É muito provável que o filantropo e fundador da Microsoft Bill Gates seja dos mais visados durante a pandemia. Ora está envolvido num plano para diminuir a população mundial, ou quer implementar microchips de forma massiva a toda a população. Desta vez, surgiu uma publicação de Facebook no passado dia 8 de agosto, que teve eco um pouco por todo o mundo através das mais variadas versões e em anos diferentes, que fala numa alegada campanha de vacinação contra o tétano que decorreu no Quénia em 2014 e que acabou por esterilizar várias mulheres naquele país. Trata-se, no entanto, de uma publicação falsa e já desmentida anteriormente.
Esta publicação pode ser encontrada em vários países. Aliás, as supostas pretensões maquiavélicas de Bill Gates chegaram mesmo ao parlamento italiano o ano passado, já que Sara Cunial quis acusar o norte-americano de ser um “criminoso de vacinas”, tal como descrito pela AFP, que verificou estas acusações, considerando-as como falsas. Mas retomemos ao vídeo em causa.
A tal campanha de vacinação no Quénia estava alegadamente a administrar uma vacina que faria com as mulheres ficassem estéreis. Além da Fundação Bill Gates, que terá apoiado a iniciativa segundo o autor, também a Organização Mundial de Saúde e a UNICEF estiveram envolvidas. O problema é que a suposta médica brasileira que denuncia a situação — Denise de Carvalho — nem sequer refere a fonte oficial em que se baseou para dar aquelas informações.
Depois, olhando para o que o fact-checker norte-americano Snopes escreveu, primeiro em 2014, e depois em 2018, é possível verificar que nessa altura um grupo de bispos quenianos tinha alertado precisamente para essa intenção maldosa da campanha de vacinação contra o tétano, já que os homens tinham sido excluídos, por exemplo. Grupos de bispos bem como de elementos anti-aborto revoltaram-se igualmente contra esta campanha. Ora, o Snopes revela algo simples: todas as alegações contra a vacinação, nomeadamente que o Quénia estava a servir de laboratório para uma vacina contraceptiva, demonstraram-se falsas e pouco estruturadas e já tinham circulado em anos anteriores em países como o México ou a Tanzânia.
Depois, uma das justificações para esta campanha é que nessa altura, segundo a UNICEF, teriam morrido cerca de 500 crianças vítimas das complicações originadas pelo tétano. Aliás, a maior parte das mortes (especialmente nas mães e nos bebés) viviam em África ou na Ásia. Ou seja, era preciso combater essa fatalidade através da vacinação. A taxa de mortalidade era, por isso, muito alta, especialmente se os cuidados de saúde não forem assegurados, o que ocorre em países mais pobres. James Elder, Chefe de Comunicações da UNICEF daquela região nessa altura, citado pelo Snopes, esclareceu isso mesmo, negando qualquer intenção de estar a experimentarem novas vacinas.
Quanto à alegação de que essa vacina continha uma substância (hCG), hormona necessária para que a mulher engravide) que causava infertilidade, a UNICEF assegurou que no Quénia não existia nenhum laboratório capaz de a produzir, logo após os grupos críticos da campanha terem assegurado a testagem da vacina contra o tétano dentro do país.
Já o Africa Check, fact-checker africano, também verificou esta e outras publicações em anos anteriores. Aí lê-se que estas alegações já duram há 20 anos e foram desmentidas consistentemente pela OMS e por outras instituições envolvidas.
A verdade é que em 1994, investigadores na Índia tentaram desenvolver uma vacina contra a gravidez indesejada. Só que não há nenhuma ligação entre a imunização criada pela vacina do tétano e estes testes laboratoriais que decorreram em 1994, que nem sequer foram suportadas e patrocinadas pela OMS. Essa foi uma das conclusões descritas em 1995 por um grupo de médicos sobre a desinformação criada à volta dos programas de imunização.
Quanto à vacina administrada no Quénia, tal como descrito pelo Africa Check, já tinha sido utilizada na altura em 52 países, imunizando cerca de 130 milhões de mulheres. E não, a hormona hCG não está presente nestas vacinas, tal como assegurado pela OMS.
Conclusão
Não há provas concretas de que a Fundação Bill Gates tenha apoiado a esterilização de milhares de mulheres no Quénia. A alegação divulgada pelo vídeo viral circula na internet há muitos anos, sendo desmentida por vários fact-checkers internacionais, desde a AFP ao Africa Check. Já a Organização Mundial de Saúde também desmentiu estas alegações, assegurando que a campanha de vacinação contra o tétano que decorreu naquele país nada tem a ver com uma alegada pretensão de esterilizar essas mulheres, sendo que já tinha decorrido noutros países. A substância em causa (hCG, fundamental para as mulheres engravidarem) não estava presente nas vacinas em questão, tal como desmentido pelas autoridades de saúde internacionais.
Segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:
No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:
FALSO: As principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.
Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.