Ante o desastre que foi a audição perante a Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco, Nuno Vasconcellos surge desta feita numa grande entrevista no Observador. Entrevista muito oportuna, diga-se.

Muitos dirão que oportuna, sobretudo para o próprio entrevistado. Como que uma espécie de tentativa de limpeza da imagem pessoal do gestor após a catástrofe (mais uma!) a que muitos assistimos na atrás referida iniciativa parlamentar.

Tentativa essa, na qual não faltaram simpáticos soundbytes, como a jura de um regresso a Portugal (porque espera?) para pagar as dívidas aos seus ex-trabalhadores até ao último tostão. Quase que me comovi, sentindo-me até tentado a lançar uma iniciativa de crowdfunding para financiar as despesas de viagem e alojamento para o cumprimento dessa promessa.

Oportuna também, têm argumentado alguns, para demonstrar uma certa passividade dos media perante os ex-donos disto tudo. Efetivamente, passa ainda pouco tempo para que nos esqueçamos de uma certa embriaguez mediática perante as grandes figuras do capital nos anos loucos da alta finança.

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Essa embriaguez foi impeditiva de que a generalidade da comunicação social tenha muitas vezes colocado as questões que já então se impunham. Sobre isso dever-se-ia também fazer uma reflexão.

Mas não é nada do que atrás referi que me leva a escrever estas linhas. É outro o motivo que me leva a considerar a entrevista como extremamente oportuna.

Considero mesmo que tem o grande mérito de constituir-se como documento histórico de grande relevância. Documento esse que caracteriza a postura de alguns dos atores de uma época e de vários episódios, cujos custos reais para os contribuintes portugueses estão ainda por apurar.

Duas palavras ocorrem-me perante tal testemunho de Nuno Vasconcellos: desfaçatez e irresponsabilidade.

Desfaçatez perante a fuga à assunção de responsabilidades. Lapsos de memória, interpretações convenientes do que se passou e tentativa de reescrever acontecimentos.

Desfaçatez pela evasiva em muitas das respostas, sempre que conveniente ao entrevistado. Por contraste com o detalhe e pormenor em algumas passagens, sempre que tal é relevante para a defesa de tão injustiçado gestor.

Irresponsabilidade pela forma como muitos destes intervenientes fizeram negócios. Como aquela passagem em que candidamente dá conta “ah e tal, estava na praia, encontrei o administrador e ele perguntou-me se não queria reforçar a presença na estrutura acionista”… chegaria a ser cómico, se não fosse tão trágico.

Irresponsabilidade pela forma como não foram capazes de ponderar e antecipar as consequências dos seus atos. Com exceção, diga-se, de antecipar uma airosa saída para o Brasil, país com o qual, por coincidência seguramente, Portugal não tem acordos de extradição.

Não, nada disto é normal. Por isso mesmo, esta entrevista merece ser lida e relida, partilhadada até à exaustão.

O tempo tratará de levantar o véu e permitir que se esclareçam muitas questões que precisam ser esclarecidas sobre estes capitalistas selvagens. Infelizmente isso já será demasiado tarde para muitos dos afetados e vamos andar, durante muito tempo, a pagar a fatura de toda esta irresponsabilidade.

Mas uma coisa é já certa. Os Távoras já não estão sozinhos na galeria das famílias malditas deste país.