Uma demissão de uma Ministra não é uma coisa boa. Nem um motivo para festejos ou alegrias.

É uma demonstração de falhanços a vários níveis: falhou o Primeiro Ministro que a nomeou e lhe confiou o destino da pasta governamental; falhou, eventualmente, o Presidente da República, que aceitou a proposta de nomeação; falhou a maioria dos portugueses que elegeram este Governo; falhou a própria, a tal ponto que necessitou de usar a medida mais drástica disponível (a demissão) perante a gravidade das consequências das suas ações ou inações; falharam os membros do seu gabinete, que não a souberam assessorar devidamente; falharam os diversos dirigentes da saúde, que aplaudiam e incentivaram as medidas inadequadas que foram tomadas, como se de grandes feitos se tratassem, permitindo que se seguisse um caminho errado e perigoso; falhou a oposição, que não conseguiu convencer a Assembleia da República de que o rumo não podia ser o tomado; e falharam os deputados do partido socialista, que, em maioria parlamentar, foram validando as politicas erradas que foram sendo apresentadas.

No meio disto, sem qualquer responsabilidade, mas sofrendo todas as agruras (das más decisões de uns e de outros, das más políticas, da recém-criada agitação política e, principalmente, do mau desempenho atual do SNS), está o cidadão comum.

E é para esse que o olhar deverá ser hoje (e sempre?!) lançado, quando, amanhã, se tomarem novas decisões (uns e outros) em relação à Saúde.

As medidas que esta Ministra majestaticamente anunciou para resolver a crise das urgências, nomeadamente a criação de uma comissão, o lançamento de uma plataforma informativa para as grávidas desesperadas e o decreto-lei que iria pagar tanto e tão bem aos médicos do SNS que estes iriam ficar impossibilitados de recusar fazer horas extraordinárias, falharam. As grávidas continuam a andar em círculos, perdidas, a tentar chegar a algum ponto de urgência onde possam exercer o seu direito (sim, um direito Constitucional) a serem atendidas; as urgências continuam a encerrar de forma tão errática, irregular e insegura que até arrepia; e as ambulâncias continuam, aparentemente, a tardar demasiado a socorrer quem precisa. Com tudo isto, e talvez, de forma relacionada, a mortalidade em Portugal é maior do que o esperado. E pior do que no resto da Europa…(se se tivessem lembrado de mencionar um algoritmo, como para os fogos, poder-se-ia sempre apregoar que estaríamos 30% melhor do que o expectável, mas esse truque já foi gasto e correu mal).

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Acresce que, não só a falta de médicos nas urgências não ficou resolvida com o decreto-lei que aumenta o valor a pagar-lhes, nem conseguiu reduzir o valor elevadíssimo pago a tarefeiros, como, muito provavelmente, o que terá conseguido foi aumentar a despesa dos hospitais com as horas extraordinárias e com os médicos tarefeiros. Tudo porque se decidiu optar pela lógica do “preço fixo” ao invés do “preço de mercado”, numa repulsa ideológica absurda por essa palavra e pelo que ela representa de demoníaco (e que tão bem funciona em numerosos países).

Aos utentes sem acesso a um médico de família (que são cada vez mais!) foi-lhes oferecido a alternativa de terem acesso a…um médico qualquer, desde que licenciado…

As negociações com os representantes dos sindicatos dos profissionais de saúde, nomeadamente dos médicos, iniciaram-se, mas num ritmo que demonstra que não há pressa, que está tudo bem no reino do SNS…

O profético novo Estatuto do SNS cria uma nova estrutura (direção executiva), mas mantém todas as restantes, potenciando sobreposições, barafunda e consequentes desresponsabilizações, merecendo, talvez por isso (e bastaria!), um “reparo” de Belém. Integra, pela primeira vez, e como que de surpresa, no SNS, estruturas como o INEM, mas depois esquece-se de definir a sua articulação com as restantes instituições e os diferentes níveis de coordenação, dando a impressão de que a sua integração no diploma foi forçada, de última hora e pouco ponderada.

E até os números recentemente divulgados mostram que a gestão da pandemia, trunfo esgrimido com mestria e provável (porque não se vislumbra nada mais) causa para aclamações apoteóticas (e, em verdade, ocas), vieram comprovar que, afinal, até isso correu mal, até nisso temos indicadores piores que a maioria dos países do mundo inteiro.

Mas mais grave do que tudo isto, são as alegadas recentes afirmações de que a culpa de tudo o que se está a passar no SNS é resultado das decisões que foram tomadas nos anos 80, quando diminuíram as vagas nos cursos de medicina!

Há mais de 30 anos que esse eventual “erro” (que foi muito provavelmente propositado, para recuperar uma possível menor qualidade no ensino da prática médica, em cursos com cerca de 1000 alunos, no período eufórico do pós-25 de abril) foi corrigido e a prova disso (conhecida de todos!) é o elevado número de médicos que Portugal tem por mil habitantes, sendo esse um dos valores mais elevados da Europa, na grande maioria das especialidades (incluindo obstetrícia)!

Não houve foi, até agora, e parece que continua a não haver, capacidade para manter ou atrair os médicos para o SNS e essa responsabilidade pode e deve ser imputada a uma ou duas legislaturas ou, dito de outra forma, a quem governa há 7 anos!

Faltou visão, capacidade, talvez até tenha eventualmente faltado vontade para melhorar o SNS.

A demissão de um Ministro não é, em si, uma coisa boa. Mas é, seguramente, uma oportunidade, para se fazer mais e melhor.