A pergunta parece-me óbvia. Num país onde a maioria dos municípios se encontra em áreas de baixa densidade, como é que a economia do PRR aborda e ocupa estas áreas através das suas agendas mobilizadoras e consórcios empresariais, sabendo nós que a grande maioria do tecido empresarial daquelas áreas é constituída por micro, pequenas e médias empresas? Tratando-se de um programa de recuperação e resiliência é possível estender essas agendas e consórcios empresariais, através de uma intensidade-rede criativa, às áreas de baixa densidade ou estaremos nós destinados, no final do programa, a ver aprofundadas ainda mais as assimetrias regionais do território do continente?

A este propósito, recordo a missão da estrutura Recuperar Portugal:

A Estrutura de Missão Recuperar Portugal foi criada por Resolução do Conselho de Ministros nº 46-B/2021, em 04 de maio de 2021, com os objetivos de negociar, contratualizar e monitorizar a execução do Plano de Recuperação e Resiliência.  Considerando a experiência adquirida na governação do PRR foram introduzidos ajustamentos na estrutura da Recuperar Portugal, garantindo-lhe maior autonomia decisória através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 93/2022, publicada a 18 de outubro de 2022.

Faz parte da missão Recuperar Portugal, assegurar o cumprimento da regulamentação nacional e comunitária na execução das Reformas e dos Investimentos do PRR e o cumprimento integral e atempado dos objetivos estratégicos e operacionais; realizar a interação com a Comissão Europeia, reportando a execução das Reformas e dos Investimentos do PRR, assegurando a consecução dos seus objetivos estratégicos e promovendo a monitorização e a concretização dos objetivos operacionais através de marcos e de metas; contratualizar com as entidades públicas responsáveis pela execução das Reformas e dos Investimentos do PRR as correspondentes condições para dar cumprimento aos marcos e metas; promover a divulgação das realizações e resultados do PRR a nível nacional e europeu; implementar um sistema de gestão e controlo interno, que previna e detete irregularidades e permita a adoção das medidas corretivas oportunas e adequadas; Adotar medidas antifraude eficazes e proporcionais; Fornecer apoio técnico às equipas das áreas governativas e entidades executoras das Reformas e Investimentos do PRR, disponibilizando orientações técnicas que assegurem a sua execução mais eficaz e eficiente.

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O PRR, ao falar de reformas e investimentos estruturais para a economia e a sociedade portuguesas, levanta uma questão fundamental de regime: há maior problema estrutural em Portugal do que a assimetria estrutural profunda que remete quase 2/3 dos municípios portugueses para a condição de áreas de baixa densidade e, nessa exata medida, o PRR foi criado para corrigir este problema estrutural de forma determinada e convincente ou apenas o aborda de forma ligeira e superficial?

Na verdade, a recuperação e resiliência das ABD, onde a economia, a demografia e as migrações são as faces de um só e mesmo problema estrutural de longa data, não se resolve daqui até 2026. Assim sendo, é legítimo perguntar, o que vamos fazer para promover as hiperligações empresariais, sociais e tecno-digitais entre as áreas que beneficiam das agendas e dos consórcios já em curso e as ABD que ficaram à margem dessa dinâmica mobilizadora? E como vamos articular as agendas mobilizadoras e os consórcios do PRR com os programas de apoio ao investimento empresarial do PT 2030 e, por essa via, aumentar a intensidade-rede das PME do interior, reforçar o tecido empresarial local e regional e criar economias de rede e aglomeração nas ABD?

E o que nos dizem os números do PRR? Com a decisão de implementação do Conselho de 17 de outubro de 2023, o PRR passou a ter uma dotação de 22,2 MM de euros em subvenções e empréstimos para concretizar 44 reformas e 117 investimentos para os quais foram estabelecidos 461 marcos (reformas) e metas (investimentos) de desembolso relativos a um conjunto de 53 agendas mobilizadoras e consórcios empresariais, assim distribuídos: espaço, aeronáutica e turismo (4 agendas), calçado, têxtil e vestuário (4 agendas), energia (8 agendas), habitação, construção, cerâmica e vidro (3 agendas), matérias-primas, materiais e pedra natural (5 agendas), recursos naturais e ambiente (6 agendas), saúde (4 agendas), tecnologias e aplicações (8 agendas), transportes, mobilidade e logística (11 agendas). Estas agendas dizem respeito a três grandes pilares do PRR, a saber, resiliência, transição climática e energética e transição digital e destinam-se a três tipos de beneficiários: diretos, finais e intermediários. As agendas mobilizadoras abrangem 1247 entidades das quais 941 empresas (728 são PME) e 119 instituições de investigação e desenvolvimento.

No que diz respeito à equidade da distribuição territorial do PRR os números são bem eloquentes, tal como constam do portal da transparência:

  • As áreas metropolitanas de Lisboa e Porto recebem 6,3 MM para um total de investimento de 22,2 MM, ou seja, 30% do PRR,
  • Os concelhos de Lisboa, Porto, Matosinhos, Gaia, Coimbra, Aveiro, Leiria, por esta ordem, recebem um total de 4,4 MM, ou seja, 21% do PRR,
  • Os concelhos de Lisboa e Porto recebem um total de 2,8 MM, ou seja, 13% do PRR,
  • As regiões do grande interior português correspondentes às ABD recebem um total de 2,5 MM, ou seja, 11% do PRR,
  • O valor total dos fundos já aplicados nos concelhos e regiões totalizam 3,2 MM, ou seja, 14,5% do aprovado.

Aqui chegados, e apesar de os números não contarem toda a história, não parecem restar muitas dúvidas de que corremos o risco de perder até 2030 mais uma oportunidade de corrigir este círculo vicioso que afeta a sociedade portuguesa há décadas, isto é, o aprofundamento de uma economia dual que é incapaz de contrariar o declínio económico e demográfico e a fuga dos jovens mais qualificados para outras regiões e países. No mínimo, era importante que se revisitasse a malha empresarial e as cadeias de valor de cada comunidade intermunicipal (CIM) e se equacionassem algumas medidas para promover as consociações empresariais das ABD. Por isso, também, a minha insistência em que o PT 2030 contenha um programa, uma espécie de PRR para as ABD, tendo em vista a formação de economias de rede e aglomeração empresariais nestas áreas. De resto, o ordenamento e valorização das zonas industriais e parques empresariais deveria merecer, igualmente, uma atenção especial do PT 2030. No mesmo sentido, as euro-cidades e euro-regiões poderiam constituir-se como excelentes áreas de acolhimento empresarial no quadro dos programas de cooperação transfronteiriça. Na verdade, nada impede que os setores das máquinas e equipamentos, as componentes automóveis, os produtos farmacêuticos e químicos, as tecnologias de informação e comunicação, a bioeconomia agroalimentar e agroflorestal, as energias alternativas e seus equipamentos, a construção modular, os transportes e a logística, os recursos naturais e os novos materiais, que são as atividades mais favorecidas pelo PRR, façam parte já amanhã da estrutura produtiva das ABD se, como disse, o PT 2030 operar uma reprogramação, uma espécie de extensão empresarial, com o propósito bem explicito de formar novas economias de rede e aglomeração entre regiões e sub-regiões do país, mais desenvolvidas e menos desenvolvidas.

Nota Final

E a terminar, uma pequena/grande história exemplar para ilustrar a dimensão resiliência do PRR num concelho de baixa densidade, o Fundão (relatado no jornal Público de 11 de maio último). Segundo o seu Presidente, Paulo Fernandes, o município do Fundão criou um Plano Municipal para a Integração de Migrantes e um centro de migrações e acolhimento exemplar que, neste momento, é o maior cliente do PRR nas candidaturas à Bolsa Nacional de Alojamento Urgente e Temporário. O centro de acolhimento proporciona a aprendizagem da língua e a escola profissional do Fundão a formação profissional do migrante. O município tem ligação direta com as empresas da região e tem, também, cerca de 300 casas arrendadas para subarrendar aos trabalhadores migrantes. O município do Fundão conta com diversos espaços de cowork, uma incubadora de empresas e um polo tecnológico com vários laboratórios de inovação que atraíram 1200 engenheiros informáticos cujas famílias vivem e trabalham no Fundão. No Fundão, com 30 mil habitantes, convivem hoje 74 nacionalidades e 7% da população é migrante (2100 pessoas), um número que atinge 4 a 5 mil migrantes em algumas alturas do ano. Nas escolas do concelho já há 15% de alunos estrangeiros. Em breve o município vai promover a primeira formação certificada para técnicos de função pública que lidam com migrantes.

Nas palavras do Presidente Paulo Fernandes “ser uma terra de acolhimento não é apenas um gesto humanitário que salva-vidas de imigrantes, é também a salvação da própria terra”.