A Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada em 1948, foi uma premência universal de justiça e paz, após a II Guerra Mundial. A intenção era proteger a visão realista do Homem em sociedade, ou seja, um homem e uma mulher que se casam para constituir família e terem filhos, que trabalham, que têm um país e uma nacionalidade, que são proprietários, que têm uma religião, ou seja, pessoas normais, com uma vida normal.

A dignidade humana era tida como um elevado conceito revelador do valor intrínseco do Homem, um ser superior aos outros seres. Na perspectiva cristã, o Homem tem dignidade porque foi criado à imagem de Deus, possuindo uma alma imortal e sendo a única criatura dotada de racionalidade e liberdade.

Porém, o conceito ocidental de Homem realizado e integrado numa sociedade mudou muito – hoje defende-se o indivíduo separado de tudo, sem família, sem país, sem religião, numa espécie de liberdade oferecida por novos direitos, mas que é uma liberdade de órfãos, de indivíduos desenraizados, tornando-senum campo de batalha ideológica, num terreno de confronto civilizacional a nível mundial.

Nesta perspectiva materialista, a dignidade está a ser-lhe retirada, colocando o homem ao  nível de qualquer espécie animal, embora pensante e dotado de livre arbítrio. Admite que o corpo humano, incluindo os órgãos e processos reprodutivos, nada mais são do que a consequência de uma evolução biológica resultante do acaso, tornando-se legítimas todas as formas de sexualidade e todas as transformações da reprodução humana que a tecnologia viabiliza, originando então, novos direitos relacionados com o corpo e a família.

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Os direitos do Homem de hoje fazem promessas de poder sobre a vida, sobre a morte, sobre a mudança de sexo, passando de direitos humanos a direitos do indivíduo e por fim, a direitos transnaturais.

Estas recentes tomadas de posição, reflectem a ambição do homem, que se considera capaz de se transformar e superar-se, ser criador de si próprio e já não um ser criado por Deus. Assim surge o Transhumanismo, movimento cultural, intelectual e científico, que visa substituir a evolução natural do ser humano, transformando-o através do desenvolvimento de tecnologias amplamente disponíveis, nomeadamente a nanotecnologia, a biotecnologia, a tecnologia informática, as teorias do conhecimento e neurociências. Com estes elementos, preveem aumentar as capacidades intelectuais, físicas e psicológicas humanas, eliminar a doença, potenciar o prazer, travar o envelhecimento.

A corrente transumanista, herdeira do iluminismo, do positivismo e do evolucionismo, pretende “fabricar” seres humanos mais aperfeiçoados, criando uma nova realidade, portadora de inteligência artificial “brilhante”, robôs omniscientes e máquinas todo-poderosas que ultrapassem a condição humana. Porém, este plano não se reduz a um hipotético benefício de saúde para a humanidade, mas tem como fim investigar e fazer experiências com seres vivos, incluindo seres humanos, sem qualquer limite ético.

O Transhumanismo é considerado por alguns críticos, como o movimento que tem as ideias mais ameaçadoras para mundo, as aspirações mais arrojadas, imaginativas e clivantes para a humanidade.

Preocupado com a realidade destas alterações Grégor Puppinck, jurista, diretor-geral do Centro Europeu para o Direito e a Justiça e também perito da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE) e do Conselho da Europa sobre liberdade religiosa, reflecte no seu livro “Os Direitos do Homem Desnaturado” sobre as grandes mudanças antropológicas de cariz laicista, procurando partilhar a sua visão cristã sobre o que é o Homem.

Reitera que Deus, ao revelar-se aos homens, também revelou o Homem a si mesmo. Ou seja, Deus, a revelação e a encarnação de Cristo, dão-nos a conhecer a nossa essência e estabelece uma alteridade divina: o Homem vê em Deus a sua imagem perfeita.

Ao perdermos esta referência, abdicamos também da revelação sobre nós mesmos, da visão abrangente de Homem e refugiamo-nos numa busca de poder e de prazer que se integra numa atitude ateia, materialista, evolucionista, negativista e vazia de sentido.

Nesta perspectiva, o critério de justiça é completamente relativista, não respeitando a lei, recorrendo a um novo processo dialéctico, impondo a solução que considera mais avançada de acordo com os desejos individuais ou dos poderes que representam.

Expoente máximo de um mundo sem Deus, laicizado e desumanizado, onde paulatinamente se foram derrubando todos os ancestrais conceitos da tradição antropológica, numa estratégia de criação do homem pelo homem, desvirtuando a pureza dos objectivos da ciência.

O conceito de antropologia e evolução natural, são suplantados por uma “miragem” ideológica de poder criar novos seres, numa ousada atitude prometeica ou um simbólico retorno ao paraíso perdido, onde impera o desejo individual infinito, sob forma de um novo totalitarismo: o desejo tornado lei ou o império do desejo.

Março 2022