É difícil de compreender que não haja um minuto nos debates onde os partidos digam o que propõem para a cultura deste país. Pode dizer-se que isso não traz votos ou não aumenta as audiências. Mas são esses argumentos que explicam muito a amostra dos nossos líderes partidários. Todos estamos de acordo que o desemprego, a habitação, a educação, a saúde ou justiça são temas que atravessam a sociedade e que preocupam os portugueses. A Pirâmide de Maslow explica muito, mas não impede a ousadia criativa.

Muitos dirão que a cultura é transversal, está em todas as áreas da nossa vida e que se respira quando vamos comprar alfaces. É uma forma de escapar à discussão, de não encarar de frente a diferença entre uma pedra e uma flor, de fugir ao essencial. Quando não interessa discutir um tema, usa-se a velha estratégia de esvaziar o copo para não saciar a sede do adversário.

Nos programas dos partidos fala-se de 1% do PIB para a cultura, mas de maneiras diferentes. Há pouca coragem política das maiores forças políticas. Não querem assumir esse objetivo, por isso, preferem dizer que 1% deve ser atingido de forma faseada, não se comprometendo para além disso. Há pouca ambição, a AD assume que quer aumentar o orçamento para a cultura, apenas, em 50%, ao longo de quatro anos – é pouco. O PS fala em atingir 1% de “forma gradual”, sem datas. Estamos no trapézio, onde há um exercício de linguagem e tudo baloiça perante as hipóteses, mas com condições. É quase normal existir um eclipse quando se fala de cultura e de quem nos governa. Francisco Lucas Pires e Manuel Maria Carrilho foram ministros que deram à cultura um lugar na política, porque eram cultos e tinham pensamento próprio.

O sector da cultura e das artes foi sempre o parente pobre de todos os governos, as suas estruturas burocratizaram-se e exigem nos concursos ao financiamento que se dê a volta ao mundo, parece que vivem noutro mundo, longe de quem trabalha no sector, descontextualizados e arrogantes. Os governos não conseguiram inscrever a cultura e as artes nos financiamentos comunitários, aparecendo sempre na sombra de outros instrumentos, sem o estatuto próprio que o sector reivindica.

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O Ministério da Cultura transformou-se na sala VIP das vaidades, mas onde a precariedade é a lei dos artistas. É urgente rever o financiamento e os procedimentos, para garantir aos profissionais maior estabilidade e direitos sociais. Quem trabalha no setor da cultura sabe que conta os tostões, tem a vida cativa dos concursos. A sua precariedade estende-se a todas as áreas das suas vidas. Isso foi bem visível durante a pandemia. É lamentável que nenhum partido tenha dedicado à cultura um segundo. Pressionados pelas forças de segurança deixaram-se levar na onda eleitoralista e aceitaram discutir os subsídios em vez da segurança. Os trabalhadores no setor da cultura mereciam uma referência especial. Mas esse não foi o entendimento de nenhum partido e os jornalistas, também, se esqueceram de perguntar.

A cultura acompanha a desertificação do país, é preciso uma descentralização que tenha em conta a recuperação de territórios e pessoas, com dinâmicas, onde o setor da cultura se assume como força de coesão.

A defesa da língua portuguesa passa por repensar o Instituto Camões e o papel da CPLP. As embaixadas portuguesas podem e devem ter sensibilidade para repercutirem o que o escritor João de Melo fez em Madrid, como conselheiro cultural na Embaixada de Portugal em Espanha, tendo feito uma divulgação sem precedentes da nossa cultura no país vizinho. A língua portuguesa deve servir a visão estratégica de afirmação de Portugal no mundo.

A cultura do silêncio foi a grande vencedora nos debates entre líderes partidários. Infelizmente, isso diz mais dos protagonistas do que do setor. Teria sido interessante abordar alguns temas: Lei do Mecenato, Lei do Preço Fixo do Livro, apoio às livrarias independente, a reestruturação do Plano Nacional de Leitura, da Rede Nacional de Bibliotecas Públicas e Escolares, a Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas, o Programa de Bolsas de Criação Literária, o Cinema e o Audiovisual e, principalmente, a precariedade no setor.

Jack Lang foi Ministro da Cultura de François Mitterrand durante dez anos. A sua ideia de cultura mudou a semântica política. A “Festa da Música”, que imitámos no Centro Cultural de Belém, foi uma das suas marcas. Jack Lang assumia que “a cultura é uma alavanca para o desenvolvimento económico”. Mas, em Portugal, essa ideia ainda é bebé.

Atribuir 1% do orçamento de estado à cultura é uma utopia, talvez, porque pensem que somos um país pobre. Jack Lang defendia que essa era mais “uma razão para se investir em cultura”.