A humanidade desde que existe a possibilidade de contarmos a nossa história, teve sempre uma natural pulsão pelo progresso, pelo avanço, ou, quanto muito, pela perceção de que o está a alcançar. Atualmente, a Inteligência Artificial é através da tecnologia associada, o progresso em si mesmo. Mas tem custos e degenerações que necessitam de maior reflecção e pensamento critico, porque este tipo de evolução, pode, se for usado para fazer mal, criar toda uma realidade alternativa que periga todas as estruturas da nossa sociedade.

Imaginemos que este texto que está a começar a ler, daqui a uns anos, por não corresponder aos cânones vigentes das vanguardas dos tempos vindouros, for modificado.

Que credibilidade se pode dar a um texto que é modificado por outros, pelo “bem comum” definido somente por uma parte que se acha dona desse “bem”, numa missão de não ofender, em nome de um autor antigo que não se pode manifestar? A resposta até há pouco tempo, era obvia, não tem.

Mas o que se anda a passar agora, em 2023 é mesmo isso. Assistimos a um conjunto de revisões de livros que não podem ser normalizadas, modificar obras publicadas é uma mutilação, e tem o cúmulo nefasto de transmutar o que foi a obra original assinada pelo autor.

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As perguntas que não me saem da cabeça nesta reflexão são: Será que é este o caminho do progresso que queremos? Será a mutilação de obras um avanço civilizacional? Será que a vanguarda seja ela qual for, capta as vontades maioritárias da humanidade? Não haverá alguma arrogância social neste logro vanguardista de uma evolução parcial, mas ao mesmo tempo “obrigatória”? Mudar textos, histórias e todo o tipo de literatura já publicada não é abrir uma grande caixa de pandora, onde as minhas dúvidas têm respaldo? Claro que é.

Ao mesmo tempo que escrevo este texto, os livros de Roal Dahl, Agatha Christie, Enid Blytin e Ian Fleming, foram mutilados por outros, em nome do mundo ideal, utópico, inclusivo e da não ofensa, por aqueles que vêm o mundo muito “quadrado” e dividido em guetos de características avulsas, e bem definidas, e por isso, passiveis de serem ofendidas por todos os que se propõe intervir ou já o fizeram num passado curto ou longo, no espaço público através da literatura, jornalismo ou mesmo escrever história.

Quem garante a credibilidade e idoneidade? Será que os meus netos irão ler os mesmos livros que eu li, com o mesmo título e o mesmo autor, mas com o conteúdo textual totalmente diferente e alterado?

Ora se aglutinarmos isto com a cada vez mais real manipulação de imagens, em que podemos acreditar? Ainda o mês passado fomos inundados com as imagens falsas e realistas de Trump a ser preso, ou de Putin ajoelhado perante o Presidente Chinês Xi Jinping, não estaremos a perder aqui o valor lato da verdade, sabendo de que há várias perspetivas de uma mesma verdade, mas não será esse conjunto de perspetivas que tornam a realidade, real?

As últimas noticias que vi sobre a Inteligência Artificial, deixaram-me alarmado, exemplo do caso da entrevista a Michael Schumacher, grande campeão de F1 que infelizmente teve um acidente que o atirou para uma situação de anonimato, só que a entrevista que lhe fizeram, não existiu, era falsa, foi um logro, uma mentira.

Neste tempo, onde escrever e publicar alguma coisa pode ser alvo de modificações pelas vontades de terceiros, onde as imagens podem ou não ser reais, até as entrevistas podem ser inventadas, não é perigoso centralizar e usar a inteligência artificial no dia a dia, sem que tenha havido uma reflexão de fundo sobre a sua utilização?

Não estaremos nós viciados numa forma de realidade alternativa que apesar de não existir, nos parece fazer ultrapassar essa barreira basilar das verdades reais?

O risco de distorcer o que é real, potencia a desinformação, imiscui-se e pode degradar desde indivíduos a Estados inteiros, pode provocar a guerra e empurrar conflitos para escaladas enormes, a crença de que estas plataformas têm nelas a razão do mundo, cria um grau de confiança tal que não há forma de voltar para trás.

Pessoalmente, a resposta devia estar nos valores intrínsecos do humanismo, que devia pautar na nossa sociedade, meter as esperanças na artificialidade da inteligência digital só leva a dividir em cada vez menores parcelas aquilo que nos faz humanos, que é a interação social entre indivíduos e o meio que nos rodeia. Por isso temos de continuar a ser críticos, e a estar cada vez mais prevenidos para os “milagres” dos oráculos que o mundo contemporâneo nos pode arranjar.