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O autor desta newsletter vai de férias, logo esta newsletter também, e quando regressar já estaremos em “estado de contingência”, seja lá o que é que isso queira dizer, pois o Governo achou que podia anunciar que ia anunciar medidas adicionais daqui por duas semanas, mas sem dizer quais. Assim vamos, quando muitos se assustam com o aumento do número de casos de diagnosticados na Europa – mas só de casos diagnosticados, mas já iremos aos números – e muito medo ainda comanda a vida. Por isso, e também porque vou de férias, quero deixar-vos aqui um apanhado das notícias mais recentes, até porque me parece que, mesmo podendo haver uma “segunda vaga”, já se começa a ver a luz ao fundo do túnel. |
O primeiro sinal de que já não enfrentamos a doença como há seis meses é que mesmo podendo aumentar o número de infectados, não está a aumentar o número de doentes em estado crítico e, sobretudo, não está a aumentar proporcionalmente o número de mortos. Para se ter uma ideia geral dos números, e não ter de consultar as grandes bases de dados, sugiro uma visita à síntese do Financial Times que tem a vantagem dos interfaces gráficos de fácil leitura. E neles recomendo que olhem para os gráficos da mortalidade em excesso, pois verificarão que em quase todos os países do hemisfério norte (Portugal é neste momento uma das excepções) não há mortalidade em excesso. Pode ter começado a haver mais casos de covid, mas não está a morrer mais gente (e em Portugal estará a morrer mais gente por medo de covid do que de covid, um mal para o qual comecei a chamar a atenção bem cedo). |
Para perceber porque é que agora está a ser diferente vale a pena ler Why UK coronavirus deaths are falling even as cases are rising onde se exlica que “Changing age profile of infections and improved care are among the factors driving a reduction in mortality rates”. Basicamente o que sucede é que se realizam mais testes por todo o lado, logo apanham-se mais casos; os casos que se apanham são agora mais vezes de pessoas mais novas, logo de pessoas que muito mais raramente desenvolvem formas graves de doença; e por fim os médicos já sabem tratar melhor os doentes e já há medicamente mais eficazes. E ainda, “The final — and most controversial idea — is that genetic change is making the virus less virulent as it passes through human populations. “Viruses are prone to mutate as they move into a new host: human beings,” said Prof Openshaw. “Mutations could produce more or less severe variants but theory suggests that on the whole they are likely to be less severe.” |
Respirem pois fundo e não se assustem sempre que ouvirem dizer que o número de casos aumentou. Vejam também se o mesmo aconteceu com o número de casos graves e com o número de mortes. Até porque em Setembro vão reabrir as escolas e é preciso não alinhar no discurso de medo que muitos seguramente alimentarão. Só para ajudar a sossegar os espíritos fiquem sabendo que, como noticiou o El Pais, El mayor estudio hecho en campamentos de verano revela que los niños contagian menos el virus: “La investigación, que ha seguido a 1.900 niños y monitores en Barcelona, halla una transmisión hasta seis veces menor que en la población general”. Em concreto “Estos datos nos dan pistas cara a la apertura de las escuelas”, ha explicado Jordan. “Si hacemos las cosas con una serie de estrategias, la trascendencia de la apertura de las escuelas probablemente sea poca [en la incidencia general de la enfermedad] y las podremos abrir de forma segura y con unas tasas de transmisión lo más bajas posibles”, ha añadido.” |
E hoje foi publicado no British Medical Journal um outro estudo, ainda mais importante, que abrangeu 69.516 doentes tratados entre 17 de Janeiro e 3 de Julho em 260 hospitais do Reino Unido e cuja conclusão é: ‘Vanishingly small’ risk of death or severe illness for children from Covid. De acordo com declarações de um dos autores do Guardian, as únicas 6 crianças que morreram “were children with profound co-morbidities – not a touch of asthma and not cystic fibrosis” … Their conditions included cancer and serious neurological, blood or heart issues.” |
Depois também é preciso começar a ouvir palavras de esperança. Como as de Anthony Fauci, o famoso virologista que tem sido a principal figura da luta contra a doença nos Estados Unidos e se envolveu nalgumas polémicas com Donald Trump. Numa entrevista à Spiegel ele considera que “Helpless Means You Can’t Do Anything. There’s a Lot We Can Do.” Moderadamente sobre a chegada próxima de uma vacina, recusa que se tenha sentido deprimido durante este combate – “I don’t get depressed. I’m a scientist and a public health official. I don’t have an emotional response to an outbreak. I have a public health response to an outbreak and I never get demoralized. I’m a cautious optimist. I’m a realist.” – e é directo sobre o que podemos esperar: “Early studies in several of the candidates indicate that these vaccines can induce an immune response in the human – that is equivalent to, if not even better than what you see in people who’ve recovered from COVID-19.” |
Este ultimo aspecto é interessante pois uma das preocupações dos últimos dias foi o facto de terem aparecido as primeiras reinfecções confirmadas. É um tema que a Beatriz Ferreira explicou no Observador em Não produzimos anticorpos suficientes? E a vacina será eficaz? 13 respostas sobre os primeiros casos de reinfeção. Aqui encontra a informação essencial para compreender o que se passou, tal como fica actualizado sobre como poderemos desenvolver imunidade lendo esta síntese de Helen Branswell na Stat, Four scenarios on how we might develop immunity to Covid-19: |
- Sterilizing immunity: Sterilizing immunity would be a best-case scenario. It describes an immune system that is armed against a foe, able to fend it off before infection can take hold.
- Functional immunity: Under this scenario, people whose immune systems have been primed to recognize and fight the virus — whether through infection or vaccination — could contract it again in the future. But these infections would be cut short as the immune system’s defenses kick into gear.
- Waning immunity: A variation of functional immunity. In this scenario, people who have been infected or vaccinated would lose their protection over time. But even if immunity wanes, reinfections would be less severe
- Lost immunity: Lost immunity describes a scenario in which people who have been infected would lose all their immune munitions against the virus within some time frame. A reinfection after that point would be like a first infection
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Depois há outro ponto: que percentagem da população já está realmente imunizada? A doutrina divide-se, mesmo entre os especialistas. Há quem ache, por exemplo, que “Se está subestimando el porcentaje de población inmunizada frente a la covid”. Neste caso trata-se de dois biólogos espanhóis do Instituto Karolinska (Suecia) que participaram no maior estudo sobre a inunidade gerada pelo coronavírus. Nesta entrevista ao El Pais eles chamam a atenção que não se deve olhar apenas para os anticorpos que são detectados nos estudos serológicos, mas também para os linfócitos T, muito mais difíceis de estudar e detectar mas muito mais eficazes a combater a infecção: “Uno de los resultados más llamativos del trabajo es que el 46% de los donantes de sangre durante la pandemia presentaban linfocitos T, un dato que podría sugerir que la inmunidad de rebaño está al alcance. El umbral clásico de personas infectadas necesario para llegar a la inmunidad colectiva es el 60% de la población, pero un estudio recién publicado en la revista Science por matemáticos de la Universidad de Estocolmo calcula que podría bastar con poco más del 40%.” |
Mas mesmo imaginando que as coisas ainda se complicam há alguns consensos que se vão formando. Um deles é que não voltaremos a confinar de forma tão radical como em Março e Abril, o que obriga precisamente a olhar para a experiência sueca. Foi o que Edgar Caetano fez nesta especial do Observador, mais centrado nos impactos sociais e económicos do lockdown: Na Suécia, a crise económica só “doeu” pela metade. Não confinar foi a estratégia certa? A equação é delicada. Eis uma passagem do seu trabalho: “Sendo certo que numa pandemia as contas só se fazem no fim, a Capital Economics defende que “a experiência sueca traz muitas lições que outros governos podem aprender com vista a uma segunda vaga ou uma nova pandemia, no futuro”. Uma dessas lições, diz David Oxley, é que “o exemplo sueco de manter as escolas abertas durante a pandemia, que facilitou a vida dos pais que trabalham e não colocou o sistema de saúde em risco, pode ser um exemplo importante para os países que estão a ter dificuldades na reabertura das escolas”. Além disso, a Capital Economics deixa um outro conselho: “A clareza das mensagens políticas é tão importante quanto as próprias medidas que se tomam”. |
O Wall Street Journal também está a publicar uma série de grandes (e muito interessantes) trabalhos sobre a pandemia (pode encontrá-los reunidos na página The Covid Storm), sendo que um deles, New Thinking on Covid Lockdowns: They’re Overly Blunt and Costly também aborda este tema dos confinamentos. Depois de constatar o terrível impacto que a pandemia já teve na economia – “The equivalent of 400 million jobs have been lost world-wide, 13 million in the U.S. alone. Global output is on track to fall 5% this year, far worse than during the financial crisis, according to the International Monetary Fund” – o jornal conlui: “Masks may be the most cost-effective intervention of all. (…) The German city of Jena in early April ordered residents to wear masks in public places, public transit and at work. Soon afterward, infections came to a halt. Comparing it to similar cities, a study for the IZA Institute of Labor Economics estimated masks reduced the growth of infections by 40% to 60%. Klaus Wälde, one of the authors, said nationwide mask wearing is helping the German economy return to normal while keeping infections low. Goldman Sachs Group Inc.estimates a universal mask mandate in the U.S. could now save 5% of gross domestic product by substituting for more onerous lockdowns.” |
[Pequeno aparte: entre os trabalhos publicados nesta série chamo a atenção para a investigação China’s CDC, Built to Stop Pandemics Like Covid, Stumbled When It Mattered Most, onde mais uma vez se mostra como a China falhou nos seus deveres: “Local leaders in Wuhan, consumed with domestic politics, did an end run around the Western-educated virologist whose agency was supposed to contain new contagious diseases”.] |
Para quem gosta de ser desafiado nas suas convicções, e de não seguir o pensamento dominante, sobretudo no que respeita às regras do confinamento e à forma como temos tido medo e actuado em pânico, recomendo a leitura, sempre estimulante, de Henrique Pereira dos Santos no blogue Corta Fitas (“O que nos venderam permanentemente é que teríamos de agir rápida e brutalmente como na Nova Zelândia para mais rapidamente retornar tudo à normalidade, mas esqueceram-se de explicar que, com essa doutrina, a normalidade é esta: quatro casos positivos e volta tudo ao princípio, sem apelo nem agravo, e sem a menor garantia que depois de passado este surto não recomece tudo outra vez porque apareceu de novo um pequeno surto sem que ninguém saiba porquê.”) e do sempre inconformado Rentes de Carvalho no seu blogue pessoal Tempo contado (“Querem vocês, senhores do mando, ir àquela parte, deixar-nos em paz e com a liberdade de fazer como nos apetece? O número de mortos nos Países Baixos causado pelo Covid anda agora ao redor de 1.200 e mete medo. Ninguém se assusta que anualmente morram aqui 20.000 pessoas devido ao tabaco, ou que aumente assustadoramente o número amputações em diabéticos que devido às circunstancias do Covid não são atendidos a tempo. Tudo isso importa nada coisa nenhum. Fechem mas é os velhinhos e não se esqueçam das máscaras.”) |
Para uma visão de quem tem estado na linha da frente, recomendo duas conversas com dois médicos do Hospital de São João, uma saída há já uns tempos no Expresso, “Estamos tão cansados que tenho algum receio que toda a energia e boa vontade que tivémos na primeira vaga possa não existir na segunda”. a conversa do intensivista Roberto Roncon com Christiana Martins, e uma entrevista de Maria Martinho do Observador ao Chefe dos intensivos do Hospital S. João: “Os ventiladores são inúteis se não tiverem pessoas preparadas para os trabalhar”. |
Como leituras capazes de alargar os nossos horizontes as minhas recomendações vão para esta pré-publicação do mais recente livro de Jaime Nogueira Pinto, Contágios, Peste Negra, a epidemia que durou 150 anos, e para um extraordinário ensaio da Economist da semana passada dedicado ao mundo dos vírus. É um daqueles textos como que se aprende muito: Viruses have big impacts on ecology and evolution as well as human health. Pequeno aperitivo: “The viruses most prevalent in the human body are not those which infect human cells. They are those which infect the bacteria that live on the body’s surfaces, internal and external. The average human “microbiome” harbours perhaps 100trn of these bacteria. And where there are bacteria, there are bacteriophages shaping their population. The microbiome is vital for good health; when it goes wrong it can mess up a lot else.” |
E pronto. Por hoje, por este mês de Agosto, é tudo. Agora vou mesmo de férias. A todos desejo bom descanso e boas leituras. Mesmo aos que fazem a viagem em sentido contrário e estão quase de regresso ao trabalho. Melhores dias estão a chegar. |
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