Circulam nas redes sociais várias publicações em que se alega que o Papa Francisco “defenderia Barrabás”, conhecido criminoso que é uma das personagens que surgem nos relatos bíblicos da morte de Jesus Cristo, uma vez que “o roubo é bom para lembrar a avareza dos ricos”. As publicações afirmam mesmo que Francisco “defende os ladrões”.

O Observador consultou no Facebook várias publicações com o mesmo teor. Todas elas apontam a mesma fonte: um texto publicado no site Terra Brasil Notícias” (uma página não informativa que é considerada uma das principais fontes de conteúdos pró-Bolsonaro, no Brasil), que inclui algumas citações de uma intervenção pública do Papa Francisco no dia 24 de janeiro. O título do artigo é justamente a alegação que surge nas publicações que circulam nas redes sociais: “Papa defenderia Barrabás: em pregação, Francisco defende ladrões e diz que o roubo é bom pra [sic] lembrar avareza dos ricos.”

Mas será mesmo verdade que o Papa Francisco “defende” os ladrões e diz que “o roubo é bom”?

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Vamos por partes.

Barrabás é uma personagem bíblica conhecida. Nos relatos que surgem nos evangelhos sobre a condenação de Jesus Cristo à morte por dizer que é filho de Deus, é célebre o momento em que Pilatos (o governador romano da província da Judeia) pergunta ao povo furioso que tem pela frente qual o preso que pretendem ver libertado naquela Páscoa: se Jesus ou Barrabás.

De acordo com o relato bíblico, a multidão gritou para que Pilatos libertasse Barrabás e para que crucificasse Jesus. No evangelho segundo São Marcos, por exemplo, são dados alguns detalhes sobre quem seria este preso de nome Barrabás. Percebe-se que teria sido um revoltoso que tinha estado envolvido numa morte num ataque a soldados romanos. “Havia um, chamado Barrabás, que estava preso com os revoltosos que tinham cometido um assassínio durante a revolta”, lê-se.

E a que propósito falou recentemente o Papa Francisco sobre Barrabás?

Na verdade, não falou. Através do site do Vaticano, é possível chegar ao tal discurso de dia 24 de janeiro que é citado na publicação. A intervenção foi feita durante a audiência geral do Papa Francisco, que acontece semanalmente às quartas-feiras no Vaticano. O chefe da Igreja Católica dedicou o breve discurso à “avareza” — e a intervenção é a quinta de um ciclo de discursos do Papa sobre “os vícios e as virtudes”.

Naquele discurso, Francisco fez algumas considerações sobre a avareza, uma “forma de apego ao dinheiro que impede que o homem seja generoso”. Trata-se, disse o Papa, de um “vício transversal, que muitas vezes não tem nada a ver com o saldo da conta corrente” — pelo que é, nas palavras de Francisco, “uma doença do coração, não da carteira”.

“O vínculo de posse que construímos com as coisas é apenas aparente, pois não somos donos do mundo: na verdade, esta terra que amamos não é nossa, e movemo-nos nela como forasteiros e peregrinos”, sustentou Francisco, sublinhando “a loucura da avareza” e classificando-a como “uma tentativa de exorcizar o medo da morte”, procurando “seguranças que na realidade se desfazem no exato momento em que nos agarramos a elas”.

A certo passo do seu discurso, o Papa Francisco afirma que são frequentes os “insensatos” que acumulam bens materiais, mas não se preocupam com os bens espirituais e não têm “em consideração a variável mais segura da vida: a morte”. E continua para dizer que, em alguns casos, “são os ladrões que nos prestam este serviço”.

Logo depois, Francisco diz a frase que, de forma distorcida, está a ser usada para sustentar aquela publicação que está a circular nas redes sociais. “Inclusive nos Evangelhos, eles são citados várias vezes e, embora as suas ações sejam censuráveis, podem tornar-se uma admoestação salutar”, diz o Papa, que depois cita uma frase do evangelho segundo São Mateus: “Não acumuleis tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem os corroem e os ladrões arrombam os muros a fim de os roubar. Acumulai tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem os corroem, nem os ladrões arrombam os muros, a fim de os roubar.”

Com efeito, as frases do Papa Francisco que surgem no artigo do site “Terra Brasil Notícias” são efetivamente excertos da intervenção do líder católico naquele dia. Porém, a conclusão que aparece no título do artigo está longe de ser verdade: Francisco nunca cita o nome de Barrabás no discurso e afirma mesmo que as ações dos ladrões são “censuráveis”, mesmo que possam ser “admoestações salutares” para os mais avarentos.

Conclusão

A alegação central desta publicação é enganadora: o Papa Francisco não defendeu Barrabás (que não surge citado no discurso mencionado) nem defendeu que “o roubo é bom para lembrar a avareza dos ricos”. A alegação é feita com base numa distorção do que foi efetivamente dito pelo Papa. O que o chefe da Igreja Católica disse, num discurso que dedicou à condenação da avareza, foi que até os atos dos ladrões, mesmo sendo condenáveis, podem servir como lembrete para a necessidade de pensar em acumular “tesouros no céu”, onde não podem ser roubados, em vez de acumular “tesouros na terra”, onde estão ao alcance dos ladrões.

Assim, no sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

ENGANADOR

PARCIALMENTE FALSO: as alegações dos conteúdos são uma mistura de factos precisos e imprecisos ou a principal alegação é enganadora ou está incompleta.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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