Foi um dos momentos do duelo que pôs frente a frente António Costa e Rui Tavares: para fazer valer o seu ponto e provar que votar à esquerda do PS era dar uma oportunidade ao PSD de chegar ao poder, o socialista disse que Rui Rio até era contra o aumento do salário mínimo nacional. Terá razão?
A questão tem matizes e não deve ser respondida com ‘sim’ ou ‘não’. Grande parte do argumento de António Costa remete para a posição assumida por Rui Rio durante o período mais agudo da pandemia, no inverno de 2020, em que, de facto, o líder social-democrata questionou o “aumento significativo do salário mínimo” que estava a ser preparado para 2021.
As declarações de Rio, replicadas no site oficial do PSD, provocaram uma troca de argumentos no Parlamento, motivaram comparações a Pedro Passos Coelho e foram reiteradas pelo próprio Rui Rio um dia depois desse mesmo debate parlamentar com o primeiro-ministro.
Mas a posição de Rio tinha, mesmo nessa altura, várias camadas. O documento que melhor a explica é o discurso do líder social-democrata durante as jornadas parlamentares do PSD, também em outubro desse ano, onde o social-democrata explicou exatamente aquilo que defende.
Começou por dizer Rio:
“Não acho adequado o aumento do salário mínimo nacional num momento em que as empresas não conseguem vender e não têm receitas e num momento em que as empresas estão a lutar para não ir à falência e que não têm a capacidade, inclusive, de pagar os salários, porque é o Estado que está a pagar uma parte do salário a muitas delas.”
Para logo acrescentar:
“Eu sempre defendi o aumento do salário mínimo nacional. Sempre. Pode discutir-se se mais um bocado ou menos um bocado, isso sim. Mas quando a taxa de desemprego é baixa e a economia está a crescer, nós temos de forçar a subida do salário mínimo nacional para não privilegiar justamente a competitividade pelos baixos salários. Devemos ajudar e puxar para cima.”
E ainda uma ressalva:
“Agora, se o Governo for à concertação social e em sede de concertação social conseguir a anuência dos sindicatos e a anuência da entidade patronal para fazer o aumento do salário mínimo nacional, dou um passo atrás e com certeza. Eu ponho a concertação social acima. Se as empresas e os sindicatos acham que há condições, eu ponho acima. Agora, na análise que eu faço, seja no ponto de vista político seja no ponto de vista técnico, eu não vejo condições para se conseguir isso em prol da defesa de todos os trabalhadores, dos que ganham o salário mínimo e dos que são um pouco mais felizes desse ponto de vista e ganham mais que o salário mínimo.”
Ou seja, num contexto em que a economia não está a crescer e em que a taxa de desemprego é significativa, é possível depreender a partir das posições públicas que Rui Rio tem assumido que o líder do PSD é e será contra o aumento do salário mínimo.
Posto isto: é possível dizer que Rio é estruturalmente contra o aumento do salário mínimo? Não, antes pelo contrário.
Rio defendeu aumento do salário mínimo em 2019
Factualmente, no último programa com que foi a votos – e quando a situação económica era muito mais favorável –, Rui Rio defendia um aumento do salário mínimo acima dos 700 euros em 2023, ainda assim, aquém dos valores que António Costa conseguiu aprovar.
De resto, são conhecidas as declarações públicas de Rui Rio sobre o nível do salário mínimo praticado em Portugal. “Não compreendo como é que se consegue viver com o salário mínimo”, chegou a dizer também em 2019.
Nas suas declarações mais recentes, Rio tem, no entanto, defendido outro caminho. No contexto das diretas do PSD, quando Paulo Rangel defendia inequivocamente um “aumento significativo” do salário mínimo nacional, o líder social-democrata comparou o adversário a Bloco e PCP e demarcou-se da proposta.
“Todos nós queremos que o salário mínimo suba e suba muito. Claro que queremos isso, mas por força da riqueza que produzimos, porque se não é por força da riqueza que produzimos podemos estar a provocar exatamente o contrário do que se pretende, que é baixar o nível de rendimentos global dos portugueses (…) O que temos de fazer é pôr o nosso salário médio o mais próximo possível daquilo que é a média europeia e o salário mínimo vem obviamente por arrasto, ou seja, nivelar por cima e não nivelar tudo por baixo.”
Ou seja, para Rio, o foco de qualquer futuro governo deve estar na melhoria do contexto económico do país para que o salário médio aumente e, com isso, provocar um efeito de arrastamento também do salário mínimo. Sendo que, se as circunstâncias voltarem a ser idênticas àquelas que eram no pré-pandemia, em coerência, Rio deverá defender uma evolução do salário mínimo.
Sobre o que defenderá Rio para o futuro quadriénio é uma incógnita: uma vez que ainda não apresentou o programa eleitoral, é impossível aferir se Rio vai ou não comprometer-se com um aumento do salário mínimo, para que valores e com que calendário.
Em conclusão
É factualmente incorreto dizer que Rui Rio é estruturalmente contra o aumento do salário mínimo porque todas as intervenções públicas, passadas e recentes, tal como o programa eleitoral apresentado em 2019, atestam o contrário. É factualmente correto afirmar que Rio esteve contra os aumentos do salário mínimo de 2021 e 2022, atendendo ao contexto económico que o país enfrenta. É prematuro afirmar taxativamente que Rio será contra um aumento do salário mínimo no futuro. Segundo o próprio, dependerá da evolução da economia e do salário médio. O que é absolutamente seguro dizer é que Rio não teria feito o que António Costa fez.
Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:
ENGANADOR
No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:
PARCIALMENTE FALSO: as alegações dos conteúdos são uma mistura de factos precisos e imprecisos ou a principal alegação é enganadora ou está incompleta.
Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.