São várias alegações feitas de uma vez só. Uma publicação do Facebook, com data de 1 de março de 2021 e desde então largamente partilhada, alega, entre várias considerações sobre as vacinas da Covid-19, que estas não foram aprovadas e que os fabricantes não podem ser responsabilizados por eventuais efeitos nocivos causados pela vacinação.
A primeira alegação, de que as vacinas não foram aprovadas, não corresponde de forma alguma à verdade. Até agora, foram quatro as vacinas aprovadas pela Comissão Europeia (CE): BioNTech-Pfizer, Moderna, AstraZeneca e Johnson & Johnson, como pode ser conferido na página da CE. “Até à data, foram autorizadas para utilização na UE quatro vacinas seguras e eficazes contra a Covid-19, na sequência de recomendações científicas positivas da Agência Europeia de Medicamentos”, lê-se no site.
Ao mesmo tempo, a CE celebrou acordos com outras empresas farmacêuticas — com vista à futura aquisição de vacinas contra a Covid-19 logo que sejam aprovadas nos ensaios clínicos e que seja demonstrada a sua segurança e eficácia — no caso, a Sanofi-GSK e a CureVac. Até agora, a Comissão Europeia já reservou até 2,6 mil milhões de doses de vacinas e estão em curso negociações para obter mais doses.
Quanto à responsabilização por eventuais efeitos secundários nocivos para a saúde, a história pode ser outra. No final de agosto de 2020, o Financial Times noticiou que o lobby da indústria de vacinas europeu Vaccines Europe pressionou a União Europeia no sentido de obter isenção de responsabilidade civil em caso de problemas com as vacinas contra a Covid-19. A 7 de setembro, a diretora-geral adjunta da Direção-Geral da Saúde e da Segurança dos Alimentos da Comissão Europeia, Claire Bury, foi chamada a responder a questões dos eurodeputados da Comissão do Ambiente, da Saúde Pública e da Segurança Alimentar do Parlamento Europeu acerca das negociações dos contratos para a compra de potenciais vacinas, incluindo as cláusulas referentes à responsabilidade civil.
A representante da Comissão confirmou que as empresas farmacêuticas permaneceriam civilmente responsáveis por quaisquer defeitos da vacina, mas poderiam evitar o pagamento de indemnizações no caso dos chamados “defeitos ocultos”. Na altura, não foram dados mais detalhes sobre o significado específico ou âmbito legal de um “defeito oculto” numa vacina. Ou seja, ficam isentas de responsabilidades, mas não em todos os casos.
Foi a ausência de detalhes que levou os eurodeputados Kateřina Konečná (República Checa) e Marc Botenga (Bélgica) a questionar a Comissão Europeia, ao abrigo do Artigo 138.º, Perguntas com pedido de resposta escrita, do Regimento do Parlamento Europeu.
As perguntas dos eurodeputados foram as seguintes:
- Poderá a Comissão especificar como e por quem serão definidos os “defeitos ocultos” para as potenciais vacinas Covid-19 e os quais acordos de compra antecipada?
- Poderá a Comissão fornecer exemplos específicos de casos em que as empresas farmacêuticas envolvidas ficarão total ou parcialmente isentas do pagamento de indemnizações ao abrigo desta cláusula?
- Terão os Estados-membros de pagar a indemnização quando os fabricantes ficarem isentos desta obrigação?
A resposta só chegou a 23 de novembro de 2020, dada por Stella Kyriakides, a comissária europeia para a Saúde e Segurança dos Alimentos. Na resposta por escrito, a responsável remeteu para uma diretiva de 1985 sobre produtos defeituosos, a Diretiva 85/374/CEE do Conselho, de 25 de Julho de 1985, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-membros em matéria de responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos.
“Conforme definido pela Diretiva de Responsabilidade de produtos defeituosos, qualquer defeito deverá ser estabelecido perante o tribunal competente com a prova do dano, do defeito e da relação causal entre defeito e dano”, escreveu a comissária europeia. “A Comissão parte do princípio de que a segunda questão se refere a uma situação em que uma empresa não é responsabilizada devido a um defeito oculto. O Artigo 7 (e) da Diretiva prevê que ‘o fabricante não será responsável se provar: que o estado de conhecimento científico e técnico à época em que colocou o produto em circulação não permitia a descoberta da existência do defeito’. Se a empresa não for considerada responsável, não será obrigada a pagar indemnização.”
Em relação à última pergunta dos eurodeputados, Kyriakides respondeu: “Os acordos de compra antecipada de vacinas Covid-19 preveem que os Estados-membros possam indemnizar o fabricante por possíveis responsabilidades incorridas apenas sob condições específicas estabelecidas no acordo. Em todas as outras condições não definidas nos acordos, os Estados-membros não serão obrigados a indemnizar o fabricante.”
Em resumo, as farmacêuticas fabricantes de vacinas contra a Covid-19 ficarão livres de responsabilidade civil em caso de efeitos secundários provocados por “defeitos ocultos” que, à data em que colocaram vacina no mercado, não eram possíveis de aferir tendo em conta o estado de conhecimento científico e técnico.
A referida diretiva, que foi transposta para a lei portuguesa em 1989 pelo XI Governo Constitucional, liderado por Cavaco Silva e quando Mário Soares era Presidente da República, permite, ao abrigo do artigo 15.º, alínea b, a qualquer Estado-membro “em derrogação da alínea e) do artigo 7.º, manter ou, sem prejuízo do procedimento definido no n.º 2, prever na sua legislação que o produtor é responsável, mesmo se este provar que o estado dos conhecimentos científicos e técnicos no momento da colocação do produto em circulação não lhe permitia detetar a existência do defeito”, se comunicar à Comissão o texto da medida em causa. A referida provisão não consta da transposição para a lei nacional, o Decreto-lei n.º 383/89.
Conclusão:
Enganador. A publicação mistura factos verdadeiros e falsos. No que diz respeito à aprovação das vacinas, a alegação é falsa. Até à data, foram quatro as vacinas aprovadas pela Comissão Europeia: BioNTech-Pfizer, Moderna, AstraZeneca e Johnson & Johnson.
Quanto à responsabilidade civil dos fabricantes de vacina, a lei europeia permite, de facto, que as farmacêuticas fiquem livres do pagamento de quaisquer indemnizações, mas apenas em caso de efeitos não previstos, os chamados “defeitos ocultos”.
Segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:
ENGANADOR
No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:
PARCIALMENTE FALSO: as alegações dos conteúdos são uma mistura de factos precisos e imprecisos ou a principal alegação é enganadora ou está incompleta.
Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.