Na quinta feira passada fui inundado por mensagens que me enviavam, para ler, ou me aconselhavam a leitura do habitual artigo de opinião de João Miguel Tavares, na edição do “Público” desse mesmo dia, 6 de Abril de 2023.

Começava assim o artigo (e cito): “Sejamos honestos: se o primeiro-ministro português se chamasse Pedro Santana Lopes, o Presidente da República estaria neste momento a preparar a queda do Governo e a dissolução do Parlamento.”

Segue — o artigo em causa, como tantos outros, desde 2005 — uma linha de argumentação sobre a comparação do que está a acontecer neste último ano com o que (fizeram crer que) aconteceu em 2004.

Episódios…

É que, pelo menos no “episódio” que me envolveu, como ministro, tratou-se, tão só, de uma simples declaração sobre a necessidade de respeitar um princípio básico em democracia.

Declaração a partir da qual trataram de criar um conjunto de falsidades.

Ainda assim, mesmo com todas essas inverdades, a situação não é comparável com tudo o que se vem passando neste Governo e que motivou o artigo de João Miguel Tavares, no qual estão reproduzidos todos os argumentos de quem não pactua com este tipo de atitudes (como não pactuaram, diga-se, com os desmandos de um dos períodos mais negros da história democrática português, nos tempos de má memória do anterior primeiro-ministro socialista,)

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Quem, em 2004, optou pela dissolução, contra a maioria existente na AR, para lá colocar José Sócrates — nunca é demais repeti-lo — não teve coragem para enunciar, de forma concreta, um único caso (dizem-nos que a razão terá sido, imaginem, o primeiro-ministro ter afirmado que se sentia como um bebé no berço a receber bofetadas de alguns familiares).

E não teve — porque não existiram — a não ser os que foram fabricados para poderem ser invocados!

… escândalos…

Não se pode, por isso, comparar o incomparável! Porque toda esta série de episódios tristes, de confusão do Estado com o Partido, dando uma sensação de impunidade e de um total desrespeito pelos princípios da vida democrática, que atingiram o seu auge com o caso TAP, não podem ser comparados com nada desde o 25 de Abril.

Por onde andará a invocação da moral republicana pelos habituais arautos da esquerda, que se arvoram em representantes únicos, exclusivos e eternos dessa pretensa superioridade moral face a quem não professa os mesmos ideais?

Mas, então — perguntará o leitor — sendo tanto mais grave, porque não há dissolução da AR ou demissão do Governo?

e egoísmos de quem tinha uma agenda própria (para não lhe chamartraições)

Por um conjunto de razões, valendo  cada uma delas, só por si, para levar a uma crise política.

Desde logo, porque não temos um Presidente da República a viver atormentado com complexos de esquerda (no caso presente, de direita), a querer acabar o segundo mandato em Belém com a “sua” esquerda (direita, nos tempos de hoje) no poder!

Porque – sejamos claros – o que aconteceu em 2004, face ao texto da Constituição, foi um verdadeiro golpe de estado… “constitucional”.

Uma segunda razão, bem mais importante que a primeira (já que a sustentou e lhe deu uma aparente legitimidade, apoiada em todos os quadrantes políticos): esta maioria não tem, dentro de si, egoístas com uma agenda própria dentro dela.

Sim, elementos dos partidos da maioria com estratégias indiretas, que privilegiavam outros interesses que não o da continuação de uma maioria estável e coerente dos seus partidos no poder.

E já não falo — para os com menos memória — das intervenções de duas figuras destacadas do PSD no Congresso de Barcelos (12, 13 e 14 de Novembro de 2004), onde, a 2 anos de eleições legislativas, se entretiveram a lançar a questão de listas conjuntas com o então parceiro de coligação, o que fez desse o tema central nesses dias, o que serviu às mil maravilhas à oposição.

Ou elementos ligados aos interesses económicos dos partidos da maioria, a combater o Governo por razões com que os seus “patrões” não concordavam. Os mesmos que, em 2015, vieram terçar armas por… listas conjuntas. E desses não tem o PS hoje lá dentro!

Só o fizeram porque, em conjunto com outros destacados militantes com agendas próprias, entendiam que só poderiam ser eleitos, um e uma, Presidentes do Partido, e outros… dois, Presidentes da República, se aquele Governo caísse. E desses não tem o PS hoje lá dentro!

De facto, sem a queda desse Governo (a “má moeda” — lembram-se? — para lá meterem essa moeda fantástica chamada … José Sócrates), Cavaco não chegaria a Presidente em 2006 e Marcelo, que teria sempre de esperar pelo fim dos mandatos de Cavaco, não seria eleito para o que é hoje … em 2016.

Essa é a diferença entre 2004 e 2023! Para além da gravidade do que vemos, ouvimos e lemos, essa é a diferença!

No PS não há uma “quinta coluna” — não confundir com “Quinta Divisão”, embora possa ser parecido – com peso político que queira António Costa fora do poder.

Para não falar nas moticações mesquinhas de vingança dos piores caracteres que então conheci, instrumentalizados pela oposição ou pelas pessoas dos antigos círculos de poder.

Por tudo isto, porque continuamos a não ter um único caso concreto relevante passível de ser invocado em 2004, ao contrário do que aconteceu em 2022 e está a acontecer em 2023 (máxime, no caso TAP), é que não podemos comparar o incomparável.

Por isso Sócrates fez o que quis de Cavaco em Belém. E Costa está a fazer o que quer de Marcelo.

Poderão dizer, sim, mas isso só é possível, porque o PSD não existe! Pois, eu sei. Mas isso já é outra história!