Voltou a ser um dos temas centrais de um debate em que André Ventura era um dos protagonistas. No confronto com Vitorino Silva, o candidato às eleições presidenciais de 24 de janeiro apoiado pelo Chega manifestou-se contra os valores atribuídos aos beneficiários do Rendimento Social de Inserção (RSI). E, quando explicava o seu plano de combate contra aquilo que classifica como “subsídio-dependência” em Portugal, Ventura elaborava sobre um dos seus focos de ação. “O que não pode continuar é [um beneficiário] ir levantar cheques de 2000 euros à Segurança Social ou aos Correios e os outros na fila à espera para pagar.” Mas alguém que esteja abrangido pelo RSI pode receber um valor daquele montante? Mais do que isso: há algum ou alguns casos em Portugal de pessoas a quem tenha sido atribuído este apoio social e que aufiram, mensalmente, valores próximos daqueles que André Ventura refere?

Ao Observador, o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS) refere que, em novembro do ano passado (últimos dados disponíveis), 210.490 pessoas receberam o Rendimento Social de Inserção e que, até esse mês, 98.550 famílias aguardavam por uma conclusão do processo. O ministério esclarece, também, que “o valor médio processado de prestação de RSI por beneficiário é de 119,11 euros” e que, no caso do valor por família, “o valor médio é 262,26 euros” mensais. Portanto, num e noutro caso, muito distantes do montante sugerido por André Ventura.

Mas estes dados não excluem o cenário traçado pelo candidato às presidenciais. Porque a declaração de Ventura enquadra-se nestes termos: um cidadão, abrangido pelo Rendimento Social de Inserção, que vá “levantar cheques de 2000 euros” de forma regular. O Observador tentou perceber junto do MTSSS se existe algum caso no país mas, até ao fecho desta edição, não foi possível obter essa informação.

Importa sublinhar que o Rendimento Social de Inserção se constitui como um apoio a pessoas que se encontrem em situação de pobreza extrema. E as regras são claras para que alguém possa ser abrangido pelo RSI. Para que este apoio seja concedido pela Segurança Social, o beneficiário — caso viva sozinho — não pode apresentar rendimentos iguais ou superiores a 189,66 euros mensais.

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Para o cálculo desses rendimentos mensais são considerados o rendimento de trabalho dependente e/ou independente, os rendimentos de capitais, rendimentos prediais, as pensões, prestações sociais (todas exceto as prestações por encargos familiares, por deficiência e por dependência), o subsídio mensal recebido no exercício de atividades ocupacionais de interesse social relacionadas com programas na área do emprego e os subsídios de renda de casa ou outros apoios públicos à habitação, com caráter regular. São estes os critérios definidos pela Segurança Social.

No caso de o beneficiário partilhar habitação com um ou mais familiares, “a soma dos rendimentos mensais de todos os elementos do agregado familiar não pode ser igual ou superior ao valor máximo de RSI, calculado em função da composição do agregado familiar”, segundo dados do Instituto da Segurança Social.

Qual é, então, o valor máximo desse Rendimento Social de Inserção? Como a imagem baixo mostra, o titular do rendimento — a pessoa a quem o apoio social é atribuído — pode ver serem-lhe atribuídos até 189,66 euros mensais. A esse valor, e numa situação em que se esteja a falar de um agregado familiar, podem somar-se 132,76 euros mensais por cada membro do agregado que seja maior de idade. Se nessa família também existirem menores de idade, somam-se mais 94,83 euros por cada uma dessas crianças ou desses jovens.

Como é que se poderia chegar aos 2000 euros mensais de que falava André Ventura? De acordo com as simulações feitas pelo Observador com dados do Instituto da Segurança Social, seria necessário que um determinado agregado familiar fosse composto por algum dos casos ilustrativos (e não exaustivos) que apresentamos de seguida:

  • Um beneficiário, maior de idade (189,66 euros), e, pelo menos, outras 15 pessoas maiores de idade (1991,4 euros) = 2181,96 euros
  • O beneficiário (189,66 euros) e 20 menores (1896,6 euros) = 2086,26 euros
  • O beneficiário (189,66 euros), outro adulto (132,76) e, ainda, 19 crianças ou jovens com menos de 18 anos de idade (1801,77 euros) = 2124,19 euros
  • O beneficiário (189,66 euros), cinco adultos (663,8 euros) e outros 13 menores (1422,45 euros) = 2086,25 euros

Trata-se, em qualquer um destes casos, de agregados de características pouco comuns. Mas é, ainda assim, um cenário que o Instituto da Segurança Social não rejeita que possa existir.

Os valores calculados para cada beneficiário são atribuídos por um período de 12 meses, que pode ser renovado durante o período em que se mantenham as condições definidas para a atribuição do Rendimento Social de Inserção. É verdade que este apoio pode ser atribuído em acumulação com outros subsídios públicos. A lista de possíveis acumulações é relativamente extensa.

Pode acumular com a “pensão social de velhice, de viuvez, de orfandade, o complemento por dependência e solidário para idosos, bonificação por deficiência, subsídio por assistência à terceira pessoa, subsídio por frequência de estabelecimento de educação especial, abono de família para crianças e jovens, abono de família pré-natal, subsídios no âmbito de parentalidade e adoção, subsídio de doença, subsídio de desemprego, prestação social para a inclusão-componente base”, enumera o Ministério da Segurança Social.

Em função de cada um destes apoios e do valor calculado para cada beneficiário, atingir o patamar de 2000 euros exigiria um novo cálculo daquelas simulações e permitiria que os agregados familiares fossem de menor dimensão. Mas este é apenas um exercício teórico. A referência de André Ventura limitava-se ao Rendimento Social de Inserção.

Conclusão

Matematicamente, é possível traçar situações em que um beneficiário do RSI pudesse ter direito a um apoio de cerca de 2000 euros mensais. Mas isso pressupõe um cenário em que um agregado familiar — todo ele a viver na mesma habitação — contasse com cerca de 20 elementos, entre menores de idade e adultos.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

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