Têm surgido nas redes sociais várias publicações que afirmam que, no contexto da guerra na Ucrânia, a Rússia ameaçou abandonar astronautas de outras nacionalidades na Estação Espacial Internacional. Mas nenhum deles está em perigo de permanecer no espaço neste momento, nem mesmo por causa da guerra na Ucrânia.

A publicação em análise.

A teoria de que a Roscosmos, a agência espacial russa, se preparava para deixar ao abandono no espaço os astronautas estrangeiros — algumas publicações referem especificamente os americanos — tem origem num vídeo da agência espacial publicado no Telegram da agência a 5 de março.

No vídeo, depois de os astronautas e cosmonautas se despedirem, o segmento russo desacopla da Estação Espacial Internacional e continua em órbita (sem os painéis solares que lhe conferem a energia, porém), enquanto a órbita dos restantes segmentos cai em direção à Terra.

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A música que toca chama-se “Adeus”, é interpretada pelo russo Lev Leshchenko e fala sobre uma despedida: “Lembras-te de duas estrelas que flutuavam no céu e de repente desapareceram? Só agora percebo que era eu e tu”, diz a composição.

Mas o conteúdo foi imediatamente apresentado como uma “piada” dos russos. A mensagem da Roscosmos que acompanhava o vídeo no Telegram descrevia que “o estúdio de televisão da Roscosmos demonstrou em tom de brincadeira a possibilidade da retirada da Rússia do projeto da Estação Espacial, desencaixando o segmento russo, sem a qual a existência da parte americana do projeto é impossível”. O vídeo termina com a mensagem: “Baseado em factos não verídicos.

A “piada”, no entanto, caiu mal a algumas personalidades da exploração espacial, que interpretaram o conteúdo como uma ameaça disfarçada de anedota — para o futuro da Estação Espacial, não para a segurança dos astronautas. Por exemplo, Keith Cowing, antigo astrobiólogo da NASA e agora jornalista que gere a página “NASA Watch” no Twitter, acusou o diretor-geral russo Dmitry Rogozin de ameaçar claramente o projeto da Estação Espacial Internacional.

Scott Kelly, ex-astronauta da NASA, também esteve envolvido num debate aceso com o diretor-geral da Roscosmos, Dmitry Rogozin, que publicou outro vídeo onde se pode ver a retirada da bandeira norte-americana de um foguetão Soyuz.

Rogozin descreveu o vídeo no Twitter: “Os lançadores de Baikonur decidiram que, sem as bandeiras de alguns países, o nosso foguetão ficaria mais bonito”. Scott Kelly respondeu: “Sem essas bandeiras e as divisas que elas trazem, o vosso programa espacial não valerá nada. Talvez possam encontrar um emprego no McDonald’s, se o McDonald’s ainda existir na Rússia”.

Na altura da publicação, havia um astronauta sobre o qual recaía grande parte das preocupações: Mark Vande Hei, que regressaria ao planeta a 30 de março a bordo da missão russa Soyuz MS-19, na companhia de Anton Shkaplerov e Pyotr Dubrov.

A agência russa Tass deixou-o claro numa notícia publicada a 14 de março: “O astronauta americano Mark Vande Hei retornará à Terra a 30 de março a bordo da nave espacial russa Soyuz MS-19, junto com Anton Shkaplerov e Pyotr Dubrov. A Roscosmos nunca deu motivos para duvidar da sua confiabilidade como parceiro”, diz o conteúdo.

Kathy Lueders, administradora associada da NASA na pasta das operações espaciais, também enfatizou que ambas as agências se “estão a preparar para o regresso de Mark; e todas as operações normais estão em vigor para que possamos fazer isso“. E, de facto, Mark Vande Hei regressou à Terra a 30 de março. E outros astronautas já seguiram para a estação espacial desde então — incluindo russos.

Um comunicado da NASA citado pela Euronews estabelece que a agência espacial internacional “continua a trabalhar com a Roscosmos e outros parceiros internacionais no Canadá, Europa e Japão para manter operações seguras e contínuas da Estação Espacial Internacional”.

Nenhuma mudança está planeada para o apoio da agência para as operações contínuas em órbita e estações terrestres. As novas medidas de controlo de exportação continuarão a permitir a cooperação espacial civil EUA-Rússia”, diz o documento.

Neste momento, há sete astronautas no laboratório espacial: os norte-americanos Kayla Barron, Thomas Marshburn e Raja Chari; o alemão Matthias Maurer; e os russos Oleg Artemyev, Denis Matveev e Sergey Korsakov. Todos estão, portanto, em segurança.

Mas nem tudo constitui desinformação nestas publicações. De facto, logo no primeiro dia de guerra, o diretor-geral da Roscosmos comentou as sanções que os Estados Unidos impuseram à Rússia — que, segundo Joe Biden, podem comprometer o programa aeroespacial russo — com um tweet que foi interpretado como uma ameaça.

Se bloquearem a cooperação connosco, quem vai salvar a Estação Espacial Internacional de uma saída de órbita descontrolada e de cair nos Estados Unidos ou Europa? Também há a opção de largar uma estrutura de 500 toneladas na Índia ou China. Querem ameaçá-los com essa perspetiva? A Estação Espacial Internacional não voa sobre a Rússia, por isso todos os riscos são vossos. Estão prontos para eles?”, disse o tweet, entretanto ocultado na rede social.

Conclusão

A Rússia não planeia abandonar os astronautas na Estação Espacial Internacional. A afirmação tem raízes num vídeo em que, de facto, a agência espacial russa sugere que os cosmonautas abandonam a estação espacial deixando para trás todos os outros astronautas. Mas a Roscosmos já veio esclarecer que tudo não passou de uma “piada”; e a própria NASA confirmou que a segurança dos astronautas não está comprometida.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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