Até há bem pouco tempo corria o rumor de que a vacina contra a Covid-19 servia para implantar microchips nas pessoas. Verificado que essa ideia errada se prende a teorias da conspiração, há quem venha defender que, por outro lado, a ideia de que algumas organizações pretendem implementar a identificação biométrica nas sociedades. Segundo uma publicação de Facebook, a Organização das Nações Unidas, por exemplo, é uma delas. Trata-se, no entanto, de uma publicação enganadora.
O plano é simples, segundo um dos posts que divulga esta teoria: até 2030, “cada pessoa vai ter uma identificação biométrica, que será validada em todo o mundo”. Toda essa informação estará armazenada “num banco universal de dados em Genebra”. Para reforçar a tese propagada na publicação, o autor cita sites pouco rigorosos e atribui citações que não são passíveis de ser encontradas nos motores de busca. Outros limitam-se a partilhar uma suposta notícia, que explicaremos mais à frente.
Este suposto novo programa é mais um contributo para uma “Nova Ordem Mundial” (NOM), outra teoria da conspiração, em que uma poderosa elite quer dominar o mundo. Essa teoria já foi posta a circular até em tempos de pandemia, onde há quem acredite que o novo coronavírus não passa de um falso vírus para transformar a sociedade, destruir a economia e criar a tal NOM, tal como explicaram diferentes fact-checks como a Reuters.
Além disso, o autor partilha uma suposta notícia onde se diz o seguinte: “ONU estabelece o uso de um microchip para identificar toda a humanidade.” A alegada notícia não é recente — está a circular pelo menos desde 2018 na internet. Não é possível perceber a que jornal pertence mas é percetível que o texto é praticamente o mesmo que acompanha a publicação original. E, apesar de algumas informações estarem relacionadas com elementos que, de facto, estão em prática, o autor decide manipulá-las para transmitir uma notícia falsa.
Comecemos por olhar se a ONU decidiu mesmo começar a implementar a identificação biométrica. Olhando para diferentes fact-checkers internacionais, de Espanha ao Brasil, a resposta é clara: em 2015, esta instituição lançou um projeto de cariz social, através do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), com o objetivo de dar a possibilidade a pessoas deslocalizadas de suas casas uma identificação oficial — no fundo, um documento que lhes permita ter acesso a determinados serviços básicos, como a saúde e a educação.
A informação seria recolhida através do reconhecimento facial, impressões digitais e scans à íris ocular de cada refugiado, sendo depois armazenada numa base de dados da ACNUR, como explica a AFP, que citou o documento oficial sobre este projeto.
E, sim, segundo um relatório do Banco Mundial, em colaboração com a empresa de tecnologia Accenture, que foi divulgado na mesma altura, a pretensão era que se resolvesse o problema de milhões de pessoas — mais precisamente, 1.8 mil milhões — que não tinham identificação como um Cartão de Cidadão, necessário para se ser cidadão português, por exemplo. Mas em nenhum momento se refere que deva ser instalado um chip no corpo de um ser humano.
Por outro lado, um dos objetivos definidos pela ONU até 2030, além de erradicar a pobreza, a fome ou atingir a igualdade educativa, era o de proporcionar uma identidade jurídica — bem como um registo de nascimento — para todos. Essa proposta vem referida no artigo 16.9 da resolução aprovada da Assembleia Geral daquela instituição, assinada a 25 de setembro 2015. Não é, porém, referido qualquer utilização de um microchip em humanos.
Conclusão
Não é verdade que a ONU queira implementar chips em toda a humanidade. Em 2015, foi iniciado um projeto de identificação biométrica para os refugiados, através do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, que permitia identificar as pessoas, dando-lhe acesso a determinados serviços essenciais. Essa tecnologia não é invasiva, ou seja, não exige que se instale qualquer aparelho na pele de uma pessoa, como um microchip.
Por outro lado, um dos objetivos da ONU até 2030 é, precisamente, proporcionar uma identidade jurídica às pessoas, bem como erradicar a pobreza e combater a fome no mundo. Em nenhum momento, quer nas informações oficiais, quer nas notícias divulgadas em meios de comunicação social, é referido que exista a pretensão de instalar um microchip em seres humanos.
Também é importante referir que o autor da publicação original, que contém pouco ou nenhum dado rigoroso bem como citações credíveis, ainda que faça referência à identificação biométrica, fala da Nova Ordem Mundial, uma teoria da conspiração que defende que existe uma elite que quer dominar o mundo.
Assim, segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:
ENGANADOR
No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:
PARCIALMENTE FALSO: as alegações dos conteúdos são uma mistura de factos precisos e imprecisos ou a principal alegação é enganadora ou está incompleta.
Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.