A arte de fazer previsões no final do ano tem tanto de ciência como de sorte. Quantos analistas e comentadores acertaram nas previsões para 2020, prevendo que um vírus de proporções até aí desconhecidas assolaria o mundo, devastando economias, sistemas sociais e, mais importante, vidas? A resposta é: nenhum. A tentativa de encontrar cisnes negros nas economias é desvalorizada. No entanto, são precisamente estes acontecimentos que alteram modelos, destroem previsões e lançam os países para novos paradigmas.

O ano que agora termina trouxe-nos uma estranha combinação. Por um lado, indicadores económicos e sinais, de consequências bastante desafiantes, resultantes do impacto da pandemia, e, por outro, um discurso político e dos responsáveis financeiros com sinal inverso. Quando há quase dois meses escrevi sobre o perigo de podermos assistir a um fenómeno de estagflação, o discurso oficial era que a inflação era conjuntural, que os mercados iriam reajustar e que não existia perigo para as economias. Hoje, o número de vozes que já olha para o fenómeno por uma perspetiva diferente aumentou e os próprios bancos centrais mostram sinais (ou nalguns casos decisões concretas) de que as suas políticas poderão (ou irão) sofrer alterações a muito curto prazo.

De forma a tentarmos ser objetivos olhemos para os principais indicadores económicos e procuremos partir dessa base para o cenário de 2022. O objetivo não passa por alarmar ou tentar adivinhar, mas sim permitir de forma, o mais simples possível, desenhar o mapa provável daquilo com que poderemos ter de lidar no próximo ano.

O fenómeno da inflação

Comecemos pelo indicador que impacta de forma mais direta e imediata no orçamento diário das pessoas: a inflação. Simultaneamente, talvez seja, o verdadeiro elefante no meio da sala, que muitos preferem não ver, mas que corre o risco de destruir a própria sala ao se mexer. Prefiro abordar este fenómeno por um ângulo o menos técnico possível. Simplificando, trata-se do aumento do custo dos produtos e serviços que todos nós consumimos quando comparando com o período anterior (podemos analisar mensal ou anualmente). Importa destacar que em Portugal este indicador não contempla muitos dos principais custos onde os portugueses sentiram maiores subidas em 2021, como por exemplo os combustíveis. Por uma questão de escala, e até de impacto verdadeiro, visto a economia portuguesa ser demasiado pequena e dependente, irei analisar a inflação da economia americana e derivativas europeias.

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O ano de 2021 ficou marcado por uma subida recorde da inflação nos Estados Unidos. Ainda sem valores de fecho do ano, temos o número registado em Novembro, que atingiu os 6,8%. Para que possa ter uma noção do impacto deste valor, basta pensar que se trata do mais alto registado desde 1982. Nesse ano a economia norte americana alcançou os 6,16% numa tendência de descida desde o máximo de 1979 onde bateu nos 13,5%. De que forma esta correlação com 1979 – 1981 é importante? A inflação máxima a que as economias assistiram no final da década de 70 deveu-se à grave crise petrolífera de 1973 e à consequente crise energética de 1979. Nesse período, o preço das matérias primas dispararou, os gastos industriais e o preço da gasolina e outros derivados do petróleo subiram muito acima do que a economia podia suportar, tendo levado a uma subida massiva da inflação e a uma recessão. Consegue ver alguma coincidência?

Olhando para 2022, a necessidade de queda na inflação colide com alguns indicadores e perspetivas que não podemos ignorar. Para que a economia ajustasse de forma a que a inflação invertesse a sua direção de subida teríamos de ter um de dois fatores: ou uma redução na procura, ou um aumento na oferta. Poderíamos ter ainda um efeito de ajuste nos custos de produção que pudesse levar a um ajuste no preço do produtor (algo que mesmo que exista pode não ter impacto visto que a experiência faz-nos concluir que se o mercado está a comprar nesses valores, os produtores não vão reduzir o seu preço, preferindo aumentar a sua margem). Ora acontece que não é expectável que o consumo diminua, nem me parece muito provável que o aumento na oferta seja suficiente para fazer reduzir, de forma natural, a inflação. Era necessário que existisse uma alteração de paradigma, com um ajuste real no consumo, algo que não se advinha como possível. As pessoas estiveram quase dois anos impedidas de consumir, acumularam liquidez, os salários voltaram a aumentar e a taxa de desemprego continua a bater mínimos. Para potenciar tudo isto, os estímulos à economia e ao consumo ajudam a manter essa tendência. Perante este fenómeno, parece-me virtualmente impossível que a inflação baixe sem uma intervenção “artificial”.

Taxas de juro, financiamento das economias e impacto no PIB

Perante o cenário descrito no ponto anterior, e a minha convicção de que nenhuma “mão invisível” conseguirá fazer baixar a inflação, resta aos governos e aos bancos centrais usarem as cartas que estão nas suas próprias mãos. Não é uma decisão fácil, e acredito que quase todos não quisessem “jogar” agora. Mexer nas taxas de juro e nos estímulos à economia, num momento em que estas ainda estão numa fase de recuperação dos impactos da pandemia, é um risco face à fragilidade que os principais países ainda atravessam. No entanto, alguns sinais já nos permitem perceber o que 2022 nos irá trazer.

No Reino Unido, o Banco Central já iniciou o movimento de subida de taxas de juro com a subida de 0,10% para 0,25% da sua taxa diretora. Esta decisão ocorreu a 16 de Dezembro, num momento em que o cenário de um agravamento da pandemia já era evidente, mas com os responsáveis ingleses a entenderem que o risco de inflação e consequentes impactos na economia obrigavam a uma intervenção. Curiosamente, ou não, o BCE, entidade responsável pela política monetária na União Europeia, no mesmo dia 16 decidiu reduzir a compra de dívida pública dos países membros já a partir do final do primeiro trimestre de 2022. Finalmente, em Novembro a Reserva Federal americana tinha anunciado a redução de estímulos à economia e um plano para terminar com a injeção de liquidez no mercado durante o próximo ano. Nessa mesma decisão, ficou ainda implícito que 2022 pode, muito provavelmente, ser o ano de subida de juros no país do dólar.

Para simplificar a parte mais técnica, como impactam na economia e nas pessoas estes movimentos? Comecemos pela subida das taxas de juro. O aumento do custo do dinheiro tem dois efeitos diretos: a contração do consumo e o aumento da poupança. Por um lado, temos o aumento do peso do pagamento da dívida para quem já tem empréstimos, reduzindo dessa forma o valor líquido disponível para o consumo (fazendo a comparação para os países, o serviço da dívida aumenta, limitando os investimentos públicos). Por outro lado, torna-se mais apelativo aplicar excedentes em poupança, visto que o retorno dos juros sobe. Imagine uma decisão de compra de um imóvel com uma taxa de juro perto de zero e a mesma decisão com uma taxa de juro mais alta, tornando o valor do investimento superior. Ou, numa visão de aplicação de liquidez, a decisão de fazer um depósito a prazo com juro praticamente neutro ou realizar a mesma aplicação com um retorno superior. Em ambos os casos o impacto é o mesmo, haverá um desvio de valores do consumo para a poupança e para o pagamento da dívida, além de uma menor atratividade por contrair dívida nova.

Numa altura em que sofremos, mais uma vez, constrangimentos provocados pelas medidas de combate à pandemia, e onde antecipamos mais perdas para a economia, é inevitável não concluir o enorme risco para o crescimento do PIB em 2022. Eu sei que os políticos continuam a acenar com as projeções de crescimento e com valores, no caso português, acima dos 4%, mas sejamos críticos. Será realmente possível termos crescimento da economia num cenário de subida de taxas de juro, limitação de estímulos à economia e pandemia? Sim, mas não será tão fácil e tão garantido.

Como será 2022?

Perante uma inflação do tamanho de um elefante e uma economia que precisa de estímulos, mas vai ficar sem eles, podemos concluir que 2022 não será o ano que nos estão a vender? A resposta a este ponto está no título do artigo, mas vamos detalhar um pouco mais. É verdade que há nuvens negras no horizonte, mas há variáveis que podem fazer o sol brilhar mais alto.

O governo português, e a esmagadora maioria, acredita que a inflação regresse aos 2% na Europa sem que para tal seja necessário criar ajustes na política monetária. É possível? Não. No entanto, não é líquido que passemos de inflação para estagflação. Acredito que nalguns sectores, os constrangimentos criados pela pandemia vão aliviar permitindo uma normalização dos preços e podemos aspirar a manter o crescimento económico e o equilíbrio na taxa de desemprego.

Para o crescimento da economia, não podemos ignorar o elevado nível de liquidez que os mercados ainda detêm. A título de exemplo, 70% do PIB americano advém do consumo e este é expectável que se mantenha em alta. O impacto dessa elevada liquidez pode representar entre 2% a 3% no PIB e com isso, ajudar a amortecer possíveis subidas de juros. Não acredito, no entanto, que tenhamos o crescimento económico anunciado e deveremos aspirar a subidas mais ligeiras das principais economias mundiais.

Finalmente, olhemos para o conceito introduzido no título: ceteris paribus. Trata-se de uma expressão em latim que traduzida resulta em “tudo o resto se mantêm constante”. Aplicando a um exemplo mais próximo de todos, um jogo de futebol terá sempre 90 minutos, ceteris paribus. Repare, que para esta verdade se confirmar tudo tem de se manter constante. Caso, por exemplo, exista uma falha de eletricidade e o jogo for forçado a ser interrompido, toda a base da afirmação perde veracidade. É esta necessidade da inexistência de variáveis que impactem no resultado final que está sobre o “pescoço” das nossas economias em 2022. Comecei por afirmar que o Mundo desvaloriza cisnes negros. Para quem não conhece o conceito, é uma definição de um acontecimento tão raro quanto imprevisível, mas que tem um impacto direto e brutal na economia e na sociedade. Um bom exemplo é a própria pandemia. Se em 2018 um cientista tivesse antecipado que a Covid iria surgir e se tivesse trabalhado nas vacinas e na prevenção, não teríamos tido o impacto que tivemos nestes dois anos. Se a Covid foi um dos últimos cisnes negros, outros poderão surgir, na esmagadora maioria das vezes com dimensões muito menores.

É essa ausência de previsão que me leva a concluir que é possível que 2022 corra bem mas que, para isso, tudo o resto têm de se manter constante. A minha convicção? Bom, a minha convicção é que teremos um ano muito exigente, que era importante que os responsáveis políticos e financeiros tivessem em conta as pessoas e não as suas reeleições e que todos tivéssemos a consciência dos possíveis desafios para que todos pudéssemos tomar melhores decisões. Infelizmente, não estou otimista, provavelmente sou o único, mas talvez em 2022 não tenhamos cisnes negros e possamos assistir a um verdadeiro ceteris paribus.