A confusão entre as doutrinas políticas clássicas e os partidos portugueses está ao rubro. Essa desordem, suscitada pelas peculiaridades portuguesas e por manobras táticas na história dos partidos, enreda a perceção sobre quem defende o quê e como. É necessariamente mau? Nem por isso. A doutrina serve para ser aplicada e nenhuma responde sozinha à realidade. Mas as pessoas precisam de estar mais informadas para saber quem representa exatamente o quê e para poderem escolher.

A democracia cristã foi revelada pelo PDC (Partido Democrata Cristão) em Portugal, num processo interrompido no contexto do PREC. Mas foi o CDS o seu verdadeiro embaixador ao longo dos anos. A democracia cristã é representante de uma Direita moderada a que gosto de chamar social. É personalista, acredita que cada indivíduo é único e que a sua singularidade deve ser protegida em benefício da pessoa humana e da sociedade. Privilegia o mérito, mas é solidária. Defende a proteção da economia privada, equilibrada com a intervenção do Estado. E advoga a solidariedade para com os que mais precisam. Hoje, neste momento, nenhum partido representa a “Direita Social”, moderada e democrata cristã, no parlamento português. E isso provoca um desequilíbrio que fortalece a Esquerda e a sua visão societária do mundo.

O CDS albergou sempre democratas-cristãos, liberais e conservadores. Nos últimos tempos houve uma sobreposição de um certo conservadorismo católico (em nada relacionado com a democracia-cristã e que é uma tendência, mais do que uma doutrina) em relação a outras tendências (que foram afastadas e/ou que quiseram afastar-se do espaço do CDS). Em suma, o CDS fechou-se em si e em determinados temas da agenda conservadora ligada à Igreja, esqueceu-se de Portugal e abriu espaço a outros: com noção de país, de ciclos, de movimentos sociais e de necessidades políticas. Eu sou católico e a Igreja não tem responsabilidade nenhuma em nada disto. A maioria desses conservadores católicos integra visões minoritárias dentro da própria Igreja. Mas deixemos de olhar para trás: esse é um exercício que afasta e neste momento todos são precisos.

O futuro

Hoje, o futuro da Direita está por fazer – tanto como o futuro de Portugal e na mesma proporção. Esse futuro será sempre o que quisermos fazer dele. Mas só existirá se pensar no país primeiro; se começar também a trabalhar fora dos partidos (o mundo está a ficar diferente); e se deixar de pensar tanto em doutrina e começar a encontrar as soluções que o presente precisa e o futuro exige.

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Certo é que as Legislativas de 2022 e todos os partidos políticos passaram ao lado da realidade do país e do mundo. E os debates continuam centrados em que vai liderar os partidos derrotados. Mas o problema da Direita não é de liderança e só pode ser resolvido ao contrário: percebendo primeiro o país, para depois escolher as pessoas – as muitas necessárias para resolver os problemas. Deixemos de falar da sobrevivência da Direita e passemos, pois, a abordar a sobrevivência do país. Para os partidos é toda uma nova filosofia, bem sei. Mas é o que Portugal precisa. A sobrevivência da Direita democrática está “ligada à máquina” dessa nova filosofia que é ter o país em primeiro lugar na hierarquia dos interesses e da atenção. E o país precisa da Direita Social. Há problemas nacionais para os quais a Esquerda no poder não vai saber encontrar soluções e que exigem o melhor que a Direita tem sabido oferecer por todo o mundo.

A organização da economia e o novo ciclo

Parece impressionante, mas os políticos ainda não se aperceberam da dimensão do novo ciclo que tem vindo a transformar as nossas vidas. Se a revolução industrial introduziu a produção em massa que modelou a economia durante 150 anos, o novo ciclo será mais rápido e não vai trazer menos mudanças aos países e às pessoas. Portugal está atrasado na implementação das medidas de competitividade exigíveis. Mas ainda vai a tempo de transformar a relação entre a ciência e as empresas. Pode cativar investidores e profissionais internacionais de tecnologia, sabendo garantir que os incentivos obriguem a manter os lucros em Portugal. Deve organizar clusters competitivos em áreas específicas, que assegurem uma abordagem bem sucedida ao futuro da economia. Ao mesmo tempo, o país tem que garantir as pequenas (mas cruciais) ferramentas digitais que permitem às empresas clássicas prolongar a sua vida e manter o emprego das gerações que ainda não têm novas qualificações. Tem que trabalhar as indústrias exportadoras e não pode esquecer o turismo, ao mesmo tempo que se reinventa.

Este equilíbrio de transição de ciclo deve assegurar o maior desafio que a Europa (e Portugal, mais ainda) enfrenta: estar esmagado entre os EUA e a China, que têm uma política pensada a 100 anos para assegurar todos os recursos e matérias-primas que as suas economias exigem e que não deixam margem a uma Europa habituada a um estilo de vida que vai ter dificuldade em manter. A China está a açambarcar as produções futuras em determinadas áreas e vai dominar os preços de mercado. A tecnologia europeia terá concorrentes ferozes. A inteligente aposta na economia circular é uma panaceia, que não resolve problemas de fundo no acesso aos recursos. E não temos autonomia energética. Os próximos tempos são extraordinariamente exigentes e ninguém discute a estratégia a seguir, a não ser com medidas avulsas.

Há quanto tempo não ouve os partidos portugueses falar em geopolítica? Pois. Portugal está na Europa e tem vocação atlântica. Há tempos dizia-me um embaixador estrangeiro que lhe tinham dado duas hipóteses para terminar a carreira diplomática: Portugal e a Rússia. A escolha recaiu sobre Portugal, porque teria mais influência e utilidade – a partir daqui chegava à América, África e Ásia. A poderosa China protege Macau como ponte para a lusofonia mundial. Só Portugal parece distraído em relação ao seu posicionamento geopolítico.

Por outro lado, aqui bem perto, temos o exemplo do audacioso plano grego, que aproveitou o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) europeu para introduzir uma reengenharia completa da economia, baseada nos setores mais competitivos e que não esquece, naturalmente, os jovens empresários. E nós, por cá? Entregámos o PRR à pressa, fomos obrigados pela União Europeia a consultar as comunidades locais e demos-lhes uns poucos dias para definir investimentos prioritários – que em muitos casos serão obras de construção.

Reforma fiscal

Para a Direita Social, a intervenção do Estado não depende apenas da organização da Economia. A reforma fiscal, noutras geografias, tem sido um instrumento esmagador para a competitividade das empresas e para o crescimento económico. O caso da Irlanda tem sido repetido muitas vezes. Através da simplicidade de processos, da estabilidade e da transparência das políticas públicas, a Irlanda conseguiu atrair investimento estrangeiro nas áreas centrais de maior crescimento: as novas tecnologias e as bioengenharias. A ambição polaca também não passou despercebida. A Polónia acaba de introduzir um choque fiscal que representa todo um novo paradigma: o IVA sobre bens essenciais, como combustíveis, energia e fertilizantes sofreu a maior queda de sempre e reduziu-se a zero (0%) no caso da alimentação. Os investimentos na saúde deixam de poder ser deduzíveis pelas famílias, mas a organização dos intervalos de rendimento tributável passou a proteger mais a classe média. Também a reforma tributária nos EUA baixou significativamente os impostos sobre as empresas e sobre o rendimento. Na Europa (e Portugal está na cauda da competitividade nesta matéria) urge criar novas soluções que protejam as empresas clássicas, fomentem as empresas tecnológicas e ajudem as famílias a manter a justiça e o equilíbrio social.

Reforma do sistema de ensino

O sistema de ensino português está suportado em conceitos que foram desenhados em 1850. Fala-se muito na qualificação dos portugueses, mas falta uma estratégia nova e disruptiva. Não são apenas os métodos de ensino a revelar-se desadequados. São os próprios conteúdos, a repetição, a ausência dos temas centrais do futuro nos currículos escolares – tudo vai castigar uma geração de pessoas que… nem emigrar vão poder, porque serão inúteis à nova economia mundial. Estima-se que cerca de 70% dos empregos dos nossos filhos não existam hoje, estão por criar. Na Índia, o ensino de Inglês e de linguagem de programação informática foi incluída no ensino inicial, há vários anos. E já mencionei a Irlanda? Está a qualificar os seus cidadãos há décadas. O novo mundo não exige uma revolução na Educação?

Peso do Estado

Um dos grandes engodos de uma certa Direita está no tema da subsidiariedade do Estado. Não é o rendimento social de inserção, o SNS ou o Sistema de Pensões que arruínam o equilíbrio financeiro do Estado. Esses representam despesa útil, fundamental para a qualidade de vida de todos. São as decisões de má gestão, as obras excessivas, o pequeno desperdício, os milhares de milhões de euros que são despendidos sem retorno em Bancos, na TAP e em tudo aquilo de que pouco se fala. Enquanto isso, a Autoridade Tributária persegue os cidadãos, constitui-se braço armado para a cobrança de portagens, aplica coimas que destroem vidas, estraga negócios e exerce uma pressão inimiga da confiança dos investidores e do equilíbrio das famílias. Falta transparência em tudo, até na comunicação de apoios estatais, que são mediatizados, mas esbarram numa burocracia que limita os cidadãos até ao ponto da desistência. 

A Direita em paz com o país

Quem melhor do que a Direita Social pode assegurar o equilíbrio dos benefícios sociais que conquistámos com a capacidade de garantir o seu futuro, criando riqueza económica? Quem saberá proteger as famílias e os empregos anacrónicos, incentivando o crescimento económico num ciclo novo? Quem terá a aptidão de reunir os que têm mais mérito e capacidade para resolver os problemas do país, sem esquecer os que não vão conseguir adaptar-se?

Para manter o nível de vida a que estamos habituados e assegurar aos nossos filhos um país competitivo precisamos de uma economia organizada e com estratégia. E desta depende a paz social, porque quando a economia não funcionar e as pessoas tiverem de abdicar a sério do estilo de vida que têm conseguido prolongar é o próprio regime democrático que vai ser posto em causa. Sem democracia não há humanismo, não há liberdade, não há justiça. Há todo um mundo novo que a nossa geração conseguiu evitar, mas que já provocou o caos e limitou a felicidade dos Homens no passado. O mundo está em mudança e Portugal precisa da Direita Social, hoje mais do que nunca.