Maria Luís Albuquerque voltou a reclamar esta quarta-feira, numa entrevista ao Negócios da Semana, na SIC Notícias – para si e para o Governo de que fez parte – o sucesso de ter conseguido fazer um ajustamento do défice apostando, sobretudo, na redução da despesa pública. A ideia que faz parte do eixo de comunicação do PSD contraria a posição (do FMI e do Conselho das Finanças Públicas, por exemplo) de que foi o aumento de receitas o segredo para que o objetivo de redução do défice orçamental tivesse sido alcançado.
A tese
O memorando de entendimento que o Estado português assinou com a troika – Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional -, a 17 de maio de 2011, estabelecia que a redução do défice se faria através de um esforço maior na redução de despesas do Estado e menor no aumento da carga de impostos cobrados.
A divisão fazia-se nos seguintes termos: dois terços desse ajustamento teriam de basear-se em cortes na despesa pública e um terço no aumento da carga fiscal.
A tarefa não era simples, e foi isso mesmo que, em outubro de 2012, o então ministro das Finanças, Vítor Gaspar, assumiu. O “enorme desvio” entre o que os portugueses esperavam do Estado e aquilo que o Estado tinha capacidade de garantir aos contribuintes colocava os governantes perante um desafio: ou se baixavam as expectativas ou se mantinham as funções do Estado e se aumentava o peso dos impostos para financiar esses serviços. Havia um “desequilíbrio” e um dilema sobre como ultrapassá-lo.
Passados dois anos, a discussão continua a fazer-se em torno das mesmas dúvidas e dos mesmos argumentos. Afinal, o governo de Pedro Passos Coelho assentou a sua estratégia mais no aumento da receita proveniente de impostos ou no corte da despesa?
Os factos
Em Portugal e no estrangeiro, as instituições de referência têm alinhado pelo mesmo argumento: Portugal fez o ajustamento recorrendo mais à máquina fiscal do que à racionalização dos gastos.
Num relatório de abril do ano passado — “Análise da Conta da Administrações Públicas 2014” –, o Conselho das Finanças Públicas (CFP) escreveu que “a consolidação orçamental efetuada entre 2010 e 2014 contribuiu mais para o aumento do rácio da receita no PIB do que para a redução do rácio da despesa primária”.
Neste intervalo temporal (a maior parte do qual respeitante à vigência do memorando), o nível de contribuição das receitas para o PIB português subiu 3,9 pontos percentuais – o equivalente a 3.962 milhões de euros. Ao mesmo tempo, a despesa primária do PIB recuou 3,1 pontos percentuais, correspondendo a uma quebra, em termos absolutos, de 8.487 milhões de euros.
Assunto arrumado? Nem de perto.
Vejamos o que diz Luís Aguiar-Conraria. O economista escreveu, num artigo de opinião publicado no Observador, que “o ajustamento orçamental feito nos anos da troika foi de dois terços do lado da despesa e apenas um terço por via da receita”. Em termos absolutos, “entre 2010 e 2014, a despesa pública primária (ou seja, sem contar com os juros) caiu um pouco mais de 8 mil milhões de euros”, ao passo que “a receita aumentou ligeiramente acima de 4 mil milhões”.
Com esta leitura dos números, facilmente se depreenderá a conclusão de que o ajustamento orçamental durante o escrutínio da troika registou, como previa o orçamento, um peso maior do lado da redução da despesa do que do lado do aumento dos impostos (dois terços para um lado, um terço para o outro).
Em que ficamos, então?
Na verdade, este parece ser um dos casos em que, como diz Maria Luís Albuquerque, “os números são claros”. O que varia é a forma como se olha para eles e que dados são chamados à equação.
Aliás, o debate nem sequer se esgota nestas duas soluções. Se não se olharem às variações estruturais (ao contrário do que faz o FMI e o Conselho das Finanças Públicas) e se incluir os juros na ponderação da receita e da despesa no cálculo do ajustamento do défice, o equilíbrio far-se-á num meio termo: 50% pelo lado da despesa, 50% pelo lado da receita.
Mas também se pode ensaiar um cálculo com base em percentagens do PIB. Neste caso, o peso das receitas suplanta o contributo da redução da despesa (porque o PIB caiu durante os anos de ajustamento e isso tem maior impacto sobre a cobrança de impostos que sobre o corte na despesa).
A conclusão
Inconclusivo. Maria Luís Albuquerque tem razão? Luís Aguiar-Conraria apresenta um argumento que pode resumir o debate a uma ideia simples: “É muito fácil pegar nos números, sendo sempre totalmente honesto, e chegar a cinco ou seis resultados diferentes, sendo todos eles válidos”. Tudo depende do aproveitamento político que pretende fazer quem participa no debate. No fundo, os números não são assim tão claros – nem lineares”.