A vacinação contra a Covid-19 tem feito correr muita tinta nas redes sociais e no início de junho começaram a circular publicações no Facebook alertando para os alegados riscos nas transfusões de sangue recebidas a partir de dadores que tenham recebido vacinas de mRNA contra a Covid-19. “Um estudo pré-impresso japonês alertou sobre os riscos da transfusão de sangue de recetores da vacina Covid para outros pacientes, indicando que isso pode causar riscos significativos à saúde, incluindo a morte”, lê-se num dos posts. Terá esta informação alguma base factual?

A publicação recorre a um artigo, de origem não identificada, em que surge citado o conhecido osteopata norte-americano Joseph Mercola, um conhecido propagandista contra as vacinas anti-Covid, que as considera “uma fraude” e que, acrescenta, “alteram a codificação genética” das pessoas. No final de 2022, já tinha publicado centenas de textos no Facebook (replicados depois em massa não só nessa rede social como noutras) com desinformação sobre as vacinas, nota o New York Times.

Ora, o mesmo Mercola vem agora alertar que as vacinas de mRNA contra a Covid-19 podem resultar no desenvolvimento de doenças priónicas (de que são exemplo a Doença de Creutzfeldt-Jakob ou a Síndrome de Gerstmann-Sträussler-Scheinker) — doenças que, de facto, se caracterizam por serem graves, degenerativas e potencialmente fatais. Segundo Mercola, estas doenças podem ser transmitidas através do sangue, o que, realça, levanta “uma significativa preocupação em termos de segurança“. É aqui que surge a associação com as vacinas contra a Covid-19 e ao estudo feito no Japão — uma investigação, no mínimo, pouco sólida.

O estudo em causa alerta “os profissionais médicos para os vários riscos associados às transfusões de sangue usando hemoderivados de pessoas que sofreram de Covid longa e de recetores genéticos da vacina, incluindo aqueles que receberam vacinas de mRNA”. O problema é que o estudo não foi revisto por pares (ou seja, por outros cientistas), como se pode perceber pela plataforma onde está publicado (a preprints.org) e que decidiu divulgar o trabalho apenas um dia depois de o ter recebido.

Acresce um outro detalhe: um dos autores do estudo é Masanori Fukushima, um ex-professor conhecido pelas suas posição anti-vacinas contra a Covid-19.

Mas, afinal, existe algum risco associado às transfusões de sangue vindo de pessoas vacinas contra a Covid-19? A reposta é não. Ao Observador, o Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST) explica que “não há evidência de que as dádivas de sangue de dadores vacinados para a Covid-19 coloquem em risco o recetor da transfusão“.

A entidade, liderada por Maria António Escoval, sublinha que “ser vacinado não impede a dádiva de sangue uma vez que não há evidência, até à data, da transmissão do agente Covid-19 pela vacinação contra a COVID-19”. O IPST acrescenta que “a vacina desencadeia uma resposta de defesa no seu recetor, não causa infeção na pessoa vacinada ou na pessoa que recebe a transfusão da pessoa vacinada”.

Conclusão

É falso que existam riscos associados às transfusões de sangue vindo de pessoas às quais foi administrada uma vacina de mRNA contra a Covid-19, como confirmou ao Observador o Instituto Português do Sangue e da Transplantação. O estudo japonês que levanta essa possibilidade nem sequer foi revisto por pares e carece, por isso, de validação científica.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: As principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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