A pandemia provocada pelo novo novo coronavírus está a ter um impacto muito significativo no Brasil, onde já morreram mais de 4.200 pessoas e há mais de 63.300 infetados, segundo dados da universidade de medicina Johns Hopkins, que monitoriza os dados da pandemia em todo o mundo. Entre os estados brasileiros mais afetados está o estado do Amazonas, que aparece no topo das listas sobre o número de ocupação de camas em cuidados intensivos.
Segundo o jornal Globo, a 23 de abril, a taxa de ocupação nas unidades de cuidados intensivos nos hospitais do Amazonas era de 96%. Pernambuco, Ceará e Rio de Janeiro também ocupam lugares cimeiros nesta classificação, sendo os estados que causam maior preocupação.
Isto faz com que as imagens que cheguem desta região brasileira do Amazonas sejam devastadoras. A partir da capital, Manaus, a imprensa dá conta de cemitérios cheios, com os coveiros a afirmar que enterram mais de uma centena de corpos por dia, e com relatos de famílias que têm de se despedir dos entes queridos à porta, uma vez que o principal cemitério da cidade entrou em total colapso e as entradas de familiares são limitadas para não haver sobrelotação.
Para fazer face à crise, foram até criadas valas comuns para enterrar os mortos. O recorde foi batido no passado dia 21 de abril, quando foram enterradas 136 pessoas no cemitério de Nossa Senhora Aparecida (conhecido por cemitério de Tarumã), o único cemitério público na capital de Manaus onde se podem abrir novas covas (só podem ser enterrados corpos noutros cemitérios se a família já tiver jazigos). Segundo o portal G1, da Globo, a 23 de abril eram já mais de 230 as mortes no Amazonas por Covid-19, sendo que o estado registava nesse dia mais de 2,8 mil casos confirmados de infeção pelo novo coronavírus.
É com este cenário devastador como pano de fundo que surge uma publicação que se tornou viral no Facebook. A imagem, que teve milhares de partilhas e que chegou às redes sociais em Portugal, onde teve mais de 23 mil visualizações, sugere que está “tudo combinado”. A acompanhar a publicação está uma imagem das valas comuns que por estes dias foram construídas em Manaus, e que serve de pretexto para os autores da publicação afirmarem que o Partido Trabalhista (PT), na oposição, no Brasil, “mandou enterrar caixões vazios”. E tudo para “causar pânico na população do Amazonas”, dizem.
A terminar, dizem ainda que a denúncia tinha sido feita naquele dia, 23 de abril, pelo jornal da Band. E juntam ainda à publicação as fotografias de dois conhecidos políticos do PT, Lula da Silva e José Dirceu, a quem chamam de “cobarde”.
Acontece que, em primeiro lugar, a imagem da vala comum é mesmo verdadeira, e trata-se de caixões efetivamente com cadáveres. Segundo o Globo, antes do coronavírus, a média de enterros no principal cemitério de Manaus era de 30 por dia, sendo que, para a pandemia, as autoridades estimaram um aumento de até 50 por dia. O problema é que estão a chegar ao cemitério sempre mais de 100 corpos para serem enterrados diariamente, o que faz com que não haja mãos a medir. De acordo com a autarquia de Manaus, o número de enterros mais do que triplicou nos últimos dias, tendo sido necessário proceder ao enterro em valas comuns, o chamado sistema de trincheiras.
Depois, de acordo com um fact chek da agência Lupa, a estação televisiva Band Amazonas não emitiu nenhuma reportagem a denunciar o enterro de caixões vazios por parte de políticos do PT — nem na emissão do dia 20, 21 ou 22, dias a que se podia estar a referir a publicação quando escreveu que a denúncia tinha sido feita “hoje” no jornal da Band. Isso mesmo garantiu fonte da direção da Band Amazonas, via Whatsapp, à agência Lupa: “Fizemos uma reportagem sobre valas comuns que estavam a ser ordenadas pela prefeitura [autarquia] para enterrar vítimas de Covid-19. (…) Mas não [fizemos] texto nem narração falando de caixões vazios“, disse fonte da direção daquele canal de televisão.
A própria prefeitura, que é responsável por gerir os cemitérios da cidade, garantiu, numa nota pública, que “não procede a informação de que caixões estão a ser enterrados vazios”. “A prefeitura entrou em contacto com a Band e a direção da emissora informou que não foi publicada notícia com essa informação”, lê-se ainda.
Ou seja, as valas comuns são verdadeiras, tal como é verdadeira a sobrelotação do cemitério público de Manaus, no Amazonas, mas não é verdade que tenha sido ordenado o enterro de caixões vazios para ampliar o pânico. A situação no Amazonas, em si mesma, já é muito preocupante.
Conclusão
Não é verdade que tenham sido enterrados caixões vazios para causar pânico na população do estado brasileiro do Amazonas, que está a sofrer bastante com a pandemia da Covid-19. Não é igualmente verdade que políticos do Partido Trabalhista tenham ordenado o enterro deste tipo de caixões vazios para causar pânico e ampliar a pandemia. A publicação, que se tornou viral, foi desmentida pela estação de televisão a quem tinha sido falsamente atribuída a autoria da “denúncia”, e foi desmentida pela autarquia de Manaus, que gere os cemitérios públicos da cidade.
A verdade é que o Amazonas está sem capacidade de resposta nos hospitais e nos cemitérios face ao elevado número de mortes por Covid-19 nas últimas semanas. As unidades de cuidados intensivos estão em rutura, sem camas disponíveis, e os cemitérios estão a receber mais de uma centena de corpos por dia, quando antes recebiam em média 30 corpos para enterrar.
Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:
De acordo com o sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:
FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.
Nota 1: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact-checking com o Facebook.
Nota 2: O Observador faz parte da Aliança CoronaVirusFacts / DatosCoronaVirus, um grupo que junta mais de 100 fact-checkers que combatem a desinformação relacionada com a pandemia da COVID-19. Leia mais sobre esta aliança aqui.