Numa altura em que se discute se o Parlamento pode, de facto, estender alguns apoios sociais, Catarina Martins, coordenadora do Bloco de Esquerda, diz que “o Orçamento do Estado foi feito com folga e com autorização ao ministro das Finanças para alterar verbas de um lado para o outro para ir respondendo à pandemia que não podemos prever”.

Em causa está a decisão do Parlamento de aprovar, contra a vontade do Governo, três diplomas que obrigam a mais despesa do Estado e que já foram promulgados pelo Presidente da República. Os deputados da oposição alargaram o âmbito dos apoios dos trabalhadores independentes, gerentes e empresários em nome individual; reforçaram o apoio aos pais que tiveram de tomar conta dos filhos em casa por causa do encerramento das creches e das escolas; e estenderam a mais profissionais de saúde os mecanismos excecionais de gestão.

O Governo tem defendido que estas medidas violam a chamada “norma-travão”, que está consagrada na constituição e que impede os deputados de apresentarem alterações que desequilibrem o Orçamento de Estado. Um argumento que não foi atendido por Marcelo Rebelo de Sousa, que lembrou, no entanto, que o Governo tem sempre o “poder de suscitar a fiscalização sucessiva da constitucionalidade dos diplomas agora promulgados”.

É perante essa possibilidade que a coordenadora do BE atira ao Governo que “o Orçamento do Estado foi feito com folga e com autorização ao ministro das Finanças para alterar verbas de um lado para o outro para ir respondendo à pandemia que não podemos prever”.

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Além disso, lembra que o orçamento foi feito em tempos de pandemia, sem se saber quais seriam as restrições futuras. “Ninguém tem a certeza da duração das medidas de apoio”, sublinha Catarina Martins, que entende, por isso, não haver “qualquer violação da lei-travão”.

A frase da coordenadora do Bloco de Esquerda remete para duas vertentes distintas. Por um lado, a margem orçamental. Catarina Martins retoma uma ideia que já tinha sido usada e mais detalhada pela deputada bloquista Mariana Mortágua — e que pretende demonstrar que, no ano passado, ficaram “por executar mais de mil milhões de euros de despesa” face ao Orçamento Suplementar de 2020, aprovado no início de julho.

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De facto, confrontando esse documento com o destaque do INE da passada sexta-feira, é possível perceber que o Governo gastou menos 1.090 milhões face ao valor que estava autorizado pelo Parlamento (o Orçamento Suplementar previa 99.177 milhões, mas o Estado acabou por gastar 98.087 milhões).

As administrações públicas gastaram menos 570 milhões de euros em consumos intermédios; menos 492 milhões de euros em prestações sociais; menos 489 milhões na categoria “outra despesa corrente”; e menos 352 milhões em juros.

Por outro lado, tiveram mais 639 milhões de euros de despesa em subsídios; mais 158 milhões de euros em despesas com pessoal; e mais 14 milhões de euros em despesas de capital.

Mas isto é apenas do lado da despesa. Qual é a diferença se se juntar também a receita? O Orçamento Suplementar apontava para um défice de 6,3% do PIB, só que o INE mostrou na passada sexta-feira que o valor ficou nos 5,7%. Essas seis décimas de poupança em 2020 face ao que se previa gastar representam cerca de 1,2 mil milhões de euros, uma diferença ainda maior. Ou seja, ao contrário do que tinha sido autorizado pela Assembleia da República no verão, o Governo não precisou de aumentar a dívida líquida em mais 1,2 mil milhões de euros.

Sobre a margem que o Governo tem para fazer face a outras despesas imprevistas, o ministro das Finanças disse já, a 14 de fevereiro, a propósito da TAP, que não precisava de corrigir o orçamento. “Nós não vemos necessidade de fazer um orçamento retificativo por essa via”, garantiu João Leão em entrevista ao Negócios e à Antena 1.

E na passada sexta-feira, deixou antever a previsão de um défice maior neste ano, por causa do impacto das moratórias. “Vamos rever bastante em alta os custos associados a estes apoios, que resultam das linhas [de crédito] com garantia do Estado, que — uma parte disso — vai ter impacto nas contas públicas, quer em 2021 quer em 2022”.

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Catarina Martins referiu ainda a existência da tal “autorização ao ministro das Finanças para alterar verbas” por causa da pandemia. Está em causa o artigo 8º da Lei do Orçamento do Estado para 2021, referente às “alterações orçamentais”, que no ponto 22 deixa claro que o Governo pode alterar rubricas relacionadas com a pandemia:

O Governo fica autorizado, através do membro do Governo responsável pela área das finanças, a proceder a alterações orçamentais resultantes de operações não previstas no orçamento inicial destinadas ao financiamento de medidas excecionais adotadas pela República Portuguesa decorrentes da situação da pandemia da doença Covid-19 entre os diversos programas orçamentais, como ainda financiadas pela dotação centralizada no Ministério das Finanças para despesas relacionadas com as consequências da pandemia da doença Covid-19″.

Conclusão

Catarina Martins disse que “o Orçamento do Estado foi feito com folga e com autorização ao ministro das Finanças para alterar verbas de um lado para o outro para ir respondendo à pandemia que não podemos prever”.

A questão relativa à lei-travão — que não se sabe se será ainda apreciada pelo Tribunal Constitucional — não é necessariamente respondida por esta frase de Catarina Martins, mas a afirmação está correta.

Por um lado, houve, de facto, uma diferença entre o valor previsto no Orçamento Suplementar para 2020 e o dinheiro que foi gasto ao longo do ano, aquilo a que o Bloco de Esquerda chama de “folga”. E, por outro, o Governo está autorizado a “proceder a alterações orçamentais resultantes de operações não previstas no orçamento inicial” decorrentes “da situação da pandemia da doença Covid-19”.

Assim, segundo a escala de classificação do Observador, este conteúdo está:

CERTO

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