A Polícia de Segurança Pública (PSP) foi chamada para uma situação de violência doméstica, no passado sábado, na zona do Martim Moniz, em Lisboa, mas não deteve o alegado agressor. Nas redes sociais, surgiu uma publicação a questionar a atuação dos agentes, nomeadamente o tempo que demoraram a chegar, o facto de o suspeito não ter sido detido e, também, o facto de supostamente não terem sido ouvidas testemunhas. Mas embora algumas destas acusações sejam verdade, aos olhos da lei, a PSP cumpriu todos os procedimentos previstos para casos de violência doméstica.
O que se passou ao certo? O alerta foi dado pelos vizinhos que ouviram gritos e chamaram a polícia — um deles terá mesmo chegado a entrar na casa onde decorreriam as alegadas agressões, pela janela. “As sete pessoas que se juntaram a essa janela impediram que este horror continuasse. Várias de nós chamámos a polícia e o INEM”, lê-se numa publicação de uma atriz portuguesa, que descreveu o caso nas redes sociais. A PSP confirmou ao Observador que às 22h33 recebeu uma “comunicação telefónica” sobre “uma ocorrência de agressões entre coabitantes, possível violência doméstica”. Na publicação, é dito que a PSP demorou “uma hora a chegar”. No entanto, esta força de segurança garante os agentes chegaram ao local exatamente 20 minutos depois:
De imediato foram acionados meios policiais de resposta, que se encontravam empenhados numa outra situação de violência doméstica, e que chegaram ao local vinte minutos depois do alerta (22h53)”.
Depois, a autora da publicação questiona o facto de o alegado agressor não ter sido detido pelas autoridades, especialmente tendo em conta que a mulher de 60 anos terá sido “espancada pelo marido com uma cadeira”. A PSP confirmou ao Observador que “não foi concretizada a detenção”. Mas apresenta uma razão para isso: tal como prevê o Código de Processo Penal, no artigo 257.º, a não ser que haja um mandado do juiz (ou do Ministério Público, quando está em causa um crime passível de ser aplicada a prisão preventiva), uma pessoa só pode ser detida em caso de flagrante delito — o que não aconteceu neste caso.
Segundo acrescentou ao Observador o porta-voz da PSP, o intendente Nuno Carocha, os agentes não podiam deter o suspeito porque não foi “flagrante nem foram recolhidos indícios que permitissem reputar o flagrante delito, conforme as regras previstas no Código de Processo Penal”.
Há, no entanto, algumas exceções na lei que permitem à polícia, por iniciativa própria e sem qualquer mandado, deter uma pessoa fora de flagrante delito:
- Quando “se tratar de caso em que é admissível a prisão preventiva”;
- Quando “existirem elementos que tornem fundados o receio de fuga ou de continuação da atividade criminosa”;
- Quando “não for possível, dada a situação de urgência e de perigo na demora, esperar pela intervenção da autoridade judiciária”.
As duas primeiras exceções podiam até aplicar-se neste caso. No entanto, mesmo estando em causa um crime que prevê a possibilidade de aplicar-se a medida de prisão preventiva e, neste caso, poder haver continuação da atividade criminosa, “tem de haver indícios” de que o crime foi cometido para a polícia deter o suspeito fora de flagrante delito e sem mandado, adiantou o intendente Nuno Carocha.
“Não havia qualquer pressuposto reunido. Era completamente inviável proceder à detenção“, explicou ainda. Segundo a PSP, “a vítima manifestou firmemente vontade de não colaborar, recusando-se a partir de determinado momento a prestar mais informações” — o que, mesmo sendo legítimo, uma vez que a vítima estava “desorientada“, pode ter impedido os agentes de reunirem fundamentos para deter o agressor.
Outra das questões colocadas na publicação foi o facto de, alegadamente, a PSP não ter ouvido os vizinhos que ali se encontravam. “Nenhum agente procurou averiguar junto dos vizinhos o que se passou. À minha insistência, responderam: ‘Deixe-nos fazer o nosso trabalho'”, lê-se. No entanto, esta força de segurança garantiu ao Observador que, além de terem contactado com a vítima, contactaram também “duas testemunhas diretas, as quais prestaram as informações registadas no auto remetido à autoridade judiciária competente”. E, apesar de os restantes vizinhos não terem sido ouvidos, não quer dizer que não o venham a ser no decorrer da investigação.
Por fim, na publicação, é também dito que a vítima seguiu para o hospital “sozinha”. No entanto, também aqui a PSP explica que a vítima recusou-se a “ser notificada para exame médico ou, sequer, receber tratamento médico no local”. Em resposta ao Observador, a PSP garante que os polícias “mantiveram-se no local o tempo necessário a prestar toda a assistência necessária e executar todos os procedimentos previstos”.
Ainda assim, tendo em conta os contornos de (possível) violência doméstica, os polícias adotaram todos os procedimentos previstos para estas situações, nomeadamente no que concerne à prestação de informação à vítima e preparação do plano de segurança”, lê-se na resposta enviada ao Observador.
Apesar de a polícia ter acabado por sair do local, não significa que o caso fique por aqui. “Naturalmente, toda a informação apurada foi formalmente registada pela PSP e transmitida às autoridades judiciárias para avaliação e eventual ponderação de medidas subsequentes”, explicou esta força de segurança ao Observador. Quer isto dizer que o agressor poderá ainda vir a ser detido, acusado e condenado.
Conclusão
Uma publicação expõe um caso de alegada violência doméstica e questiona a atuação da PSP. Em primeiro lugar, acusa os agentes de terem demorado uma hora a chegar. No entanto, esta força de segurança garante que recebeu o alerta às 22h33 e que, às 22h53, os agentes já tinham chegado ao local.
Em segundo lugar, a publicação questiona o facto de o alegado agressor não ter sido detido. Apesar de ser verdade, os agentes da PSP não podiam deter o suspeito porque não foram detetados atos em flagrante delito nem foram recolhidos indícios que permitissem fundamentar o flagrante delito, conforme as regras previstas no Código de Processo Penal.
Em terceiro lugar, coloca-se a questão de, alegadamente, a PSP não ter ouvido os vizinhos que ali se encontravam. No entanto, esta força de segurança garantiu ao Observador que, além de terem contactado com a vítima, contactaram também duas testemunhas diretas.
Por fim, a publicação afirma que vítima seguiu para o hospital “sozinha”. No entanto, também aqui a PSP explica que a vítima recusou “ser notificada para exame médico ou, sequer, receber tratamento médico no local”.
Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:
ENGANADOR
No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:
PARCIALMENTE FALSO: as alegações dos conteúdos são uma mistura de factos precisos e imprecisos ou a principal alegação é enganadora ou está incompleta.
Nota 1: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.