Na semana em que se comemora o 25 de Abril, é tradição vermos, espelhado nos jornais, as conquistas que a revolução nos trouxe. Para mim, um dos pilares fundamentais de uma sociedade é o seu sistema educativo. A educação é uma das principais “armas” de combate às desigualdades e potenciadora de evolução social. Gostava, hoje, de olhar para a evolução da educação, porém por um prisma distinto do habitual. O impacto da democratização da educação é muito mais que o número de licenciados que “produzimos” ou qualquer outro dos populares rácios habituais e esse é o desafio que lhe proponho hoje.
A educação e a pobreza
Para termos uma noção da importância da democratização da educação com o 25 de Abril, talvez importe entender, quem sabe, o principal resultado da educação. Um dos maiores flagelos mundiais é a pobreza. Atualmente quase 700 milhões de pessoas vivem em situação de pobreza extrema. Isto significa que quase um em cada dez habitantes do planeta é profundamente pobre. Talvez, as duas principais guerras que o mundo deveria estar a travar seriam contra a fome e contra a pobreza. A razão pela qual trago este indicador, que a todos nos deveria envergonhar, é precisamente porque a educação pode ser a solução para o fim da pobreza.
“Nem todos aqueles que não tem educação são pobres, mas todos os que são pobres não tem educação”. Olhando para esta frase, incluída num relatório da Unesco, podemos facilmente perceber a importância que a educação pode ter em quebrar o ciclo de pobreza, podendo funcionar como o grande equilibrador da sociedade e permitindo a uma família, não apenas, sobreviver, mas triunfar. Um bom sistema educativo permite desenvolver competências e conhecimento, combate as desigualdades e reduz riscos e vulnerabilidades. Não consigo deixar de ressalvar a conclusão desse mesmo estudo, onde a Unesco defende que se todas crianças, dos países de baixo rendimento e extrema pobreza, terminassem o ensino básico, se conseguia reduzir o número de pobres em 171 milhões de pessoas. E se essas crianças terminassem o secundário, então seria possível eliminar metade da pobreza mundial.
Ao analisarmos a importância da democratização pelo vetor da pobreza, recordo-me de um Portugal que se achava um país rico, mas que estava povoado de pessoas pobres. O avanço na educação nos últimos quase 50 anos tem tanto de sucesso como de preocupante. É inegável a democratização e o acesso que todos atualmente tem à educação. O número de estudantes disparou, o número de licenciados bate recordes. No entanto, não podemos confundir esta conquista com a “democratização do elevador social”. Portugal ganhou estudantes, ganhou licenciados, ganhou competências e competentes, Portugal ganhou uma população e gerações de inegável talento. Faltou-nos reter esse talento, dares-lhes as condições que a educação que lhe oferecemos merecia e receber em troca uma sociedade mais justa, mais inclusiva e com menos pobreza.
A nossa educação
O nosso sistema educativo é, hoje, profundamente desafiante. Iremos viver, nos próximos anos, uma necessidade profunda de reforço do quadro de docentes, não existindo pipeline para alimentar essa mesma necessidade. A formação de novos professores e a criação de fatores de atratividade para a carreira são caminhos que o governo deve saber trilhar, assumindo que um professor é um ativo importante, não apenas para o sistema educativo, mas para toda a sociedade. Um bom professor, um professor que tenha qualidade e que receba condições para aplicar a sua qualidade, causa impacto e esse impacto será sentido durante a vida pessoal e profissional dos seus alunos.
É urgente, rever os planos curriculares de forma a dotar os alunos de competências que se enquadrem no que o mercado atual exige e precisa. Esse desfasamento resulta em licenciados sem colocação e na falta de mão de obra qualificada. De nada serve termos a ambição de sermos um país de unicórnios e termos cursos universitários ainda pouco práticos e com pouca ligação às empresas. No secundário, era importante reunirmos condições para atividades extracurriculares que fizessem uma verdadeira diferença. A criação de “clubes” semelhantes ao existente no sistema americano, é uma ferramenta interessante e que poderia funcionar como potenciador de talentos e eliminação de desigualdades entre as crianças através do acesso a conteúdos e experiências.
Devemos continuar a apostar nas creches, não apenas como base do sistema educativo da criança, mas como combate às desigualdades que as mulheres sofrem nas suas carreiras. O acesso a creches deve ser possível desde o final da licença de maternidade, sem prejuízo profissional para as mães. Neste ponto, deixo uma proposta que, acredito, poderia contribuir com uma série de ganhos relevantes: uma equiparação fiscal ao subsídio de alimentação para os valores pagos pela entidade patronal às suas colaboradoras como apoio ao pagamento de creches. Desta forma, as empresas teriam uma motivação para apoiar os seus colaboradores, estes tinham um rendimento extra isento de impostos (que teria de ser aplicado exclusivamente no pagamento de creches para os seus filhos), potenciando a igualdade de género nas empresas, potenciando a natalidade e, acima de tudo, criando igualdades sociais nas crianças e na sua educação.
O que somos e o que achamos que somos
Portugal era um país que se achava rico, mas tinha um povo que era pobre. Hoje somos um país pobre, com um povo que se acha rico. Já ganhámos a batalha da democratização da educação, falta fazer desta a coluna vertebral e a verdadeira aposta dos nossos governos, criando um sistema educativo que transforme licenciados em quadros profissionais, que crie uma escola que eleva e iguala e, finalmente, que ofereça às crianças, a todas as crianças, as mesmas oportunidades e desafios. Essa será a verdadeira vitória da democratização da educação que o 25 de Abril teria iniciado.