Uma publicação que circula na rede social Facebook, e que data do dia 11 de agosto, sugere que os médicos do Serviço Nacional de Saúde trabalham, a cada mês, mais 150 horas para além do horário normal. “Num país onde se quer implantar a semana de quatro dias, qual é a lógica de que os médicos façam mais de 150 horas extra por mês?”, pode ler-se na publicação. Mas será mesmo assim?

Na Função Pública, os limites do trabalho suplementar para todos os trabalhadores estão definidos pela Lei 35, de 2014. Assim, de acordo com a referida lei, os trabalhadores com vínculo de emprego público podem fazer até 150 horas de trabalho suplementar por ano; não mais de duas horas extra por dia normal de trabalho; um número de horas extras igual ao período normal de trabalho diário, nos dias de descanso semanal, obrigatório ou complementar, e nos feriados; um número de horas extras igual a meio período normal de trabalho diário em meio dia de descanso complementar.

No entanto, a legislação abre caminho para que estes limites sejam excedidos, ao referir, que “os limites fixados no número anterior podem ser ultrapassados, desde que não impliquem uma remuneração por trabalho suplementar superior a 60 % da remuneração base do trabalhador”.

E a verdade é que muitos médicos acabam por fazer mais do que as 150 horas extra anuais estipuladas por lei. Há vários relatos de profissionais assoberbados pelo excesso de trabalho e que ultrapassam em muito o limite. Os cirurgiões são dos médicos mais afetados: no Hospital de Santa Maria, é frequente que estes especialistas atinjam as mil horas extra no final de cada ano, muito por causa dos bancos no serviço de urgência; no Hospital de Viana do Castelo, o cirurgião Paulo Passos faz 600 horas extra por ano, como o próprio contou ao Observador. Também os médicos de Medicina Interna, especialidade-base dos serviços de urgência, e de Anestesiologia, são chamados a fazer centenas de horas extra/por ano.

Segundo o último relatório social do Ministério da Saúde e do SNS, de 2018, os médicos fizeram, em média, 303 horas extra nesse ano — o dobro do limite. Considerando os 22 dias mensais de trabalho normal, em 2018, os médicos trabalharam, em média, mais 1,1 horas por dia. De 2019 para cá, estes relatórios deixaram de ser divulgados, pelo o que se desconhece a evolução deste indicador.

Assim, e de acordo com a lei, é possível que um médico com vínculo de emprego público (e não um prestador de serviços, ao qual a lei não se aplica) trabalhe 150 horas extra por mês, o que equivaleria a quase sete horas extras diárias? Não. Para além de representar um esforço significativo (uma vez que um clínico teria de trabalhar quase 15 horas por dia, em média), a legislação não o permite — uma vez que essa quantidade de horas extra, concentradas num único mês, violaria o disposto na lei, que estipula que a remuneração resultante do trabalho suplementar não pode exceder 60 % da remuneração base do trabalhador.

No entanto, ao Observador, um médico do Hospital do Centro Hospitalar e Universitário de Lisboa Norte (que prefere não ser identificado) garante que a lei não impede que, pelo menos em duas especialidades cirúrgicas, existam casos de médicos a auferirem, em resultado do trabalho complementar, mais de 60% do vencimento-base. “É uma situação normal e constante durante todo o ano”, sublinha o médico.

Conclusão

Não é verdade que os médicos do SNS trabalhem mais de 150 horas extraordinárias por mês, uma vez que a lei não o permite. Apesar de a legislação prever a possibilidade de ser ultrapassado o limite de 150 horas extra anuais (e não mensais), o que acontece com frequência nas especialidades ligadas aos serviços de urgência, a verdade é que remuneração resultante do trabalho suplementar não pode exceder 60% da remuneração base do trabalhador — um limite que se tornaria impossível de cumprir se um médico fizesse 150 horas extra por mês (se assim fosse, o vencimento mais do que duplicaria).

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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