A 9 de novembro, mais de um mês depois das eleições legislativas, um utilizador do Facebook escrevia: “Confirma-se que o partido Chega necessitou de 66.442 votos para eleger um deputado enquanto ao PS bastaram 17.608 votos? (método de Hondt)”. Juntamente com a descrição, o utilizador publicou uma imagem com o nome de oito partidos que conseguiram eleger deputados para a Assembleia da República, acompanhados do número de votos que, alegadamente, foram necessários para que cada um conseguisse eleger pelo menos um deputado.
“A nossa lei eleitoral é uma patifaria. Um logro na nossa ‘democracia’, pois os mais votados elegem cada deputado por uma ninharia!!!”, lê-se no post, que teve quase 300 partilhas e uma série de críticas nos comentários. De acordo com esta imagem, o Livre precisou de chegar aos 55.656 votos para conseguir eleger um deputado, a Iniciativa Liberal aos 65.545 e o Chega aos 66.442, enquanto os partidos mais votados terão precisado de menos votos para eleger: 17.608 votos no caso do PS, 18.449 no caso do PSD, 25.920 votos para o Bloco de Esquerda, 29.919 votos para a CDU e 43.289 para o CDS.
No entanto, as contas foram feitas de forma errada. Os três novos partidos no Parlamento — Chega, Iniciativa Liberal e Livre — tiveram cada um mais de 50 mil votos a nível nacional e elegeram um deputado, mas não foram todos os votos que contaram para a eleição dos deputados únicos.
Em Portugal, a forma utilizada para converter os votos em mandatos é o método de Hondt, uma fórmula matemática que pega no total dos votos e os distribui pelos vários partidos, de forma proporcional. Na prática, divide-se o número de votos obtidos por cada partido em cada círculo eleitoral por 1, 2, 3, 4 e assim sucessivamente, até serem apurados todos os mandatos a distribuir. Os círculos eleitorais são um dos fatores determinantes para este método, conta a Comissão Nacional de Eleições (CNE).
No caso das eleições de outubro, foi utilizado este mesmo método. A partir desta contagem, o Chega conseguiu eleger André Ventura, a Iniciativa Liberal colocou João Cotrim de Figueiredo no Parlamento e o Livre conseguiu a eleição de Joacine Katar Moreira.
Os três partidos têm algo em comum: o círculo eleitoral onde conseguiram eleger um deputado foi o de Lisboa, que tem 48 deputados e é o maior do país. Neste círculo eleitoral, a Iniciativa Liberal teve 27.166 votos, o Livre 22.807 e o Chega 22.053 votos. O último deputado a ser eleito aqui, ou seja, o último a entrar nas contas para a Assembleia da República, foi Miguel Costa Matos, do PS, que precisou de 20.234 votos.
Ainda assim, nem o Iniciativa Liberal, nem o Livre, nem o Chega precisavam dos votos todos que tiveram em Lisboa para conseguirem eleger um deputado. Isto porque bastava que tivessem o mesmo número de votos que o último deputado teve para ser eleito em Lisboa. Neste caso, os 20.234 votos que pertenceram a Miguel Costa Matos, do PS. Ou seja, não só não precisaram de mais de 50 ou 60 mil votos para eleger, como ainda podiam ter tido um pouco menos votos do que aqueles que tiveram em Lisboa.
Pegando no exemplo dos dois partidos mais votados, é verdade que o método de Hondt tende a favorecer os partidos maiores. No entanto, no círculo eleitoral de Lisboa, os socialistas precisaram mais do que os apenas 17.608 votos enunciados e os sociais-democratas de 18.449 (embora esses valores até possam ser suficientes em círculos mais pequenos). Mas em Lisboa — tal como aconteceu com os partidos mais pequenos — cada um precisou de, pelo menos, cerca de 20 mil votos neste círculo (contando com o número de votos do último deputado dos partidos a ser eleito).
Na verdade, tudo depende do círculo eleitoral. Se em Lisboa o PSD, por exemplo, precisou de 20.744 votos para eleger um deputado, no círculo eleitoral de Castelo Branco os sociais-democratas tiveram mais votos para conseguirem um deputado: 24.764. No caso do PS, para o partido conseguir um deputado em Lisboa teve 20.234 votos, mas para conseguirem o mesmo número de assentos pelo círculo de Bragança os socialistas tiveram 23.215 votos.
No caso desta publicação no Facebook, os cálculos não tiveram em conta apenas o círculo eleitoral de Lisboa, onde os deputados dos três novos partidos foram eleitos, mas sim os resultados a nível nacional, divididos pelo número total de mandatos atribuídos a cada partido, assumindo que os círculos eleitorais têm todos o mesmo peso em termos de deputados eleitos.
Conclusão
Apesar de ser verdade que os partidos maiores tendem a precisar de menos votos para eleger um deputado, segundo o método de Hondt, a informação de que o Livre precisou de 55.656 votos para conseguir eleger um deputado, a Iniciativa Liberal 65.545 e o Chega 66.442, é incorreta, uma vez que estas contas basearam-se nos resultados a nível nacional e não apenas no círculo eleitoral de Lisboa, onde os deputados únicos foram eleitos.
Assim, segundo o sistema de classificação do Observador este conteúdo é:
Enganador
De acordo com o sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:
MISTO: as alegações do conteúdo são uma mistura de factos precisos e imprecisos ou a principal alegação é enganadora ou incompleta.
Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.