Uma das mais justas causas humanitárias é, decerto, a da emancipação da mulher. O fundamento desta justa reivindicação decorre, com necessidade, da comum natureza humana, que não admite hierarquias, nem subalternizações. Já muito se fez neste sentido mas, “segundo as Nações Unidas, a este ritmo só daqui a 130 anos se poderá alcançar uma verdadeira igualdade de género no topo da hierarquia política dos países no mundo”. Com efeito, segundo a ONU, as mulheres representam apenas 5,9% dos Chefes de Estado e 8,8% dos primeiros-ministros.
É louvável o esforço que se tem feito para ultrapassar estereótipos sociais que promovem a desigualdade, bem como o preconceito de uma suposta inferioridade feminina, que a ciência não só não confirma como nega rotundamente.
Ao contrário do que se costuma supor, a Bíblia estabelece a igualdade entre os dois sexos. Com efeito, logo no seu primeiro livro, o Genesis, ao referir a criação do ser humano, recorda as suas duas modalidades – feminina e masculina – e institui entre ambas a igualdade, na dignidade da comum natureza. É verdade que a Adão é dada, num relato, a prioridade temporal e que Eva é feita a partir da sua costela, mas para assim expressar que a mulher é igual ao varão na natureza e, portanto, na dignidade. Igualdade que não obsta à distinção entre a feminilidade e a masculinidade, cuja complementaridade é, pela união conjugal, princípio da vida e fundamento da família natural.
O episódio bíblico do pecado original expressa até, significativamente, um certo protagonismo da mulher em relação ao homem: é ela que é interpelada pelo tentador e é ela também que leva o homem a transgredir a ordem divina. Portanto, no relato do pecado original, não há nenhum machismo, antes pelo contrário.
Se assim aconteceu com Eva, a primeira mulher, de forma ainda mais clamorosa aconteceu com Maria. O género humano foi afectado pelo pecado original, que se transmitiu a toda a humanidade, com excepção de Maria, a segunda Eva, a quem se ficou a dever a salvação, não por ela própria que, enquanto criatura, a não podia alcançar, mas porque foi através dela que, em Jesus Cristo, se redimiu o mundo.
O relato evangélico da concepção de Jesus, segundo Mateus, está centrado em José, e não em sua mulher, mas para deixar claro que o marido de Maria não interveio na geração de Cristo. Com efeito, a genealogia de Jesus de Nazaré é estabelecida pela ascendência masculina de José mas, ao chegar a este, o evangelista esclarece que não é, em termos genéticos, pai de Jesus: “Jacob gerou José, o esposo de Maria, da qual nasceu Jesus, chamado Cristo” (Mt 1, 16).
Lucas é o outro evangelista que se refere às circunstâncias absolutamente singulares da concepção do filho de Maria. Segundo o seu Evangelho, é revelado à “virgem desposada com um varão, chamado José” (Lc 1, 27), que conceberá no seu ventre e dará à luz um filho, não por intervenção humana, mas por acção do Espírito Santo. Por isso, o filho que há-de nascer será Filho de Deus (Lc 1, 35).
O mistério desta concepção virginal só é acessível a quem recebeu o dom da fé cristã, mas há um dado que é a todos evidente: Maria é uma mulher casada e, não obstante, o emissário divino não se dirige a José, mas a ela! Não só na antiguidade, como também no século passado, a mulher solteira dependia do pai e, uma vez casada, ficava sob a autoridade do marido. Portanto, de acordo com as tradições daquele tempo, deveria ter sido a José, enquanto marido de Maria, que deveria ter sido pedido o consentimento para que em sua mulher fosse concebido o Filho de Deus, não só pela primazia do varão sobre a mulher, mas também porque se entendia, em virtude de uma presunção legal, que o filho de uma mulher casada o é também do seu marido.
Pois bem, Deus, ao não se ter dirigido a José, nem ter requerido o seu consentimento, reconheceu a Maria toda a legitimidade para tomar uma decisão tão transcendente e irreversível como era, certamente, a de ser mãe de um filho que não era do seu marido, embora concebido na vigência do seu matrimónio. Neste sentido, Maria, embora religiosa e legalmente casada, foi tida, por Deus, como a única senhora do seu destino e, portanto, só ela foi consultada quanto à encarnação do Filho de Deus.
Se é extraordinário este procedimento divino, não é menos surpreendente a atitude de Maria. Com efeito, teria sido lógico que não se comprometesse antes de falar com o seu marido, que também vivia em Nazaré. Mas não foi isso que aconteceu, porque a sua resposta afirmativa foi imediata, mesmo sem a aprovação, nem o conhecimento, de José. Mais ainda, mesmo depois de ter concebido, Maria não se sentiu obrigada a comunicar ao marido o que nela tinha ocorrido, embora o anjo não lhe tivesse pedido que guardasse segredo desse facto. Com efeito, confirmou a sua maternidade à sua prima Isabel, a cuja casa se dirigiu logo após a anunciação, para a acompanhar no nascimento de João Baptista. Mais emancipação feminina era impossível!
É óbvio que, um acontecimento desta natureza, só pode ser explicado por uma razão providencial: convinha que a dúvida de José confirmasse o mistério da concepção virginal de Jesus, como a dúvida de Tomé certifica a sua ressurreição, por sinal revelada, em primeira mão, a uma mulher, Maria Madalena, que por isso é cognominada ‘apóstola dos apóstolos’. Se não fosse esta singularíssima condição, Maria não poderia prescindir do consentimento de José, como também o seu marido não poderia tomar uma decisão semelhante, sem o consentimento da sua mulher: a tanto exige, com efeito, a fidelidade conjugal.
Dizem os machistas que, ‘atrás’ de um grande homem, está sempre uma grande mulher, mas seria mais verdadeiro e justo dizer que é ao seu lado. Mas, na família de Nazaré, é mesmo atrás de uma grande mulher que há um grande homem, cujo ano, proclamado pelo Papa Francisco, concluiu-se no passado dia 8: São José! De facto, só um grande homem é capaz de amar uma mulher tão livre e emancipada como Maria!
Quando Nossa Senhora foi recebida por sua prima Santa Isabel, esta profetizou que a Mãe de Jesus seria louvada por todas as gerações: “Bendita és tu entre todas as mulheres!” (Lc 1, 42). Benditas sejam também todas as mulheres que, como Maria, têm a ousadia de viver “a liberdade para a qual Cristo nos libertou”! (Gl 5, 1).