“Sabia que?” A publicação, inicialmente oriunda de uma conta de Instagram chamada @themasterfact, parece prometer isso mesmo: um facto. “O médico que descobriu que lavar as mãos evitava a disseminação de doenças foi despejado numa instituição de saúde mental devido à sua ideia louca“, diz a publicação, que coloca lado a lado uma fotografia do médico húngaro Ignaz Semmelweis (não identificado diretamente) e uma imagem de pessoas a lavarem as mãos. Mas será mesmo assim? Não exatamente.

Vamos por partes. Em primeiro lugar, a história de Ignaz Semmelweis. Este médico húngaro do século XIX é frequentemente rotulado como o “inventor da lavagem das mãos” ou o “pai da higiene das mãos“. Esse epíteto foi-lhe atribuído devido a um apelo feito por Semmelweis aos seus colegas médicos, em 1850, na Sociedade Médica de Viena. O húngaro procurava disseminar o método simples com que pretendia reduzir significativamente o número de mulheres que morriam depois de darem à luz: lavar as mãos.

Como explica a PBS, estima-se que, no século XIX, cinco em cada mil mulheres morriam no parto, quando este ocorria em casa ou era realizado por parteiras. Todavia, a percentagem subia para valores muitíssimo maiores quando os partos ocorriam nos hospitais e eram operados por médicos obstetras. O diagnóstico? Febre puerperal, uma infeção generalizada que matava dolorosamente a mulher em menos de 24 horas.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Ao contrário do que nos parece atualmente uma prática óbvia, a lavagem das mãos não era um hábito comum entre os médicos, que, além disso, examinavam os corpos humanos sem luvas e outro tipo de proteções. Por isso, os próprios médicos eram frequentemente transmissores de vírus, bactérias e outros agentes patogénicos. Era isso que acontecia no hospital universitário onde Semmelweis trabalhava. Todas as manhãs, os médicos e os alunos de medicina começavam o dia com a realização de autópsias (sem luvas) aos corpos das mulheres que haviam morrido no dia anterior com a infeção que matava dezenas de mães. Depois, seguiam para os blocos operatórios para realizar exames às mulheres que estavam a poucas horas de dar à luz.

Foi o médico Ignaz Semmelweis que ligou os pontos e propôs uma solução: talvez fossem as mãos dos médicos que transportavam algum “veneno” e determinou que os seus estudantes e os médicos que supervisionava deviam começar a lavar as mãos com uma solução desinfetante antes de realizar exames. Como resultado, a taxa de mortalidade entre mulheres grávidas naquele hospital caiu a pique.

Contudo, Ignaz Semmelweis não era uma figura unânime na cena médica austríaca, sobretudo devido à sua religião (era judeu), mas também devido à sua personalidade. Inicialmente, a proposta da lavagem de mãos foi considerada ultrajante por vários médicos de maior reputação, que recusavam aceitar que os médicos pudessem ser responsáveis pelas mortes. Semmelweis, que já tinha sido relegado à posição de obstetra justamente devido às suas origens (não podendo aceder a especialidades mais reputadas, como a cirurgia), deixou-se tomar pela fúria, foi ostracizado, acabou por perder o emprego no hospital de Viena e entrou numa espiral de problemas de saúde mental que o levaram a ser internado num asilo em 1865 — onde morreu em apenas duas semanas, com 47 anos de idade.

Ignaz Semmelweis propôs a lavagem das mãos ainda antes de figuras como Louis Pasteur, Joseph Lister ou Robert Koch terem desenvolvido os pressupostos que tornariam a desinfeção das mãos uma evidência já no século XX — e desde então Semmelweis tem sido unanimemente elogiado pela sua descoberta. Contudo, o médico húngaro teve um fim de vida miserável, e os historiadores não chegaram a uma conclusão definitiva sobre as suas causas.

As explicações dividem-se. Uma das teorias aponta para a possibilidade de Semmelweis ter contraído sífilis durante uma operação realizada segundo os procedimentos da altura, sem luvas, tendo ficado infetado devido a um corte no dedo. Poderá também ter padecido de uma infeção quando já estava internado no asilo, ou então ter desenvolvido a doença de Alzheimer. Outras teorias apontam ainda para a possibilidade de Semmelweis ter acabado por morrer na sequência de um espancamento pelos guardas do asilo. Porém, a tese segundo Semmelweis teria sido internado devido à ideia da lavagem das mãos não tem fundamento histórico e já foi refutada por vários especialistas.

“A causa da doença mental que levou Semmelweis a ser internado no asilo tem sido disputada. A melhor demonstração científica sugere que ele sofria de uma psicose aguda induzida por uma infeção aguda que contraiu através de um corte no dedo. Na altura, as mulheres eram examinadas internamente sem luvas e os obstetras estavam expostos a todo o tipo de infeções, incluindo sífilis”, disse ao Check Your Fact o médico húngaro Nicholas Kadar, autor do livro Ignaz Semmelweis and the Vienna School of Medicine.

Conclusão

Embora Ignaz Semmelweis tenha de facto conseguido reduzir a mortalidade por infeção pós-parto no seu hospital ao determinar a lavagem das mãos aos seus estudantes, e a sua vida tenha acabado de modo miserável num asilo para doentes mentais, não é possível estabelecer uma ligação entre os dois episódios. A história mostra que a rejeição de que foi alvo depois de fazer a sua proposta o levou a entrar numa espiral de doença mental, mas vários outros fatores poderão ter contribuído para o seu internamento. Além disso, não há qualquer sustentação histórica para a frase da publicação, que alega que o internamento foi uma retaliação pela sua ideia.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

IFCN Badge