Agora que a tokenização já começou na União Europeia, talvez seja altura de revisitar as estratégias de negócio em função das ameaças e oportunidades criadas naturalmente pela adopção das DLT (Distributed Ledger Tecnology, e.g., Blockchain).

Tal como aconteceu com a internet, a Web e a mobilidade, para dar apenas três exemplos dos mais importantes, as atividades económicas vão outra vez sofrer uma reconfiguração significativa, a ponto de eu já aqui ter defendido o início da 4ª Revolução Industrial.

Estou a referir-me naturalmente a todas as atividades económicas e não apenas à DeFi. Como promovido pelas DLT é essencialmente diferente, temos de repensar as estratégias de negócio. Então, o que vai mudar nos padrões de competição? Apetece dizer: tudo!

Antes do mais, convém saber reconhecer a entrada na fase de maturidade das tecnologias. É que todas elas seguem um padrão de adoção que começa sempre pelos mais entusiastas. Mas só quando as propostas de valor forem interessantes para a generalidade dos consumidores é que a tecnologia subjacente se pode considerar madura. Ora, com quase 15 anos de existência, podemos considerar que a DeFi já amadureceu, mas dada a sua natureza não-regulada, a sua criação de valor económico estará sempre circunscrita a um nicho.

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As propostas de valor com DLT estão a começar a estender-se aos ativos e direitos regulados, o que justifica um importante alargamento do número de consumidores. Tal como com todas as tecnologias de informação até hoje, essa adoção torna-se palpável quando a sua utilização é visível à nossa roda. Vai acontecer, e se calhar mais depressa do que imaginamos. Será uma disrupção, e é natural que a sua evolução na economia ocidental não seja muito diferente do que se passou na China na última década. É que a China já eliminou há mais de uma década as barreiras à utilização dos smartphones nas atividades económicas, incluindo os pagamentos, e a tokenização da nossa economia significa precisamente passar a executar transações com recurso às wallets nos smartphones, entre outros dispositivos eletrónicos. Ora, a conveniência dos smartphones é inegável. Então o que vai mudar quando a tokenização entrar no ciclo de maturidade?

Encontramos a resposta nos ecossistemas, pois as DLT são a primeira tecnologia na história da humanidade onde é possível desenhar e criar ecossistemas de raiz. Os ecossistemas tem sido sempre uma consequência das actividades económicas mais granulares, e tem sido assim que os estrategas de negócio têm assumido a análise externa, e sempre muito focados em indústrias específicas! Além disso, na nossa análise estratégica, devemos ter consciência da complementaridade entre os ecossistemas e as cadeias de valor, pois são formas distintas de ver as interligações entre as atividades de negócio. Consequentemente, quando são os ecossistemas a criar as cadeias de valor, e não o contrário, devemos contar com três efeitos distintos: (i) a potencial desintermediação de segmentos de negócio, (ii) o aparecimento de novos negócios, como, por exemplo, novos intermediários, e (iii) a alteração dos padrões de competição. Esta última é, aliás, nova e surpreendente, pois as DLT têm o poder de transformar propostas de valor anteriormente diferenciadas, algumas até na origem de monopólios naturais como as Big Tech, em serviços indiferenciados e tão baratos quanto o seu custo marginal diminuto. Aliás, a prazo, as próprias Big Tech terão de se reposicionar num mundo onde reinará a privacidade da identidade digital, pois a identidade digital também vai ser tokenizada, tal como já aqui expliquei.

Em suma, a criação de ecossistemas carece de modelos estratégicos apropriados, todos eles baseados na gestão dos efeitos de rede. Além disso, é preciso saber navegar no novo equilíbrio das cadeias de valor originadas, onde também são os efeitos de rede a permitir uma interpretação apropriada. Fica, portanto, desde já prometida uma visita guiada a esses famosos efeitos de rede, ferramenta estratégica essencial daqui para a frente.