A criação da especialidade de medicina de urgência, que aconteceu em alguns Países pioneiros ainda nos anos 70 e 80 do século passado, tem vindo a ser a decisão adotada pela maioria dos Países da Europa e do Mundo nos últimos anos.
Têm-no feito porque, justificadamente, identificam a sua área de saber e de competência como uma área própria, especifica, única e devidamente individualizada. Fazem-no, não por interesses corporativos ou de grupos de “lobby”, mas centrados nos interesses dos cidadãos, para melhorar, em eficácia e eficiência, os cuidados médicos em situação de urgência e emergência.
Portugal resiste, teimosamente, em dar este passo. Não porque tem ou apresenta uma alternativa melhor (aliás, se há sistema que tem mostrado falhas, consecutivamente, nos últimos tempos, em Portugal, é exatamente o sistema de urgência/emergência); não porque demonstre que os outros Países todos ou quase todos da Europa e do Mundo fizeram uma opção errada (a nossa velha mania de, ao errarmos, apesar de isolados, acharmos que os outros todos é que estão a errar: “o meu filho Manel é o único do pelotão a marchar com o passo certo!”); não porque demonstramos que o nosso sistema atual é mais eficiente (pelo contrário, o sistema atual “consome” horas dos médicos das variadas especialidades que seriam importantes para aumentar o número de consultas de especialidade, de cirurgias, etc. e tem custos financeiros elevadíssimos); mas, muito provavelmente, continuamos, até agora, em negação do óbvio, por forças de bloqueio corporativistas, de interesses de um grupo ou de uma ou outra especialidade, que entendem (erradamente) que se tratará de uma perda de poder ou de importância no sistema….que na verdade continua e continuará a precisar de todos, nos seus lugares respetivos e noutros, que entretanto evoluirão juntamente com o próprio sistema.
Como utente, acredito e anseio ser tratado por alguém que se especializou numa determinada área de saber. Que, numa formação abrangente, mas especifica, aprendeu a diagnosticar e a fazer uma primeira abordagem de todos os doentes urgentes e/ou emergentes que entram num Serviço de Urgência ou que são abordados pelas equipas médicas do pré-hospitalar. Esse saber e competência especificas farão, muitas vezes, a diferença.
Como médico, e tendo trabalhado como “Senior Clinical Fellow” de Medicina de Urgência/Emergência no Reino Unido, onde essa especialidade existe desde 1968, reconheço que se trata de uma área de especialização individualizada, onde saberes e competências específicos em trauma, em alguns temas de medicina interna, de cardiologia, de pediatria, de cirurgia, de ortopedia, de radiologia, etc. etc. são, efetivamente, necessários e importantes e que só uma nova especialidade, que englobe tudo isto, numa perspetiva de abordagem inicial, de urgência, o poderá assegurar.
Como formado em gestão, entendo que esta é uma necessidade do SNS, que permitiria ajudar a resolver os problemas de falta de médicos dos Serviços de Urgência, porque lhes cria uma carreira; aumentar a sua capacidade resolutiva (em quantidade e qualidade); “aliviar” a pressão sobre o internamento; aumentar a capacidade de resposta (consultas, cirurgias, internamentos) das outras especialidades; criar um verdadeiro “espírito de corpo” nas Urgências, tão necessário para o bom desempenho das equipas; e, finalmente, muito provavelmente, melhorar a humanização dos cuidados médicos, pela presença continua das mesmas “caras” (dos médicos) no seu serviço de urgência, a tratar os seus doentes, sem a lógica atual da rotação de 12 horas por semana.
A 12 de dezembro próximo umas dezenas de ilustres colegas médicos (a Assembleia de Representantes da Ordem dos Médicos) votarão sobre a criação (ou não) desta especialidade. Este é o último e decisivo passo neste processo, que dura há cerca de 20 anos (a proposta de criação das equipas fixas de médicos “urgencistas no Hospital de São João remonta a 2001). É a oportunidade de nos aproximarmos da Europa e do Mundo, em prol do doente que juramos sempre defender (“A Saúde do meu Doente será a minha primeira preocupação”). Não a desperdicemos!