida do que a de Arouca, mas totalmente diferente no que respeita à sua dimensão e todas as outras características”, refere a autarquia.

Portanto, no continente asiático existe sim uma ponte mais comprida, mas diferente, que não tem, segundo aquela autarquia, as mesmas características e funções do que a ponte portuguesa. Serve então para “travessia rural”, tendo sido “dimensionada para cargas muito reduzidas e sobre a qual existe pouco evidência científica e mediática”.

E é aqui que também reside outro problema: se existe pouca evidência científica, porque é que a autarquia de Arouca se viu na obrigação de fazer um esclarecimento público, mesmo argumentando que “a polémica levantada nas últimas horas é totalmente estéril e em nada belisca a grandiosidade da obra que Arouca tem para mostrar ao mundo”? E ainda há outro dado curioso: nesse mesmo esclarecimento, a autarquia já não refere o tal recorde, ainda que esteja plasmado no site oficial.

Para obter mais esclarecimentos, o Observador contactou a autarquia do distrito de Aveiro que respondeu, através da agência de comunicação MS Impacto. “Em momento algum no comunicado se admite que existe uma ponte maior do que a de Arouca. Admite-se que existe informação, pouca para o que seria uma estrutura desta dimensão, a dizer que a travessia do Nepal será a mais comprida”, começa por referir Paulo Maia, representante da agência. Ou seja, existe a hipótese dessa ponte ser mais comprida mas não a maior — essa é a de Arouca. Existe, por isso, um recuo daquele organismo no que tinha sido inicialmente transmitido quer pela comunicação social quer pela própria autarquia.

Será, por isso, uma mera questão de português? Não só, mas também. Para isso, é necessário perceber qual a diferença entre estas duas denominações, segundo a definição de quem executou o projeto da ponte portuguesa. Mas, para que não restem dúvidas: “Juntando os quatro fatores evocados no comunicado (comprimento, altitude, envergadura urbanística e de engenharia e capacidade de lotação), a ponte pedonal suspensa de Arouca é mesmo a maior do mundo”, refere a autarquia.

Todas estas informações foram obtidas graças à investigação, análise, conceção e dimensionamento dos projecionistas responsáveis pelo projeto da ponte, que pertencem ao Itecons — Instituto de Investigação e Desenvolvimento Tecnológico para a Construção, Energia, Ambiente e Sustentabilidade. As pontes são então diferentes em praticamente tudo, incluindo nos materiais usados, nos trabalhos de engenharia e nas finalidades a que se propõem. E até no comprimento: nesse campo, ganha a do Nepal. Mas fica a dúvida: como é possível ter a certeza absoluta sobre essa diferença se os dados concretos sobre a ponte asiática nem são supostamente fidedignos?

A Covid-19 veio então atrapalhar os planos daquela autarquia. Paulo Maia destaca que, tal como descrito pelo comunicado, se a 516 “fosse inaugurada na data prevista, ou seja, no verão passado, até mesmo em comprimento era a maior do mundo”. Mas não foi.

Ficou também garantido ao Observador que a nomenclatura e a designação das informações oficiais não vão ser alteradas. E que a autarquia já efetuou o contacto para o Guiness World Record, estando, neste momento, “a tratar dos trâmites necessários para a candidatura”. Ou seja, para todos os efeitos, segundo aquele instituto, é a ponte japonesa que continua a deter o título mundial de maior ponte pedonal suspensa do mundo.

Quanto à ponte nepalesa, tal como defendido pela CM de Arouca, há, de facto, pouca informação relevante e credível. Em alguns sites daquele país é igualmente referido que aquela infraestrutura é “a maior do mundo”. Fica-se também a saber que a ponte nepalesa está supostamente situada a longo do rio Kaligandaki na província de Baglung of Gandaki, tendo 567 metros.

Em agosto de 2020, o site Khabarhub afirmava que o município onde estava instalada aquela estrutura aguardava o registo oficial do Guiness Book of World Records para destronar o título que pertencia ao vizinho Japão — segundo o site daquela instituição, a designação ainda não mudou de país. Também se refere que, segundo a CNN, seria a ponte Charles Kuonen a ter o recorde. Noutro site, Nepali Sansar, surge a informação de que a ponte ainda não tinha sido oficialmente inaugurada, ainda que os pedestres já tinham começado a utilizá-la.

Conclusão

A ponte 516 Arouca foi inaugurada no passado dia 3 de maio sob a designação de “maior ponte pedonal suspensa do mundo”. Vários órgãos de comunicação social, portugueses e estrangeiros, destacaram esse suposto recorde. Quando surgiu uma notícia – bem como alguns, ainda que escassos, comentários negativos — a questionar a possibilidade de existir outra ponte maior, a  autarquia de Arouca resolveu reagir.

Afinal, e ainda que a informação seja pouco criteriosa, existe uma ponte pedonal suspensa mais comprida no Nepal. Mas, no entanto, segundo aquela câmara municipal, as duas são “completamente diferentes”, mantendo a designação original da infraestrutura da região de Aveio que é, por isso, “a maior do mundo”. Essas informações foram asseguradas pelo gabinete responsável pela conceção, análise e dimensionamento daquele projecto, o Itecons.  Quanto a essa referência acabaria por cair nesses esclarecimentos mas não no site oficial da estrutura portuguesa.

A verdade é que, segundo o Guiness World Record, e tal como referido pelo jornal Público, esse título ainda pertence à ponte Kokonoe Yume, com 390 metros, inaugurada em 2006. Ainda assim, e segundo as informações divulgadas, a ponte 516 é maior do que detinha actualmente um tamanho maior: a Charles Kuoen, próxima dos Alpes Suíços, com 494 metros. A autarquia referiu também ao Observador que já está a tratar da candidatura ao Guiness World Record. Portanto, para todos os efeitos, a ponte portuguesa ainda não detém o título oficial segundo aquela instituição.

Assim, segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:

PRATICAMENTE CERTO

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