O aumento da testagem da Covid-19 na população tem levantado muitas dúvidas, especialmente nas redes sociais. Nesse sentido, surgiu uma publicação de Facebook, no passado dia 5 de novembro, onde, através de um vídeo, uma pessoa, que aparenta ser um profissional de saúde de um país por identificar, demonstrava um suposto baixo grau de fiabilidade de um teste à Covid-19: o indivíduo pegou em sumo de maçã e colocou uma amostra em dois instrumentos de testagem. Um deu positivo para o novo coronavírus, o segundo não. No entanto, trata-se de uma publicação enganadora.
“É um teste rapidíssimo e não sabemos se está validado ou comercializado. Ou mesmo se é uma fraude. Não sabemos qual é o fabricante, a sensibilidade, especificidade, o que está dentro da garrafa de sumo.” É assim que Filipe Froes, pneumologista e coordenador do gabinete de crise Covid-19 da Ordem dos Médicos, reage ao Observador, quando confrontado com o vídeo.
O médico levanta uma série de dúvidas sobre o vídeo, admitindo que até podem existir reações cruzadas — como acontece quando, por exemplo, um fármaco interage com outro, o que fragilizaria o resultado do teste mostrado no vídeo. Mas Filipe Fores sublinha que, neste caso, não é possível saber com que tipo de componentes o suposto profissional de saúde está a operar ou, sequer, em que doses. O pneumologista admite, no entanto, que este pode ser um teste rápido de antigénio (comummente conhecidos por testes rápidos), ressalvando que esta não é uma boa prática. “Mal de todos nós se o conhecimento científico resultasse deste tipo de experiências não controladas e não validadas”, conclui.
Além de não ser possível identificar com 100% de certeza qual o fabricante ou de que tipo de teste se trata, no vídeo também não é respeitado o tempo necessário para se poder fazer uma leitura apurada e criteriosa do resultado. “São necessários 10 a 30 minutos para se poder fazer uma leitura. Também é importante destacar que um dos testes já está pousado, não foi retirado da embalagem e foi o que deu positivo”, diz João Júlio Cerqueira, médico especialista e autor da página Scimed — Ciência Baseada na Evidência.
João Júlio Cerqueira dá ainda o exemplo de um teste rápido, o Panbio Covid-19 Ag, desenvolvido pela Abbot e que já foi lançado em Portugal — sendo que este tipo de testes já chegou ao país, para permitir alargar o universo de testes realizados diariamente, como noticiou o Observador a 28 de outubro. Na sua descrição, pode ler-se que “apresenta resultados em 15 minutos”, tempo que não é respeitado no vídeo. Essa informação também foi posta a circular por parte da Direção Geral de Saúde, em conjunto com o Infarmed, numa circular informativa conjunta, no passado dia 14 de outubro. “Os testes podem ser realizados em pequenas séries, com baixa complexidade de execução técnica e permitem a obtenção de resultados num período de tempo curto (entre 10 a 30 minutos) sendo, na maioria dos casos, de leitura visual ou de leitura ótica em equipamento portátil”, lê-se no documento.
João Cerqueira, ao contrário de Filipe Froes, levanta a hipótese de este ser um teste serológico mas acrescenta que os testes de antigénios “são idênticos”. Este tipo de testes já foram aprovados noutros países, com os resultados a chegarem em 10 minutos, não podendo ser interpretados 15 minutos, por não serem fiáveis. É o que acontece com os testes da Healgen, empresa que desenvolve, fabrica e comercializa diagnósticos in-vitro, aprovados pela Food and Drug Administration, agência federal norte-americana que regula esta matéria, que parecem ser precisamente os que são utilizados no vídeo, analisando o primeiro frame. É visível o logotipo da empresa, logo nos primeiros segundos. No entanto, sem ser possível uma confirmação junto do autor do vídeo, essa informação não pode ser considerada como completamente válida.
É necessário reforçar que existem dois tipos de testes rápidos: os serológicos, que detetam anticorpos para avaliar a imunidade populacional, sendo só necessário uma gota de sangue. E os testes que complementam os PCR’s, que são os antigénios, que recorrem a um produto nasofaríngeo colhido com zaragatoa, que, como referido anteriormente, precisam entre 10 e 30 minutos para detetar a presença de antigénios virais. “Ambos só podem ser lidos a partir de um determinado tempo e não podem ser lidos após um determinado tempo. Tanto ler antes como depois pode dar falsos-positivos ou negativos. O líquido pode reagir com o produto da tira reagente à medida que a amostra colocada se vai difundindo na cassete. Mas essa “reatividade” pode desaparecer por não ser específica”, conclui João Cerqueira. Em nenhum momento do vídeo estas normas são respeitadas.
Conclusão
Um vídeo viral argumenta que um suposto teste rápido à Covid-19 tinha dado positivo para uma amostra de sumo de maçã. Especialistas ouvidos pelo Observador, como Filipe Froes, pneumologista e coordenador do gabinete de crise da Covid-19 da Ordem dos Médicos e João Cerqueira, médico especialista e autor da página Scimed – ciência baseada na evidência, desmentem o autor. O tempo de espera para obter resultados credíveis (10 a 30 minutos) no vídeo não foi o seguido, nem sequer é possível apurar, com total segurança, que tipo de teste, a sua sensibilidade e especificidade, mas também o fabricante. Além de que também não é possível saber se o sumo de maçã tem outros componentes ou se ficou contaminado depois da pessoa o beber. São demasiadas dúvidas para que o vídeo seja considerado como credível.
Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:
ENGANADOR
No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:
PARCIALMENTE FALSO: as alegações dos conteúdos são uma mistura de factos precisos e imprecisos ou a principal alegação é enganadora ou está incompleta.