Foi muito badalada a ironia de a Alemanha pedir ao Sul da Europa solidariedade, na gestão do consumo de gás natural, depois da sua postura menos solidária na crise das dívidas da Zona Euro há dez anos atrás. É possível criticar a postura pouco solidária do Norte da Europa durante a austeridade, sem deixar que isso mine a unidade da União Europeia, como felizmente os Estados-membros mostraram com o acordo de redução energética.

Apesar dessa notícia que mostra grande maturidade das nossas instituições e encorajadora capacidade de consenso para lidar com um inverno que será certamente muito difícil, é uma solução que vem apenas remediar parcialmente um conjunto enorme de erros na gestão energética da Europa nas últimas décadas, que deverão ter custos elevados para todas as famílias nos próximos meses.

Se agora já sentimos o peso do aumento do preço da energia nas bombas de gasolina ou nos supermercados, mais perigoso será quando o sentirmos sempre que tivermos de aquecer as nossas casas no Inverno, num País com níveis preocupantes de pobreza energética. Em Itália, em que existe uma situação semelhante à de Portugal, o Governo tem feito um esforço concertado para incentivar o melhoramento do parque imobiliário ao nível de isolamento e preservação de temperatura, mas infelizmente em Portugal não têm surgido iniciativas com a mesma ambição.

Mais grave do que isso, numa altura em que criticamos a Alemanha, e  com muita razão, por ter aposta na Rússia como fonte única da sua energia, por abandonar a sua importante capacidade nuclear e por não ter usado os seus enormes excedentes orçamentais para acelerar a transição energética, também devemos olhar para as importantes responsabilidades que os inaptos governos socialistas em Lisboa e em Madrid, não têm tido nesta situação de aperto para a Europa.

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É importante lembrar que, quando o PSD saiu do poder em 2015, deixou uma aposta concreta em Sines pronta para ser aproveitada. Foi possível garantir que os americanos davam prioridade a Sines, como porta de entrada de gás natural liquefeito na Europa.

No momento em que os EUA começavam a ganhar dimensão como exportadores de gás, foi elaborado um plano detalhado que pretendia ligar Sines a Espanha e França, em negociação com os respetivos Governos. Estas negociações foram fruto de enorme trabalho no quadro do Conselho Europeu e conseguiram garantir que finalmente a Península Ibérica deixaria de ser uma ”ilha energética”, separada pelos Pirinéus do resto da Europa. Era uma transformação revolucionária que desceria custos de energia para os consumidores e permitiria no futuro que Portugal exportasse a energia renovável que tem tanto potencial para produzir.

Essa ideia foi abandonada pelo Governo de António Costa, que como foi seu apanágio procurou romper com todo o trabalho do Governo anterior, por mais meritório que fosse. A isso seguiram-se delirantes tentativas de apostar no Norte de África como garante do fornecimento de gás natural ibérico e desbaratou-se totalmente o papel único que Portugal podia ter como elo de ligação dos dois lados do Atlântico.

Num momento de crise em que muitas famílias vão passar grandes dificuldades com o preço da energia, importa lembrar que foi o sectarismo da falta de visão do Governo socialista, mais preocupado em andar a reboque das circunstâncias do que em liderar reformas, que levaram a que muitos problemas que Portugal vai enfrentar nos próximos meses pudessem ser evitados.

É importante não só lembrar esses erros como tentar urgentemente recuperar essas oportunidades perdidas, de forma a mitigar ao máximo os efeitos mais dramáticos de uma crise energética. Vem aí uma crise, para a qual não estamos preparados: a crise do frio.