Poderá o leitor menos atento questionar-se o porquê de o cronista centrar o título do artigo em dois objetos de análise tão diferentes. Uma Catedral e a obra de um metrobus.  Não faz muito tempo que o Presidente da Câmara do Porto, o Dr. Rui Moreira, era notícia, pois comparara as novas paragens do metrobus do Porto a uma obra, que segundo o próprio, parecia feita pelo Obelix. Ora, acredito eu, que Rui Moreira, estava longe de pensar, bem como todos os leitores, que o Obelix não só tinha andado a distribuir projetos de estações de metrobus pela Marechal Gomes da Costa, tal como aproveitara para passar em Santarém e deixar na Catedral uns belos, e belos de facto, pedregulhos, ou menires, que alguém se lembrou de encomendar e mandar “pousar” sem ponderar o real peso que os ditos objetos litúrgicos teriam sobre as pessoas que praticam a fé na Catedral de Santarém.

O novo altar da Catedral de Santarém (foto do Facebook)

Para não correr o risco de o leitor achar que tenho alguma coisa contra a dita “arte contemporânea”, devo dizer que nada me afeta na mesma, e que neste caso concreto, e na minha sensibilidade pessoal, gosto das peças em questão. Contudo, se as peças até são bonitas, se era necessário um novo altar, ambão ou cadeiral do Bispo, qual é o problema das novas peças da Catedral de Santarém? Bem, o problema, não é, na minha ótica, exatamente o mesmo que o “Obelix” levantou no Porto. O problema é anterior a esse. O problema da arte litúrgica, e não só, é o facto de as nossas dioceses e comissões de arte sacra terem sempre um Ideafix no seu território. Gente de “ideias fixas”, com pouca vontade de ouvir o senso do Povo e que paradoxalmente vocifera uma Igreja sinodal e conciliar. Esqueceram-se rápido do Concílio quando este diz que a Igreja sempre entendeu e ensinou que as artes, mas sobretudo a arte sacra, têm em vista, “por natureza, exprimir de alguma forma nas obras humanas a beleza infinita de Deus e procuram aumentar seu louvor e sua glória na medida em que não tiverem outro propósito senão o de contribuir poderosamente para encaminhar os corações humanos a Deus” (Concílio Vaticano II: SC nº 122).

Ora a ver pelos comentários, mesmo aqueles que alegadamente a diocese de Santarém ocultou nas redes sociais, estas novas peças, geram mais discórdia e escândalo do que propriamente admiração ou inquietação, ambos os sentimentos últimos próprios de quem se detém diante de uma obra de arte. Admita-se que nem sempre o mecenas, ou neste caso o mandatário, pois os mecenas são todos aqueles que contribuem para a Igreja de Santarém, é suficientemente humilde para admitir que a obra que encomendou, não sendo para sua casa, não pode estar refém de subjetividades e ideias provincianas como a que têm repetido até à saciedade, a ver se nem que seja pelo desgaste, nos fazem engolir, aquele disparate de que “a arte nunca foi consensual”. Bem, bastaria dar uma olhadela na teologia estética de Urs Von Balthazar para não correr o risco de dizer que a arte, nomeadamente aquela que tem por objetivo manifestar o Divino, não é “consensual”.  Se a Beleza em Balthazar é vista como pináculo do Amor e se Cristo é o “Arquétipo do Belo” e por isso o parâmetro de todas as “belezas”, como é que isto acontece?

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O problema é que Santarém não é caso único e a idolatria do belo a partir do nome do artista nas últimas décadas tem deixado marcas na sacralidade dos espaços onde colocam a suposta “arte sacra”. Se a Metrobus do Porto tivesse pedido opinião ao Cabido da Catedral da Invicta, talvez as paragens do metro não tivessem gerado estas perplexidades. Os Cónegos do Porto quase caiam na mesma empreitada Gaulesa do metro, quando encomendaram a Siza um projeto para o altar da Sé Catedral. Felizmente, o Cabido douto em história, terá certamente consultado as “Constituições sinodais do bispado do Porto”, de meados do século XVII, pois os sínodos são coisa velha, ao contrário do que se faz crer hoje, e terão lido e relido aquela parte que diz: “Porque em muitas Igrejas do nosso bispado achamos muitas imagens e pinturas de santos tão mal pintadas, que não tão somente não procuram a devoção a quem as vê, mas antes dão matéria de rir (…) mandamos que daqui em diante (…) tenham primeiro a nossa licença”. Sábias as indicações da época e a prudência hodierna que valeram ao bispado do Porto no século XXI não ter uma paragem de metrobus no meio da Catedral. Sim, porque aos olhos do povo, e o povo é sábio, os artistas de agora tocam todos a mesma música. A lógica que preside à feitura de um altar é a mesma de uma estação de metro. Não vale o lugar nem o propósito, vale o método, tornado como único e absoluto.

E se porventura o leitor se quiser deter mais um pouco nestas matérias e continuar a ler as ditas “Constituições sinodais do episcopado do Porto” verá que poderemos ter em mãos uma ousada empreitada. Dizem as Constituições, que as ditas imagens que provocam riso devem ser tiradas e substituídas por outras “bem feitas, como deve ser”. Sugere ainda que se enterrem dignamente pois apesar da sua natureza são objetos sagrados.

Talvez fosse então boa altura e aproveitando as futuras fundações do novo aeroporto, únicas a meu ver capazes de albergar a tamanha vala comum necessária para tão grande empreitada, começarmos a listar, não só o que provoca riso, mas muitas vezes nervos. Sim, as comissões diocesanas de arte sacra, mais parecem comissões dioclecianas, tal é a perseguição à estética, que é diferente do gosto, e aos fiéis que sofrem nos sentidos as suas “torturas”.

Num exercício muito breve, nota de alguns lugares que o leitor possa conhecer, e só mesmo alguns, pois a lista abundaria. Assim do nada vêm-me à ideia a Sé de Braga, que precisava de um “Querido mudei a Igreja”, tanta é a “tralha” que acumula lá dentro num registo provinciano com tanto pano e paninho, tocheiro e castiçal que uma pessoa fica com vontade de começar numa ponta e só terminar a limpeza à porta. A Igreja do Seminário Menor da mesma Arquidiocese, onde dois ferros e uma mármore mal lascada fazem um suposto altar e uma escultura de uma senhora idosa sentada no primeiro banco da Igreja é apelidada de Nossa Senhora. Se quisermos dar um saltinho a Viseu, encontraremos uns menires mais antigos que os de Santarém. São assim uma espécie de pirâmides egípcias viradas ao contrário. Os mais criativos dizem que aquele triângulo é uma referência implícita à maçonaria, já eu acredito mesmo que a ideia era fazer uma referência à Trindade, correu foi mal, muito mal. Dizem as más-línguas que estão à espera que passe o tempo dos direitos de imagem do artista para arrancar aquela beleza. Queira Deus que seja ontem.

Se o leitor quiser passar por Fátima, aí terá um problema, é que é terra de “vacas sagradas”. O povo pode não gostar, os padres podem não gostar, os bispos podem não gostar, o Papa pode não gostar, que se foi mandado fazer pelo Ideafix lá do sítio, não adianta nada. No chamado altar do recinto, não há uma única imagem de Cristo e muito menos de Cristo crucificado. E não me venham dizer que aquela figura a sair da tela branca por trás do altar representa Nosso Senhor, que não me convencem. Apenas as palavras do cerimoniário do Papa quando tal obra viu, descrevem o sentimento possível – “Não a nós Senhor, não a nós”. A quarenta minutos de Fátima o leitor tem a cidade de Coimbra, por onde poderá passar antes de ir para Santarém. Na Sé-Nova de Coimbra, um visitante mais atento, poderá reparar que o Ideafix lá do sítio julgando-se talhante, deu umas boas naifadas na cátedra do bispo. Sabem, para estas pessoas de ideias bem arejadas, a cátedra era muito grande e, portanto, se é grande, corta-se. Uma pena não existir, uma entidade que tivesse poder de chegar lá e não só impedisse estas maluqueiras como pudesse responsabilizar os ideólogos e executores de tais trapalhadas. E sabe o leitor o que é mais curioso? A Sé-Nova de Coimbra esteve a uma unha negra de ter um altar como o de Santarém, contudo, consta, que o bispo Conde de Coimbra, terá impedido, em boa hora, tal tontearia. Entregou-se a obra a uma arquiteta com fé, o que parecendo que não, faz a diferença, mantiveram-se uns capiteis que não sendo dali tinham de ir para algum lado, e o resultado até que não foi assim tão grave como a primeira solução. Pena é não conseguirem duas obras seguidas de jeito, e tenham ido pintar de dourado estridente os escuros tocheiros que antes ladeavam os corpos dos Cónegos jazidos e agora não só ladeiam o altar como também o tapam.

Enfim, este último caso de Coimbra é paradigmático porque mostra bem qual é o problema por de trás deste fenómeno. Fica a saber o leitor que quiseram os Ideafix’s da cidade dos estudantes, deixar um pergaminho com as suas assinaturas por baixo do altar, contando a história daquele neo altar. É aqui que tenho de dar razão às vozes nortenhas. Esta gente tem medo de ser esquecida, quer ser lembrada à força, quer que se idolatre o sujeito e não que se contemple a obra.

Falta nos faz Sandra Saldanha que pregou com inteligência, praticidade e às vezes até com varapaus, mas pregou no deserto. Num tempo em que se fala tanto no papel da mulher na administração eclesial, era altura de recordar e voltar a trazer uma das mulheres mais competentes que trabalhou com os bispos portugueses, pena estes não lhe terem ligado grande coisa.