A publicação é longa e explica detalhadamente a origem dos cravos do 25 de Abril, contestando a versão que existe sobre a distribuição casual daquelas flores na manhã em que os militares que desencadearam a Revolução em Portugal subiam até ao Largo do Carmo. A versão aqui contada, atribuída a Carlos S Silva (a assinatura que aparece no final da publicação), atribui aquele que se tornou um símbolo da Revolução a uma intenção da NATO.

Na publicação consta que, “no dia 22 de Abril de 1974, entra no Tejo uma esquadra da NATO/OTAN, incluindo um porta-aviões e dois navios de guerra electrónica, o USS Warrior e o Iate Apollo. Na noite desse dia, descarregam cerca de trinta contentores no porto de Lisboa, cheios de cravos vermelhos da América do Sul.” Não há registo de uma entrada tão significativa, como a aqui contada, no porto de Lisboa nas vésperas da operação militar que estava a ser preparada por um conjunto de capitães que atuavam na clandestinidade. A história dessa preparação foi contada, na primeira pessoa, por vários dos seu protagonistas ao longo dos anos e registado o seu grau de sigilo. Tratou-se de uma operação secreta, desencadeada por uma senha e contra-senha que estavam combinadas de antemão para dar ao início ao plano.

Ao Expresso, em 2018, Silva Costa contou a importância desse sigilo numa altura em que nega que existisse uma perceção geral “de que o regime ia cair de maduro. Uma ova! Eles foram apanhados com as calças nas mãos. Nós ocupámos-lhes os quartéis às três da manhã. E foi com mecanismos de segurança (como esses códigos) que o conseguimos fazer. Até as canções, ‘E Depois do Adeus’, de Paulo de Carvalho, e ‘Grândola Vila Morena’, de Zeca Afonso, são coisas inéditas na história das revoluções.” Ainda assim, o próprio Salgueiro Maia chegou a contar que nessa altura havia, no poder político, o receio de uma revolta popular no 1º de Maio seguinte, com apoio militar. Mas a entrada, quatro dias antes da data para a operação, de tal esquadra da NATO no Tejo não teria sido discreta.

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Outra história que já foi contada foi a da distribuição dos cravos vermelhos no dia da Revolução, que é precisamente a que a publicação assinala com informações erradas. O autor do texto que é citado escreve que “na madrugada do dia 25/4, uma frota de camiões da NATO distribuiu esses cravos por várias unidades militares revoltosas, para que os soldados os colocassem nos canos das armas. Finalidade: indicar às forças «amigas» (da banca internacional) que estava tudo bem, e que o golpe era controlado por «eles»… Isto foi-me confirmado por várias fontes militares ligadas à NATO…”. Acontece que nenhum dos protagonistas desse dia deu conta deste momento. E até contam, com detalhe, a origem dos cravos naquele dia.

Em 1991, Salgueiro Maia contou numa entrevista que quando os militares aguardavam instruções lhes foram oferecidas vários produtos e bens pelas pessoas que estavam na Baixa de Lisboa nas primeiras horas da manhã, nomeadamente pelos ardinas e pelas vendedoras de flores que começavam a trabalhar.

O principal operacional de Abril conta que os ardinas lhes ofereceram gratuitamente os primeiros jornais que não tinham sido alvo de censura e as vendedoras ofereceram “as flores que existiam” na altura que “eram cravos brancos e vermelhos. Pegam nos molhos de cravos e começam a oferecer. Até apareceu um homem com um presunto e uma faca a oferecer presunto”, recordou sobre aquela manhã. “Foram as fotografias dos cravos vermelhos que foram mais valorizadas” pelos fotojornalistas por terem a cor mais associada à esquerda, argumentava Salgueiro Maia nessa entrevista para explicar porque foi esse o símbolo que ficou, dando nome à Revolução dos Cravos.

A história foi, no entanto, investigada por Ana Sousa Dias, para Público e, em 1994, foi dada a conhecer a identidade de Celeste Caeiro. Em abril de 74, Celeste trabalhava na rua Braancamp, em Lisboa, na limpeza do restaurante Franjinhas, que abrira a 25 de abril de 1973. No dia da Revolução, o restaurante completava, por isso, um ano e o gerente tinha decidido assinalar a ocasião oferecendo flores aos clientes. Naquele dia tinha nos armazéns uma grande quantidade de cravos vermelhos e brancos e, quando percebeu que estava uma revolução em curso e que não poderia abrir naquele dia, disse aos funcionários que chegavam pela manhã para trabalhar que os levassem consigo.

Foi o que fez Celeste Caeiro que, no regresso a casa, levou consigo um molho de cravos. A própria contou já várias vezes o que se seguiu: no Rossio, encontrou chaimites e vários militares a quem perguntou o que se passava. Um pediu-lhe um cigarro. Celeste não o tinha e decidiu dar-lhe uma das suas flores que o militar colocou no cano da sua G-3. O gesto foi repetido por outros, que também pediram flores, e replicado também pelas vendedoras de flores que estavam na rua cedo, como Celeste, para trabalhar naquela quinta-feira, o que acaba por explicar a parte da história descrita por Salgueiro Maia que viu as vendedoras distribuírem precisamente cravos destas duas cores.

Conclusão

Os relatos feitos sobre a manhã do 25 de abril de 1974 são vários e vindos de alguns dos seus principais protagonistas, a partir de memórias diretas. A distribuição dos cravos é um dos momentos relatados e nenhuma das pessoas que viveu esse dia na rua relata a existência de “uma frota de camiões da NATO” a distribuir cravos pelas “várias unidades revoltosas” portuguesas. Os testemunhos dão conta de uma distribuição generalizada de cravos vermelhos e brancos pelos militares que estavam na rua, feita por vendedoras de flores. E até está registada e contada na primeira pessoa a origem desse gesto, depois de um acaso que envolveu Celeste Martins Caeiro (que ficou na história como a “Celeste dos cravos”).

Segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

 FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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