Era uma casa espaçosa, onde durante anos, nalguns casos décadas, viveu uma quantidade apreciável de meninas. Ali, as meninas recebiam cavalheiros, a quem, sozinhas ou em parelhas, prestavam favores sexuais de ordem diversa a troco de estipêndio combinado. Dentre as meninas, a Madame distinguia-se pela experiência e pela imaginação, o que a tornava a preferida dos reputados clientes, banqueiros incluídos. Além disso, a Madame tentava o “dirty talk” em francês, competência que naturalmente a favorecia nas ancestrais artes lúbricas.
Porém, cada menina possuía habilidades próprias. E todas se especializaram em ficar atentas à aproximação da polícia, impertinência que as deixava furiosas e a clamar pela seriedade da casa. Mesmo quando a Madame exagerou nas jóias e nas peles e nos amigos, e foi detida para averiguações, as meninas rasgaram as vestes (aliás escassas) em público. O público, ou parte dele, condoeu-se delas. Certos vizinhos, que regularmente recebiam compensações em dinheiro ou géneros, juraram pela conduta impecável daquela impecável gente. E até casas concorrentes, com receio de perseguições ao negócio comum, concorreram a afiançar a dignidade da coisa.
Sucede que um triste dia alguém divulgou gravações da Madame em pleno acto, bem feito e bem pago. A primeira reacção passou pela indignação face à devassa da privacidade. A segunda consistiu no embaraço. Só agora, tanto tempo decorrido e tanto prazer derramado, é que, com aparente espanto, as meninas começaram a desconfiar que a Madame e uma ou outra menina são um bocadinho putas e que aquilo tudo é um bordel. A razão da sinceridade súbita? Um mistério. Sabe-se apenas que, com extraordinárias rapidez, oportunidade e intuição, diversas meninas desataram a confessar em uníssono a vergonha, a imensa vergonha, a vergonha do caraças da má fama que a casa injustamente adquiriu. Mas, excepto a Madame, que hoje anda rancorosa pelas esquinas, nenhuma menina saiu de lá: a casa ainda existe, e de portas abertas para bem servir. Sirva-se.
A banalidade da idiotia
O ministro da Cultura, obscuridade cuja existência será desconhecida pela própria mãe, visitou o Forte de Peniche e comparou-o a um campo de concentração nazi. O DN “online” citava o ministro e trazia uma manchete sobre “a Auschwitz portuguesa”. Depois, porque percebeu o grotesco erro ou porque recebeu ordens para corrigi-lo, mudou o título para “maior símbolo do sistema prisional fascista” e recambiou a referência a Auschwitz para as letras miudinhas. Boa nota para a preocupação do jornal em retocar a imagem dos governantes. E nota máxima para o governante em causa, que pelos vistos comparou de facto um lugar onde morreram mais de um milhão de pessoas a outro onde, que eu saiba, não morreu uma única. No fundo, é como chamar ao tal ministro “o Malraux de Idanha-a-Nova”, na medida em que ele também possui dois pés, duas orelhas e uma cabeça – ainda que esta, à semelhança do crematório de Peniche, tenha estado sempre vazia.
Intervalo para publicidade institucional
Decorrerá nos dias 5, 12 e 19 de Maio, na escola de São Vicente de Telheiras, um Curso de Iniciação à Bicicleta, organizado pela câmara de Lisboa, pago pelos contribuintes e destinado aos munícipes que não sabem pedalar e são demasiado imbecis para aprender sozinhos. Nos meses seguintes, haverá cursos para ensinar a avançar uma perna de cada vez enquanto se caminha, a usar o trato gastrointestinal na ingestão e digestão de alimentos e a não cuspir para cima com a boca aberta. Em data a confirmar, também terá lugar um workshop para ajudar adultos a interpretar as luzinhas dos semáforos.
Impunidade parlamentar
Era uma vez o socialista Simões, deputado famoso por residir a 500 km de casa e prometer (mas não cumprir) bofetadas a colunistas. O socialista Simões acha os adeptos portistas “uma coisa horrível”, própria de “casa de alterne”. Está no seu direito. Aliás, está no seu dever: se, quando jura pelo fim da austeridade enquanto saqueia cada tostão, a esquerda em peso insulta os portugueses em peso, um espécime do bando é livre de insultar alguns portugueses em particular. De resto, é treta a conversa de que os parlamentares estão obrigados a superior responsabilidade e recato. Um deputado pode perfeitamente ser um laparoto e uma besta quadrada. E, com frequência, é.
O homem mais azarado de Portugal
Toda a gente sabe que o sr. Salgado nunca corrompeu uma alminha que fosse. De resto, ele próprio o garante e seria paradoxal questionar a seriedade de indivíduo tão sério. Mas impressiona que, de cada vez que se descobre uma trafulhice qualquer do Minho a Luanda, o sr. Salgado lá acabe injustamente envolvido. São subtraídos três abacates a uma quitanda de Santarém? É inevitável que o meliante refira proximidade ao sr. Salgado. Desaparecem mil milhões em operações bancárias esquisitas? Aguarda-se dez minutos e eis que o nome do sr. Salgado irrompe pelo assunto dentro. Nem chega a ser a história da cavadela e da minhoca: não vale a pena cavar que o bicho aparece sozinho. Assim à primeira vista, tudo indica tratar-se de uma enorme conspiração para lixar o infeliz, com recurso a encosto, mau-olhado e restante tecnologia de ponta. Ou então o sr. Salgado tem muito azar. Culpa, desculpem, é que não tem.