Uma publicação de 11 de outubro diz, a propósito da “expulsão do juiz Rui Fonseca e Castro” da magistratura, que é “curioso que nenhum dos juízes condenados/processados por corrupção” tenha tido o mesmo destino que o polémico juiz português. “Começo a suspeitar que, para a magistratura atual, um juiz ser corrupto não é mau”, confessa. Trata-se, no entanto, de uma publicação enganadora.

Primeiro, em relação à publicação em si, é importante realçar que mais nenhuma informação relevante é dada. Ou seja, além do tom crítico, em jeito de comentário, o autor não partilha links de notícias credíveis ou outras fontes que corroborem o que defende. Depois, o juiz Rui Fonseca e Castro, que ficou conhecido por ir contra as regras sanitárias contra a Covid-19 em Portugal e ser um dos rostos mais conhecidos dos movimentos negacionistas (“Juristas Pela Verdade”), não foi expulso “por corrupção”, como alega o autor.

As razões foram outras, tal como se lê no comunicado do Conselho Superior de Magistratura. Houve três motivos a fundamentar a expulsão de Fonseca e Castro: as faltas injustificadas e não comunicadas que resultaram num “prejuízo para o serviço judicial”; a intenção de Fonseca e Castro de obrigar um procurador do Ministério Público a estar sem máscara durante uma sessão em tribunal sobre violência doméstica, contrariando o contexto pandémico da altura; a publicação de uma série de vídeos que “incentivava à violação da lei e das regras sanitárias” nas redes sociais.

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Depois, sim, de facto, nenhum juiz foi expulso da magistratura por ter sido condenado por corrupção. Mas porque isso é uma impossibilidade. Ou seja, um juiz só pode ser expulso do Conselho Superior de Magistratura (CSM) se violar os Estatutos dos Magistrados Judiciais, já que quaisquer processos criminais só podem ser imputados ao magistrado pelos tribunais. “Nunca nenhum juiz foi condenado em processo-crime por ter praticado um crime de corrupção. Houve, nos últimos anos, alguns juízes demitidos ou aposentados compulsivamente na sequência de condenações em processos-crime, condenados por crimes de outra natureza que não corrupção e por outros, sem que tenha ocorrido condenação criminal”, garantiu o CSM ao Observador.

Ainda assim, segundo dados do próprio CSM, que depois foram noticiados, o apelidado “juiz negacionista” foi o quarto a receber a mais grave sanção disciplinar prevista para juízes entre 2004 e 2020. Nesse período, o número total chegou aos 28, mas apenas três tinham recebido a sanção disciplinar mais grave.

Para que um magistrado receba a sanção mais grave prevista nos estatutos da classe, tem que ficar provado que o juiz apresentou uma “definitiva incapacidade de adaptação às exigências da função”, por exemplo, tal como se lê nas informações disponíveis no site daquela instituição e que já foi noticiado por outros órgãos de comunicação social em Portugal. Acresce a isso uma possível “inaptidão profissional” ou mesmo “falta de honestidade ou conduta imoral ou desonrosa”. E, claro, se o juiz em questão tiver sido condenado por um determinado crime “com flagrante ou abuso da função e grave violação dos deveres a ela inerentes”.

Mas há mais por esclarecer. Para isso, basta relembrar o caso do juiz Rui Rangel, arguido na Operação Lex, cuja expulsão da magistratura foi confirmada em 2020 e justificada com a violação dos deveres de integridade, retidão e probidade dos estatutos. A pena disciplinar de demissão do CSM foi inicialmente aplicada a 3 de dezembro de 2019 pelos factos relacionados com aquela investigação criminal, estando em causa, entre um total de 21 crimes, dois de corrupção alegadamente praticados por Rui Rangel.

Existe também outro caso, noticiado este ano e que esteve relacionado com a aposentação compulsiva da juíza Fátima Galante, igualmente acusada na Operação Lex, por suspeita de ser cúmplice do magistrado Rui Rangel, com quem está casada. Essa sanção disciplinar teve efeitos a partir de dezembro de 2019. A juíza Joana Salinas, ligada à Cruz Vermelha e condenada por peculato, é outro nome que salta à vista na lista dos juízes afastados nos últimos dez anos.

Em outubro deste ano, o Observador fez um longo artigo sobre expulsões no CSM. Tendo recolhido dados mais recentes, chegou à conclusão de que, devido a faltas injustificadas, atrasos nos processos ou nas suas decisões, ou mesmo pela prática de crimes, dos 363 processos disciplinares abertos, 6% resultaram na penalização mais severa — a expulsão dos magistrados. No caso do juiz Rui Fonseca, demitido da magistratura sem direito a qualquer compensação, o líder dos “Juristas Pela Liberdade” passou a ser o quarto caso no CSM a ter o desfecho mais pesado.

Sendo certo que o resultado final das inspeções do CSM pode ser a demissão, convém esclarecer que o processo ainda tem outras etapas. Primeiro, segundo o Estatuto dos Juízes, cada magistrado tem de passar por um processo de avaliação, que inclui inspeções ordinárias e extraordinárias feitas por juízes mais experientes. Depois, no que diz respeito às funções do CSM, se este órgão tiver contacto com uma violação de deveres profissionais de um juiz, pode abrir um inquérito para instaurar um processo disciplinar.

Conclusão

Dizer-se que nenhum juíz foi demitido do Conselho Superior de Magistratura está correto, mas porque isso é uma impossibilidade. A propósito do polémico caso da demissão do “juiz negacionista” Rui Fonseca e Castro do CSM, uma publicação garantiu que “nenhum magistrado” foi demitido daquela instituição por corrupção. Mas a verdade é que, segundo os dados do CSM, houve mais casos semelhantes ao de Rui Fonseca e Castro nos últimos anos.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ENGANADOR

PARCIALMENTE FALSO: as alegações dos conteúdos são uma mistura de factos precisos e imprecisos ou a principal alegação é enganadora ou está incompleta.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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