A receita é simples: colocar dois ou três pedaços finos de abacaxi/ananás e adicionar água quente. O resultado é uma “água alcalina” para beber todos os dias e assim, segundo promete a mensagem, matar germes, toxinas e cancros. “O abacaxi quente liberta substâncias anti-cancro, que são os últimos avanços no tratamento eficaz do cancro”, alega uma publicação do Facebook. Beber água quente com ananás não lhe vai fazer mal, mas é melhor deixar claro desde já que também não vai cumprir as promessas que são feitas.

A mensagem tem sido divulgada por utilizadores individuais no Facebook e no WhatsApp, por exemplo, mas também tem sido replicada por vários sites — e não exclusivamente em português. Além do abacaxi, a mesma mensagem tem sido usada para o coco e o limão: dois pedaços em água quente para curar o cancro.

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Os conselhos são sempre atribuídos à mesma pessoa: “o professor Chen Huiren, do Hospital Geral do Exército de Pequim”. De facto, existe um investigador chamado Hui-Ren Chen, com investigação em cancro feita no Hospital Geral do Exército de Libertação Popular, em Pequim (China), mas em nada relacionado com o ananás, como se pode ver na base de dados de artigos científicos PubMed.

“Comprovado para reparar todos os tipos de cancro”, promete a publicação no Facebook. Para começar, os vários tipos de cancro são tão diferentes entre si que não existe um tratamento que sirva para todos.

De facto, existe um ensaio clínico com humanos, mas para um subtipo muito específico de tumor: o tumor mucinoso avançado do peritoneu (uma membrana que cobre a parede abdominal e os órgãos), conta Nuno Tavares, oncologista no Centro Hospitalar Universitário de São João. Neste ensaio, no entanto, a bromelaína é usada em conjunto com outra molécula (acetilcisteína) tornando impossível distinguir qual a dimensão do efeito positivo de cada uma das moléculas.

Este é um dos vários artigos científicos que se podem encontrar no site PubMed e que pretendem avaliar a potencial utilização de extrato de abacaxi/ananás, em particular a molécula bromelaína, no tratamento do cancro. Mas dos resultados apresentados até se poder dizer que beber uma infusão de ananás ajuda a tratar o cancro — ou mesmo a aliviar dos efeitos secundários dos tratamentos anti-cancerígenos — vai uma distância muito grande. De referir também que no ensaio clínico a bromelaína foi injetada junto ao tumor e não ingerida como sumo ou infusão.

“Os resultados devem ser interpretados com muita precaução, uma vez que a esmagadora maioria dos estudos são em culturas celulares (no laboratório), não existindo ainda estudos robustos em seres humanos a comprovar a eficácia da bromelaína em contextos clínicos específicos”, alerta o oncologista Nuno Tavares.

Até termos estudos suficientes que permitam dizer com segurança que o extrato de abacaxi é útil no tratamento do cancro ainda podem passar vários anos, diz o médico. E antes de vir a ser usada, é preciso perceber se a bromelaína pode interagir com os componentes de outros medicamentos, sejam eles de tratamento do cancro ou de outras doenças, porque se isso acontecer têm de ser conhecidos os riscos para os doentes.

Conclusão

A bromelaína, extraída do ananás, tem-se mostrado capaz de atacar células cancerígenas, mas no laboratório. Os estudos com ratos são poucos e com humanos são ainda menos, o que não permite tirar conclusões sobre a eficácia no tratamento do cancro.

“Não existem ainda dados conclusivos da aplicabilidade e eficácia [de bromelaína] no tratamento do cancro em seres humanos”, conclui o médico Nuno Tavares. Muito menos que a ingestão de água quente com ananás tenha qualquer efeito. A promessa feita pela publicação é, portanto, falsa.

De acordo com o sistema de classificação do Observador este conteúdo é:

Errado

De acordo com o sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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