Nem só com mísseis, carros de combate e outro tipo de armamento se faz a guerra. O domínio da comunicação com o(s) público(s) é também um importante vetor estratégico em cenário de crise originado por conflito armado.
A “batalha” em torno da comunicação é uma das áreas de atuação da Guerra da Informação, através da qual se procura obter vantagem competitiva sobre o adversário no contexto militar, embora possa também ser utilizada no domínio civil. A invasão da Ucrânia pela Rússia permite também uma análise em torno da forma como os dois países se confrontam neste domínio.
Na era da informação global e mediática, fazer a guerra unicamente pelas armas não é suficiente, embora o poderio bélico continue a ter o papel determinante. Os poderes políticos não ignoram, contudo, o poder da opinião pública e procuram influenciá-la e condicioná-la, visando a adesão às suas propostas, neste caso a adesão à necessidade de promover o conflito armado.
A guerra armada continua a ser suja, no sentido em que causa destruição de bens e a morte de pessoas, muitas vezes civis inocentes. E mesmo os soldados mortos no campo de batalha são pais, filhos ou netos de alguém, pelo que a sua morte – mesmo podendo ser expectável – é também causadora de forte comoção junto da população.
A guerra traz também consigo elevadíssimos impactos económicos, os quais exigem grandes sacrifícios económicos e financeiros aos cidadãos. Dizer que a guerra não traz nada de bom é uma daquelas lapalissadas que são indiscutíveis.
Deste modo, um Estado com ímpetos beligerantes que deseje promover a guerra necessitará de um forte apoio por parte da opinião pública desse país. Mesmo em regimes autoritários, ignorar essa necessidade pode influenciar o desenrolar do conflito.
Existem várias formas de influenciar, condicionar e moldar a opinião pública, mas esse não é o objeto deste artigo. A análise irá circunscrever-se ao domínio da comunicação nestes dias decorridos desde a invasão da Ucrânia.
“Na guerra, a verdade é a primeira vítima”, é frase atribuída a Ésquilo e muitas vezes referida no contexto da guerra. Efetivamente as partes beligerantes tendem a procurar impor a sua verdade, trabalhando-a de acordo com os seus objetivos estratégicos.
Não há inocentes neste domínio: os atacantes porque precisam – como vimos atrás – de segurar o apoio da sua população e os atacados porque precisam de manter a sua população unida em torno da resistência ao agressor. Nestes dias de conflito temos já exemplos suficientes de manobras de informação e contrainformação.
Veja-se o caso da história em torno dos soldados resistentes da ilha de Cobra ou a origem do míssil que atingiu um prédio residencial em Kiev. Por diversos motivos, é extremamente difícil perceber, em tempo útil, qual das versões que circulam é a verdadeira.
De qualquer modo, é legítimo que se pergunte quem está a ganhar, até ao momento, esta guerra da comunicação? A resposta é clara: a Ucrânia.
Os motivos para esta resposta são simples. Logo à partida porque, em contexto de crise, existe uma tendência – por parte dos media, mas também por parte dos indivíduos – para uma hipervalorização das vítimas. Gostaria de não ser mal interpretado: as vítimas desta agressão são indiscutivelmente vítimas, mas a carga emocional em torno desta questão contribui para uma natural irracionalidade e consequente hipervalorização.
Pelo contrário, aqueles que são entendidos como os responsáveis pela crise – e neste caso esse papel é claramente atribuído ao governo russo e, por muito que muitos dos seus nacionais não apoiem a decisão desse governo, ao país como um todo – recolhem a antipatia do público. A acompanhar esse título de campeão da antipatia vem igualmente um exame severo – quase sempre hipercrítico – a partir do exterior.
Outras características das crises estão muito estudadas do ponto-de-vista das ciências da comunicação. Mas os dois exemplos dados são por ora suficientes para mostrar porque a Ucrânia recolhe, neste momento, a simpatia da generalidade da opinião pública e a Rússia tem em cima de si o odioso da contenda.
Por outro lado, as redes sociais online são hoje um instrumento de comunicação com um peso junto da opinião pública como não havia ainda sucedido em qualquer outra guerra. E também nesse domínio a vantagem pende para o lado ucraniano.
Mais por movimentos espontâneos dos utilizadores do que por uma estratégia deliberada por parte das autoridades ucranianas, diga-se. Isto pese embora a interessante utilização destas redes por parte de Zelensky, que merecerá seguramente uma análise posterior mais cuidada por parte do mundo académico e dos interessados nestas matérias.
De qualquer modo, as redes sociais estão inundadas de símbolos da resistência ucraniana aos invasores russos: a modelo que orgulhosamente enverga agora um uniforme militar e a espingarda automática a tiracolo, as crianças inocentes que saúdam a coluna militar a caminho da guerra, o idoso desarmado que esbofeteia corajosamente o soldado inimigo, entre muitos outros exemplos. As imagens são verdadeiramente poderosas para a já aludida influenciação da opinião pública.
Todo este ambiente influencia também os órgãos de comunicação social e os jornalistas. Neste meio pequeno que é Portugal e o nosso panorama mediático, faça-se uma breve análise (no salutar sentido académico, claro está) dos conteúdos publicados nas redes sociais pela generalidade da comunidade jornalística nacional e facilmente se verifica para que lado do conflito pendem as emoções destes profissionais.
Este apoio mediático reflete-se obviamente na cobertura noticiosa e influencia ainda mais a opinião pública. Temos aqui uma espiral – e esta afirmação não encerra qualquer tipo de crítica – de influenciação que culmina numa corrente claramente prevalente para um dos lados do conflito. E que essa corrente seja desfavorável ao provocador do conflito nada tem de surpreendente, é na realidade, pelo que já se expôs perfeitamente natural e até compreensível.
Será, no entanto, isto suficiente para ganhar a guerra? Não.
No final do dia, será a força das armas a ditar o resultado. Mas a força da opinião pública e a forma como se manifestar poderá ser um fator decisivo para a duração do conflito, para forçar o retomar de negociações diplomáticas e para o julgamento que será feito sobre a atuação de cada uma das partes beligerantes.