Circula nas redes sociais um conjunto de publicações que, apesar de diferentes, têm um aspeto em comum: alegam que em vários pontos do mundo estão a ser aprovadas leis que permitem a imposição de “confinamentos climáticos”, ou seja, o recurso a medidas de confinamento ou restrição de movimentos da população por razões relacionadas com o combate às alterações climáticas.

“Confinamentos climáticos. Veremos se os alemães aceitam”, lê-se numa publicação que acompanha aquilo que aparenta ser uma captura de ecrã de uma notícia do jornal Politico sobre a restrição à circulação de automóveis ao fim de semana.

Outra publicação usa uma formulação semelhante, mas sobre Portugal. “Confinamentos climáticos? Naaaaaa… isso é teoria da conspiração daquela meia dúzia de chalupas negacionistas!!”, lê-se na publicação, que acompanha uma imagem parcial de uma notícia sobre a Lei de Bases do Clima.

Uma terceira publicação mostra uma captura de ecrã de uma notícia do jornal britânico The Guardian com a reação da ativista Greta Thunberg a uma decisão de um tribunal europeu que condenou o Estado suíço por inação climática. “Isto é só o início”, diz Greta Thunberg.

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A publicação que acompanha a notícia fala de uma suposta “doutrinação em curso” sobre o clima, “muito bem oleada e concertada entre a comunicação social, idiotas úteis climatologistas e agências internacionais”. O texto vai mais longe e, no mesmo sentido das outras duas publicações, alega que “a palhaçada da narrativa climática” vai ser “o próximo tema para justificar restrições, impostos, perda de liberdades ou até confinamentos climáticos (ou experiências similares)”.

Contudo, todas estas publicações são falsas e partem de interpretações erradas ou abusivas de notícias reais para alegar que há governos que têm em vista o conceito de “confinamento climático”.

Vamos por partes.

A primeira publicação diz respeito a uma notícia do Politico sobre uma suposta proibição de circulação de automóveis aos fins de semana. A notícia original é fácil de encontrar no site do jornal (está aqui) e dá conta de uma polémica no governo alemão.

O ministro dos Transportes da Alemanha, o liberal Volker Wissing, lamentou publicamente o facto de uma nova lei de proteção climática ainda não ter sido aprovada no Parlamento alemão e disse que era imperioso que essa lei estivesse em vigor até julho. “O facto de esta legislação ainda não estar em vigor leva a consideráveis incertezas legais e factuais”, disse Wissing, numa carta enviada aos líderes dos partidos da coligação que sustenta o governo. “Isto não serve nem o clima nem a reputação do governo federal.”

Na carta, Wissing vai mais longe e diz que, se o pacote legislativo não for aprovado até ao dia 15 de julho, o ministério terá de adotar um “programa de ação imediato que assegure o cumprimento dos níveis anuais de emissões do setor dos transportes”. E é nesse contexto que Wissing diz que, sem este pacote legislativo abrangente de todos os setores económicos, só é possível cumprir os limites de emissões através de medidas de último recurso, que seriam difíceis de explicar aos cidadãos, incluindo “restrições abrangentes e indefinidas à circulação automóvel aos sábados e domingos”.

Em suma: a Alemanha não adotou qualquer “confinamento climático”. O ministro dos Transportes mencionou um exemplo de uma política radical que poderia ter de ser implementada caso um pacote legislativo climático atualmente em discussão não seja aprovado. Mesmo que esta medida fosse aprovada, não seria um “confinamento”, mas uma proibição de circulação de automóveis (cujos detalhes de regulamentação não foram divulgados).

A segunda publicação também tem uma alegação de “confinamentos climáticos”, mas desta vez em Portugal, a propósito da Lei de Bases do Clima, aprovada em 2021.

Através de uma simples pesquisa no Google, é possível chegar à notícia original que surge na captura de ecrã apresentada na publicação. Trata-se de uma notícia do jornal i publicada em 14 de dezembro de 2021, que está disponível aqui.

Na imagem surge destacado o facto de a Lei de Bases do Clima (sobre a qual pode ler aqui) consagrar o “direito de qualquer pessoa pedir cessação imediata de atividades que possam ser ameaça para o clima”. Na notícia completa percebe-se o contexto desta afirmação.

Em causa estão os artigos 6.º e 7.º da lei, onde estão consagrados os direitos e os deveres dos cidadãos portugueses em matéria climática. (O texto da lei pode ser lido na íntegra aqui.) No caso dos direitos, é garantido a todos os cidadãos “o direito a pedir a cessação imediata da atividade causadora de ameaça ou dano ao equilíbrio climático”. Na prática, qualquer cidadão pode sinalizar às autoridades uma situação que incumpra a legislação climática do país e dar início a um processo em que é pedida a sua cessação imediata.

Em nenhum lugar há qualquer referência a um qualquer “confinamento climático” — nem sequer é exatamente claro como é que o autor da publicação em causa infere essa conclusão a partir do que está escrito, quer na notícia, quer no texto legislativo. Além disso, o que está em causa é uma Lei de Bases, que estabelece os princípios do Estado português em matéria climática — mas que precisa de regulamentação para ter eficácia concreta.

Quanto à terceira publicação, o problema é o mesmo: a notícia que, alegadamente, suporta o texto da publicação não tem nada a ver com a alegação central.

O caso que está na origem das notícias é o célebre processo das “Avós do Clima”. Uma associação de mulheres idosas processou o Estado suíço por considerar que o país não faz o suficiente para combater as alterações climáticas — o que coloca a sua vida em risco, por exemplo, devido às ondas de calor. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, junto do qual o grupo apresentou o caso, considerou que a Suíça violou o artigo 8.º da Convenção dos Direitos Humanos — e obrigou o país a aumentar a eficácia das suas políticas climáticas. Pode ler mais sobre o caso das “Avós do Clima” neste texto do Observador.

O artigo do The Guardian que surge na imagem também é fácil de encontrar na internet: está aqui. Nele, Greta Thunberg reage à notícia da condenação da Suíça, assinalando que é “apenas o princípio” e que espera que haja mais casos semelhantes a colocar pressão sobre os governos de todo o mundo a ser mais ambiciosos nas suas metas climáticas.

No vídeo e na reação de Greta Thunberg não há qualquer referência a medidas restritivas da circulação das pessoas. Por essa razão, não se compreende onde é que o autor da publicação encontra a fonte da frase: “Há que combater e demonstrar a palhaçada da narrativa climática que será o próximo tema para justificar restrições, impostos, perda de liberdades ou até confinamentos climáticos (ou experiências similares).”

Conclusão

Trata-se de um conjunto de publicações falsas. Embora as imagens correspondam a notícias reais, nenhuma delas, pelas razões concretas explicitadas acima, inclui qualquer referência a “confinamentos climáticos”, como alegam os autores das três publicações citadas.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: As principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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